Os chilenos optaram neste domingo (25/10) por esmagadora maioria mudar a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet e redigir uma nova por meio de uma Assembleia Constituinte, após uma vitória eleitoral que desencadeou a alegria nas ruas de todo o país.
“O Chile acordou, o Chile acordou!”, gritavam as milhares de pessoas que se reuniram na Plaza Italia de Santiago para comemorar a vitória com 77% dos votos da opção “Aprovo” a mudança constitucional, contra os 22% obtidos pela alternativa "Rejeito", quando 53% dos votos tinham sido apurados.
“Nem quando eu era jovem pensei que no Chile poderíamos nos unir para tal mudança (...) Nunca vi tanta gente votando e querendo votar, querendo participar”, disse emocionada María Isabel Ñúñez, 46 anos, gerente de vendas de um banco que caminhava de mãos dadas com sua filha de 20 anos pela principal praça de Santiago, epicentro das manifestações que eclodiram há um ano no Chile.
“Hoje começa uma coisa nova, nem tudo é rápido, mas, após tudo o que sofremos, este ano nos livramos das injustiças que se armavam na ditadura. Tudo o que for feito a partir de agora será histórico”, continuou a cidadã ao lado da filha, Orietta Herraz, que votou pela primeira vez na vida neste plebiscito.
Dentro do palácio do governo, fortemente vigiado pela polícia, o presidente Sebastián Piñera - que se manteve neutro diante deste referendo - pediu aos chilenos que a nova Constituição fosse um marco de "unidade" para o futuro.
"Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje, devemos todos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco da unidade, da estabilidade e do futuro”, discursou Piñera, acompanhado por todo o seu gabinete de ministros.
"Nãos será da noite para o dia"
Mais de 14,7 milhões de chilenos foram convocados a votar. Com a população usando máscaras e com a esperança de uma mudança, longas filas foram observadas nos centros de votação, onde o processo transcorreu sem incidentes, respeitando as medidas sanitárias para evitar a propagação da covid-19.
No plebiscito, os chilenos também optaram de forma esmagadora, com 79% dos votos, por uma convenção constituinte composta inteiramente por membros eleitos pelo voto popular para redigir a nova Constituição. A outra alternativa era uma convenção mista, da qual parlamentares em exercício também participariam.
"Não será como mágica, da noite para o dia, mas o que acontecer agora tem a ver com a contribuição de todos nós”, afirmou à AFP o engenheiro Sebastián Llanta, que participava das comemorações nas ruas.
O plebiscito deste domingo, inicialmente previsto para abril, mas adiado devido à pandemia, foi decidido após um amplo acordo político alcançado em novembro do ano passado, quase um mês após o início, em 18 de outubro de 2019, de protestos sociais violentos que explodiram por todo o país após o aumento das tarifas do metrô de Santiago.
Uma semana depois, em 25 de outubro, ocorreu o maior protesto já feito na era democrática no país. Mais de 1,2 milhão de pessoas se reuniram em torno da Plaza Italia de Santiago, uma demonstração da profundidade e amplitude do descontentamento social acumulado em décadas em um país considerado um modelo de crescimento econômico e de estabilidade na América Latina.
“Esperamos por muito mais de um ano [por isso], é um acontecimento histórico em nosso país”, disse à AFP Elías Pérez, psicólogo de 39 anos, que votou no Estádio Nacional de Santiago, lugar emblemático da história que se tornou o maior centro de votação do país para o plebiscito deste domingo.
A mãe da injustiça
Um ano após o início dos protestos, o Chile apostou nas urnas para mudar a Constituição elaborada em 1980 e enterrar definitivamente a sombra da ditadura de Pinochet, resolvendo pacificamente os problemas de desigualdade e exclusão que resultaram no "estalo social" de outubro.
Para grande parte da população, a Constituição de 1980 é a mãe das desigualdades no Chile. Embora a Carta Magna não estabeleça a privatização de setores básicos, como saúde ou educação, ela incentiva a participação do setor privado e reduz o tamanho do Estado.
Mas, para os críticos do processo, uma mudança na Constituição pode prejudicar a saúde da economia e o desenvolvimento social.
“O objetivo principal deste processo constituinte é deixar para trás a sombra da ditadura de Pinochet (...) criada com o uso da força”, disse à AFP Marcelo Mella, cientista político da Universidade de Santiago.
O segundo objetivo, acrescentou Mella, é "ser capaz de resolver por meios políticos e pacíficos os problemas que se tornaram estruturais", como a desigualdade e a exclusão.
O novo texto deverá ser ratificado em um segundo referendo.
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