ESTADOS UNIDOS

Urnas falsas são espalhadas pela Califórnia por correligionários de Trump

Partidários de Trump instalam dezenas de caixas coletoras de votos não oficiais no estado, um tradicional bastião democrata. Presidente exorta simpatizantes a "lutarem duro", a 21 dias das eleições. Autoridades estaduais não descartam retaliação

Rodrigo Craveiro
postado em 15/10/2020 06:00
 (crédito: AFP / Frederic J. BROWN)
(crédito: AFP / Frederic J. BROWN)

A exatamente três semanas das eleições norte-americanas, a Califórnia tornou-se o foco de uma polêmica envolvendo o partido do presidente Donald Trump. Os republicanos instalaram dezenas de urnas não autorizadas em pelo menos quatro condados no sul do estado. Os dispositivos são considerados ilegais pelas autoridades, segundo a rede de TV CNN. Em nota, o procurador-geral da Califórnia, Xavier Becerra, afirmou que “está preparado para fazer cumprir a lei estadual, caso necessário”. Em seu perfil no Twitter, Trump alimentou a controvérsia e, ao comentar uma reportagem do jornal The Los Angeles Times sobre o tema, enviou mensagem de apoio aos simpatizantes. “Lutem duro, republicanos. Eles têm tirado vantagem do sistema por anos!”, escreveu, em alusão aos democratas. Mais cedo, Trump estimulou republicanos de outros dois estados americanos a repetirem a tática da Califórnia. “Nova York e Illinois, vão em frente!”, afirmou.

“Durante anos, os republicanos da Califórnia têm espalhado falsas acusações sobre fraude eleitoral. Agora, estão colocando caixas de votação falsas que podem levar a uma fraude eleitoral”, escreveu Adam Schiff, deputado da ala centrista do Partido Democrata e chefe do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. “Há muitos meios seguros de depositar o seu voto na Califórnia. Uma caixa de votação falsa republicana não é um deles”, advertiu. Segundo o LA Times, mais de 1 milhão de californianos já depositaram seus votos pelo sistema postal — um recorde na história do estado, apesar de uma pequena fração das 21 milhões de cédulas enviadas pelos correios.

Professor de ciência política na Unibversidade da Califórnia (Ucla), Richard D. Anderson Jr. disse ao Correio que a estratégia do Partido Republicano parece ser uma tentativa midiática de reforçar o discurso de Trump, segundo o qual o voto a distância representa o risco de fraude em favor dos democratas. Apesar disso, o especialista descarta impacto no resultado da votação, em 3 de novembro, “As urnas piratas não terão feito algum nas eleições presidenciais, na Califórnia, onde Joe Biden vencerá com vários milhões de votos de diferença. Os delegados de cada estado elegem o presidente; os eleitores californianos escolherão os delegados, que depositarão os votos eleitorais no democrata Joe Biden”, explicou. Ele admite, no entanto, que tais urnas podem afetar as eleições locais para o Congresso dos EUA ou para a legislatura estadual.

“As urnas falsas são um golpe publicitário da campanha republicana. Ao espalhar suas próprias urnas, os republicanos da Califórnia buscam agitar o eleitorado, criando lembretes visíveis sobre as alegações de fraude de Trump, as quais certamente atrairão a ira dos democratas”, comentou Richard. “Como Trump certamente perderá na Califórnia, é difícil que um republicano fique entusiasmado o bastante para votar.” Segundo o professor da Ucla, os votos coletados nas urnas piratas são contabilizados normalmente — somente serão invalidados caso o envelope externo não tenha a assinatura do coletor de votos. “Os democratas encarregados da apuração avisaram que não utilizarão a falta de assinatura para desqualificar uma votação.”

Ao ser questionado sobre o provável resultado nas urnas, Richard admite que sempre existe chance de vitória de Trump. “Biden tem quase certeza de vencer. O coronavírus e as dificuldades econômicas ligadas ao distanciamento social são sinais realmente negativos para o presidente. No entanto, muitos estados são republicanos, e os votos para Biden estão bastante concentrados”, lembrou. Ele não descarta uma reedição de 2016, quando a republicana Hillary Clinton venceu no voto popular e foi derrotada por Trump no Colégio Eleitoral.

Em queda nas pesquisas, Trump aposta todas as fichas nos estados-chave, onde eleitores indecidos costumam decidir a eleição. Em um deles, a Flórida, a preocupação com a pandemia da covid-19 aumentou a antipatia pelo presidente entre os idosos. Mais de 15.300 pessoas morreram somente no estado. Uma sondagem de 7 de outubro da Universidade Quinnipiac mostra a vantagem confortável de Biden sobre Trump (55% contra 40%) entre aqueles acima de 65 anos na Flórida. Apesar da possível derrota em 3 de novembro, Trump recusa-se a mudar o tom da campanha.

 

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“A disponibilização de urnas não oficiais na Califórnia é uma tática de campanha para reviver a esperança decadente dos republicanos no estado. Assim como a recusa de Trump em dizer se aceitará o resultado das eleições. Ao afirmar ‘Lutem duro, republicanos!’, o presidente modela a disputa e ameaça lutar mesmo em caso de derrota clara na eleição." Richard D. Anderson Jr., professor de ciência política da Universidade da Califórnia (Ucla).

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Juíza volta a se esquivar de polêmicas

 (crédito: pri-1510-1005)
crédito: pri-1510-1005

No penúltimo dia de sabatina no Comitê Judiciário do Senado, a juíza Amy Coney Barrett — indicada pelo presidente Donald Trump para a vaga da falecida Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte dos Estados Unidos — manteve a postura da véspera e se recusou a revelar que decisões tomaria sobre temas polêmicos. O senador Lindsey Graham, chefe do Comitê, sugeriu que Barrett votaria a favor do Affordable Care Act (ACA), a lei que ajudou mais de 20 milhões de americanos a obterem um seguro de saúde, o chamado Obamacare. Ela colocou-se contrária à completa invalidação do ACA, com base em uma única claúsula da lei, como pedem as autoridades republicanas. Barrett, de acordo com o jornal The New York Times, defendeu que a doutrina geralmente exige dos tribunais que eliminem uma única disposição de uma lei e mantenham o equilíbrio da mesma. “A presunção é sempre a favor da divisbilidade”, argumentou a magistrada.

Imigrantes

A juíza também preferiu não responder ao senador Cory Booker, que lhe questionou se condena as ações do governo Trump que separaram crianças imigrantes de seus pais, depois de captura na travessia da fronteira entre México e Estados Unidos. “Senador Booker, isso tem sido uma questão de debate político, e, obviamente, uma tema de debate político, o qual não posso expressar opinião ou ser arrastada a ele, na condição de juíza”, respondeu. “Como ser humano, a senhora acredita que isso é errado?”, insistiu o congressista. “Senador, acho que você tenta me envolver nas políticas de separação da fronteira, não posso expressar uma opinião sobre isso”, disse Barrett.

Hoje, o Senado reunirá um painel de especialistas que vão expor seus argumentos a favor ou contra a confirmação de Barrett para a Suprema Corte. Segundo o The New York Times, os democratas convocaram quatro testemunhas, para as quais Barrett revogará o ACA e ameaçará os direitos reprodutivos e civis usufruídos pela sociedade norte-americana. Os republicanos, por sua vez, chamaram o juiz aposentado Thomas Griffith, além de outras duas testemunhas. Em artigo recente, ele defendeu a capacidade da juíza de separar a fé pessoal das decisões judiciais. A expectativa é de que a indicação de Barrett seja votada pelo plenário em até oito dias.

Ataque a magnata e apoio a Biden

 (crédito: Frederic J. Brown/AFP)
crédito: Frederic J. Brown/AFP

A revista científica Nature oficializou, ontem, o apoio ao democrata Joe Biden na corrida à Casa Branca e fez críticas ao presidente Donald Trump. Em um duro editorial, a publicação acusou o magnata republicano de ter se dedicado a “destruir um sistema” orientado a proteger os cidadãos. “Nenhum outro presidente na história recente chegou a ponto de politizar as agências governamentais e removê-las do trabalho científico. As ações do governo Trump aceleram as mudanças climáticas, destroem a natureza, poluem o ar e matam a vida selvagem, assim como os seres humanos”, escreveu a revista britânica.

A Nature lamentou, especialmente, o anúncio da retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas e de instituições internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também denunciou as “interferências” do governo norte-americano “nas agência científicas e de saúde (…), essenciais para a segurança da população” e o “desprezo pelos fatos e pela verdade, presentes em sua desastrosa resposta à pandemia da covid-19”.

De acordo com a Nature, “Trump fracassou de forma catastrófica no momento mais importante”. A revista sublinhou que se recusa a “não fazer nada, enquanto a ciência é destruída”. Até o fechamento desta edição, os EUA registravam 7,8 milhões de casos de infecção pelo coronavírus e 216 mil mortes em decorrência da covid-19.

Confiança

“Donald Trump tornou-se um ícone para aqueles que buscam semear o ódio e a divisão”, continuo o editorial da Nature. “A confiança de Joe Biden na verdade, nas evidências, na ciência e na democracia fazem dele a única opção possível nas eleições americanas”, insiste a revista, que pede aos eleitores que votem no democrata em 3 de novembro. Por duas vezes, a Nature tinha expressado aval a um candidato: em 2012, a Barack Obama; e em 2016, a Hillary Clinton.

Em setembro, pela primeira vez em 175 anos de existência, a revista Scientific American anunciou apoio a Biden, ao acusar Trump de se opor à ciência e de “negar” as mudanças climáticas. Sem apoiar explicitamente o democrata, o New England Journal of Medicine denunciou na semana passada o “fracasso” das autoridades americanas em sua gestão da crise de covid-19: “Não devemos apoiá-los e tolerar a morte de outros milhares de americanos, permitindo que se mantenham em seus cargos”.

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