América do Sul

Tempos de ruptura

Em plebiscito, chilenos aprovam, por expressiva maioria, a elaboração de uma nova Constituição para o país, em substituição ao texto em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet. Presidente afirma que democracia prevaleceu e pede união nacional

Correio Braziliense
postado em 25/10/2020 23:07
 (crédito: Marcelo Segura/AFP)
(crédito: Marcelo Segura/AFP)

O Chile terá uma nova Constituição, que substituirá a atual, em vigor desde 1981 e redigida na ditadura de Augusto Pinochet. Pouco depois das 21h30, com mais de 35% das urnas apuradas e 78% dos votos favoráveis ao Aprovo, o presidente Sebastián Piñera fez um pronunciamento à nação, parabenizando os compatriotas pelo resultado, obtido em um dia calmo, sem os confrontos que marcaram os 12 últimos meses no país. “Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje, todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja um grande marco de unidade, estabilidade, de futuro, e que se constitua na casa de todos”, discursou.

Indicando o desejo de uma renovação total, os eleitores também escolheram o órgão que redigirá a nova Constituição: uma Convenção Constitucional com 155 integrantes que serão eleitos pelo povo. A outra opção era uma Convenção Mista, composta por 172 membros, distribuída em partes iguais entre cidadãos eleitos e parlamentes em exercício. Agora, o Chile inicia um processo que se estenderá por cerca de dois anos para redigir a nova Carta Magna. O primeiro passo ocorrerá em 11 de abril com a eleição dos constituintes, que terão entre nove meses e um ano para redigir o texto.

Em tempos de pandemia, o comparecimento às urnas foi massivo, com longas filas nos colégios eleitorais. O presidente do Serviço Eleitoral (Servel), Patricio Santamaría, afirmou que esperava o maior número de votantes desde 2012, quando o voto se tornou facultativo no país. Às 22h, o boletim oficial informava que, com 54% das urnas apuradas, 3,83 milhões dos 14,7 milhões de chilenos habilitados a escolher entre o Aprovo e o Rejeito, no país e no exterior, haviam participado de uma decisão que se consolidou como uma das principais pautas dos protestos sociais iniciados há um ano.

Em Santiago, a população foi às ruas celebrar a vitória do Aprovo. Na Praça Itália, epicentro dos protestos do ano passado, o engenheiro Sebastián Llanta, 32 anos, disse à agência France Presse que era difícil acreditar no que estava acontecendo. “É uma consquista graças a tudo que aconteceu há pouco mais de um ano. Não será como mágica, da noite para o dia, mas o que acontecer agora tem a ver com a contribuição de todos nós”, afirmou. “Um ano depois da explosão social, é a primeira oportunidade real que temos de fazer as mudanças necessárias para melhorar a saúde, a educação, para ter uma sociedade mais igualitária”, disse Pilar Matus, 47.

Tranquilidade

Diferentemente do clima de violência insaturado desde que os chilenos começaram a se manifestar nas ruas da capital, Santiago, e de outras cidades do país, não foram registrados distúrbios graves durante o pleito, que teve início às 8h e se estendeu até as 20h (hora local, a mesma de Brasília). O referendo foi decidido depois de um acordo político entre partidos de direita e esquerda, costurado em novembro de 2019, quase um mês depois do início dos conflitos, que começaram com protestos sobre o aumento da passagem do metrô, mas ganharam novas pautas sociais. Há um ano, em 25 de outubro, ocorria o maior protesto já realizado desde o restabelecimento da democracia chilena, em 1990: mais de 1,2 milhão de pessoas se reuniram em torno da Plaza Itália, em uma demonstração da profundidade e amplitude do descontentamento social acumulado em décadas em um país considerado um modelo de crescimento econômico e de estabilidade na América Latina.

Com meio milhão de casos de covid-19 e 14 mil mortes, o Chile se preparou para receber os eleitores com segurança. Para evitar aglomerações, as zonas de votação ficaram abertas, excepcionalmente, por 12 horas, com um horário especial para os maiores de 60 anos, restrições nos acessos e proibição de participação para os casos ativos de covid-19 (cerca de 10 mil, segundo o relatório mais recente). As salas de aula dos colégios que serviram como zonas eleitorais foram desinfetadas, assim como as mesas, cadeira e todos os móveis. No estádio Nacional, em Santiago, o maior centro de votação do país, equipes de desinfecção pulverizaram as instalações com nanopartículas de cobre. Cada mesa contendo as urnas disponibilizou álcool em gel, e os mesários utilizaram máscara, luvas e proteção facial. O país está está sob estado de exceção devido à pandemia, com toque de recolher noturno e fronteiras fechadas, assim como as escolas.

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Morales pode voltar à Bolívia

Exilado na Argentina há 10 meses, o ex-presidente boliviano Evo Morales anuncia nos próximos dias se vai retornar ao país para a posse de seu herdeiro político, Luis Arce, prevista para 8 de novembro. “Acho que até o final da semana, vamos decidir quando e como voltar”, disse Morales à emissora Kawsachun Coca, de Chapare (centro da Bolívia).

Alguns membros do partido Movimento pelo Socialismo (MAS), liderado por Morales, manifestaram o desejo de que o ex-presidente esteja presente na cerimônia. No entanto, outros de seus seguidores acreditam que o retorno deve ser adiado para não ofuscar o momento de Arce, que foi ministro da Economia de Morales.

Nos dias que antecederam as eleições, especulou-se que Morales voltaria a seu país pela fronteira com a Argentina, onde vive desde dezembro. “Estou muito grato ao presidente Alberto Fernández porque ele se ofereceu para me levar pessoalmente à Bolívia”, destacou.

 

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