Acompanhada do marido e de seis dos seus sete filhos, a juíza Amy Coney Barrett foi recebida, ontem, no Capitólio, por uma multidão de manifestantes, favoráveis e contrários à sua nomeação para a Suprema Corte dos EUA. Dentro da Comissão Judiciária do Senado, responsável pelo início do processo de confirmação da escolha, a divisão também era nítida. Enquanto republicanos exaltavam qualidades da indicada pelo presidente Donald Trump, democratas não disfarçavam a hostilidade, com críticas à pressa do governo e preocupação com o futuro do Obamacare.
Aos 48 anos, a magistrada deverá ser confirmada sem dificuldades pelo Senado, de maioria republicana, para ocupar a cadeira que pertencia à progressista Ruth Ginsburg — famosa defensora dos direitos das mulheres que faleceu de câncer em 18 de setembro. Trata-se de uma vaga crucial, que consolidará a maioria conservadora no tribunal, com repercussão por vários anos.
Daí o clima acirrado. Os democratas e seu candidato à Casa Branca, Joe Biden, reividicam que a confirmação ocorra apenas depois da eleição, embora Trump queira levar o procedimento à frente o mais rápido possível. Apesar da ruidosa oposição, os democratas estão impotentes para conseguir impedir a aprovação de Barrett.
Os republicanos ocupam 53 das 100 cadeiras do Senado. Duas senadoras republicanas — Lisa Murkowski e Susan Collins — se opõem a qualquer votação para a confirmação de Barrett antes da eleição. Mesmo assim, os correligionários de Trump contam com votos suficientes para que o processo prossiga.
Antes da audiência, o presidente da Comissão Judiciária do Senado, o republicano Lindsey Graham, foi explícito, em entrevista à Fox, sobre a intenção de sua bancada: “Ajudar o presidente Trump”. “Se querem uma luta por Amy Barrett, eles a terão”, disse, referindo-se aos adversários políticos. Com os ânimos dos manifestantes exaltados, a Polícia do Capitólio efetuou várias prisões. “Esta vai ser uma semana longa e incerta”, disse Graham.
Saúde
Enquanto os republicanos elogiavam Barrett como uma candidata ideal e competente, o democrata Sheldon Whitehouse resumiu a hostilidade do seu partido, que classifica a magistrada como uma ameaça real à lei
que ajudou mais de 20 milhões de americanos a obterem um seguro de saúde, conhecida como Obamacare.
Muitos democratas externaram a preocupação de que sua nomeação tenha sido apressada a tempo de a Suprema Corte ouvir uma contestação sobre a Affordable Care Act (ACA), em 10 de novembro. “As grandes influências secretas por trás dessa pressa fora do comum enxergam essa candidata como um míssil judicial atirado por eles (contra a lei)”, acusou Whitehouse.
Já a senadora Kamala Harris, candidata à vice na chapa democrata, chamou, por videochamada, de “imprudente” a decisão de realizar a audiência em meio à pandemia, com um recente surto de casos da covid-19 relacionados à Casa Branca. Recentemente diagnosticado, o republicano Mike Lee compareceu pessoalmente ao Senado, e sem máscara, para fazer seu discurso. O segundo republicano a testar positivo, Thom Tillis, participou remotamente.
Amy Barrett e seus familiares, todos de máscaras, mantiveram o uso da proteção por toda a audiência. A juíza só retirou a sua ao prestar juramento e fazer um breve pronunciamento — ela deva ser sabatinada na sessão de hoje.
Lei e fé
Católica praticante, Amy Barret é bem vista pelos cristãos conservadores, que compartilham de muitos dos seus valores, incluindo a oposição ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Certa vez, ela disse a um grupo de estudantes que “sua carreira jurídica é apenas um meio para um fim e (...) esse fim é construir o reino de Deus”.
Nos últimos dias, a filiação de Barrett a um pequeno grupo de católicos chamado People of Praise, no qual ela teria o título de “serva”, chamou atenção especial. Conhecida por seus argumentos jurídicos refinados, a juíza insiste em que é capaz de manter sua fé separada de seu julgamento legal.
“Os tribunais não foram projetados para resolver todos os problemas, ou corrigir todos os erros da nossa vida pública”, afirmou Barrett em um breve pronunciamento de apresentação. “As decisões políticas e os julgamentos de valor do governo devem ser feitos pelos ramos políticos eleitos e responsáveis perante o povo. Os cidadãos não devem esperar que os tribunais façam isso, e os tribunais não devem tentar”, acrescentou.
Seus apoiadores, incluindo o vice-presidente Mike Pence, argumentam que ela é vítima de perseguição por parte da esquerda em relação à religião no geral. “Os contínuos ataques dos democratas no Senado e na mídia à fé da juíza Barrett são uma vergonha”, disse o líder da maioria republicana na Câmara Alta, Mitch McConnell.
Joe Biden, que é católico, vem tentando conter críticas de caráter religioso. “Não acho que deva haver qualquer questionamento sobre a fé dela”, comentou, ontem, o líder das pesquisas de intenções de votos. Para ele, os democratas devem “manter o foco”, no caso, as preocupações com o Obamacare. “Quer dizer, em menos de um mês os americanos vão perder seu seguro de saúde”, acrescentou, referindo-se à sessão do Supremo de 10 de novembro.
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Maratona de comícios após covid
A equipe de campanha de Donald Trump preparou uma agenda pesada, na tentativa de compensar os 10 dias que o presidente ficou fora de circuito, por conta da covid-19. Ontem, o presidente retomou os compromissos com um comício, no início da noite, ao ar livre, no aeroporto de Sanford, na Flórida. No momento do embarque, Sean Conley, médico de Trump, divulgou um comunicado informando que o chefe da Casa Branca teve um resultado negativo para a doença em um teste rápido.
“Posso compartilhar com vocês que ele deu negativo, em dias consecutivos, usando o cartão de antígeno Abbot BinaxNOW”, assinalou Conley. Esses chamados testes antigênicos são geralmente menos sensíveis do que os testes moleculares tradicionais (PCR).
Segundo o médico de Trump, que não especificou as datas dos exames, esses não foram os únicos indicadores usados para o diagnóstico. Uma série de dados permitiu à equipe médica concluir “que o presidente não é contagioso”, explicou.
Na véspera, Trump declarou que, mais do que curado, estava imune. “Vocês têm um presidente que não precisa se esconder em seu porão como seu adversário”, tuitou, referindo-se ao democrata Joe Biden. A afirmação foi sinalizada pelo Twitter, por violar as regras da rede social sobre a divulgação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais em relação à pandemia.
Pesquisas
Ansioso para retornar à arena eleitoral, Trump começou a segunda-feira com uma série de tuítes, mirando seu opositor, assim como outros políticos democratas e a imprensa. “Tantas notícias falsas! A mídia enlouqueceu porque percebeu que estamos à frente nas pesquisas que importam”, escreveu ele, sem especificar a que sondagens se referia.
Além da visita à Flórida, o presidente passará nos próximos dias por Iowa, Carolina do Norte e Pensilvânia. A assessora de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, colocada em quarentena depois de também testar positivo para covid-19, afirmou que os participantes seriam encorajados a usar máscaras e que desinfetante para as mãos seria disponibilizado.
Enquanto Trump se esforça para avançar, Biden está quase 10 pontos, em média, à frente do presidente nas pesquisas nacionais, e também consolidou sua vantagem em intenção de voto nos estados decisivos para a eleição. Isso inclui os quatro que o republicano visitará esta semana, e que ele havia vencido em 2016 contra Hillary Clinton.
O democrata lidera por uma pequena margem em Iowa e Carolina do Norte, de acordo com o RealClearPolitics, mas detém vantagens mais substanciais na Flórida e na Pensilvânia, com 3,7 pontos percentuais e 7,1, respectivamente.
Referindo-se à visita de Trump à Flórida em um comunicado, Biden advertiu que o presidente carregará uma “retórica divisionista”, tão perigosa quanto o que não levará: um “plano para controlar este vírus que ceifou a vida de mais de 15 mil” americanos na Flórida. “Já ajudei este país a se recuperar antes e meu compromisso com todos os moradores da Flórida é reconstruir melhor este país”, acrescentou.