Preparado para tudo Augusto Fernandes

Enquanto Bolsonaro reafirma apoio a Trump, Mourão espera uma relação de Estado em caso de mudança na Casa Branca. Itamaraty recomenda cautela ao Planalto

ROSANA HESSEL SARAH TEOFILO
postado em 04/11/2020 02:51
 (crédito: Isac Nóbrega/PR)
(crédito: Isac Nóbrega/PR)

A possibilidade de vitória do democrata Joe Biden nas eleições para a Casa Branca dividiu o Palácio do Planalto sobre como será o futuro relacionamento entre Brasil e Estados Unidos. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teme pela perda de alinhamento ideológico com a saída do atual presidente Donald Trump, a ala mais pragmática do governo prega que o país deve se preocupar em manter os canais de comunicação com a Casa Branca não importa com quem vença o pleito presidencial.

Ontem, o primeiro compromisso de Bolsonaro foi com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para definir qual seria o discurso do Executivo no caso da eleição de Biden. Antes disso, contudo, sem esconder a sua preferência por Trump, o mandatário tomou uma atitude que surpreendeu até aliados, ao usar as redes sociais para dizer que as eleições norte-americanas corriam o risco de sofrer interferências externas que afetariam o resultado final das urnas. Bolsonaro ainda disse que o mesmo poderia acontecer em 2022 no Brasil.

As declarações de Bolsonaro foram avaliadas como um receio de que a derrota do republicano possa ser o primeiro passo para a derrocada do presidente brasileiro daqui a dois anos, caso tente a reeleição. No restante do dia, o chefe do Executivo acabou aconselhado a esperar o fim das apurações para se manifestar. Ao fim da tarde, contudo, ele voltou a declarar apoio a Trump. “Se Deus quiser, ele ganha”, afirmou, ao conversar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

Mais comedido e na contramão do que pensa o mandatário, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) quer o Executivo federal aberto ao diálogo, mesmo que com Biden à frente dos Estados Unidos. Segundo ele, por mais que o democrata tenha caído em descrédito com Bolsonaro pelas críticas que tem feito à forma como o Brasil lida com questões ambientais, o país precisa se centrar na “relação de Estado para Estado, independente do governo, havendo simpatias ou não”.

“Em relação se é Biden ou se é Trump, nós temos de fazer o certo. Porque esse é o nosso dever como governo do Brasil, fazer com que a lei seja obedecida. Se não vira uma bagunça. Política ambiental não muda, independente se é Trump ou Biden. Segue o baile”, afirmou o general.

Quebra de estigmas
Dessa forma, o governo já estuda formas de diminuir a resistência que a gestão de Bolsonaro enfrenta entre os democratas norte-americanos. Uma das saídas, segundo interlocutores do Palácio do Itamaraty, é que o Executivo use a influência do embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, junto aos deputados e senadores filiados ao partido de Biden. A ideia do Planalto é ir, aos poucos, quebrando os estigmas que foram criados sobre o presidente brasileiro.

Especialistas em ciência política e relações internacionais avaliam que a postura do governo precisará de mudança, caso Biden vença a disputa, principalmente em relação à agenda ambiental: o Brasil deve sofrer pressão por parte do possível novo presidente norte-americano para apresentar resultados na preservação da Amazônia. Além disso, há a visão de que eventual vitória de Biden pode enfraquecer a ala ideológica do governo, principalmente os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do Itamaraty, Ernesto Araújo.

É o que diz o especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, que ressalta ainda: “No curto prazo, a mudança no governo poderá atrapalhar e atrasar o diálogo bilateral do acordo de facilitação de comércio recém formalizado entre Brasil e Estados Unidos. Mas, no longo prazo, poderá fazer com que o governo brasileiro volte a priorizar a pauta ambiental, porque será preciso mudar o discurso atual. Isso que poderá ajudar na volta das conversas do tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.”

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Feliú diz acreditar que não deve haver grandes rupturas entre o Brasil e os EUA, pelo fato de a parceria ser longa e tradicional. No entanto, ressalta que Bolsonaro deve sofrer pressão relativa à política ambiental por parte do país do norte — somando-se, ainda, à pressão que já vem sendo sofrida pela Europa. “Não acredito que o Brasil vá ‘peitar’ os EUA, porque aí é a completa ‘venezuelização’ do Brasil; aí a política externa fecha de vez e a gente vira Venezuela”, diz. Para ele, a expectativa é que com uma eventual pressão de Biden, o Brasil mude a política doméstica em relação à Amazônia.

Agenda ambiental
Para o cientista político norte-americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), Bolsonaro precisaria demitir Salles e Araújo, visto que a manutenção deles nos seus respectivos cargos tornará insustentável para o Brasil manter boas relações com o segundo maior parceiro comercial (EUA). “Ernesto Araújo sucateou o Itamaraty, que era respeitado porque tinha diplomatas capacitados e que zelavam pela imparcialidade. O país tinha uma política externa independente. Desde 1964, eles não abraçavam o governo dos EUA como Bolsonaro fez, nem os militares”, destaca.

O alinhamento ideológico de Bolsonaro com Trump tem ultrapassado os limites da diplomacia tradicional. Analistas lembram que o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos não cresceu, apesar da bajulação de Bolsonaro a Trump. Pelo contrário. De acordo com dados do Ministério da Economia, as exportações brasileiras para os EUA encolheram 29,6% no acumulado de janeiro a outubro em relação ao mesmo período de 2019, com redução de US$ 34,7 milhões na média diária embarcada. Enquanto isso, as exportações para a China, maior destino dos produtos brasileiros registrou alta de 12,7% no acumulado até outubro na mesma base de comparação, com crescimento de US$ 31,8 milhões na média diária.

Especialistas veem a vitória de Biden como um sinal de distensionamento entre Estados Unidos e China. A guerra comercial deflagrada por Trump não tem agradado ninguém. Uma trégua na chamada “Nova Guerra Fria” ajudaria a reduzir as incertezas no comércio global durante o processo de retomada da economia em um cenário pós-covid-19.

memória

Fechado com o republicano


Desde o início do ano, Bolsonaro deu diferentes declarações de apoio a Trump. No mês passado, por exemplo, o brasileiro disse até que iria comparecer à posse do presidente norte-americano, no caso de reeleição. “Com toda certeza, espero, se essa for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos EUA. Não preciso esconder isso, é do coração”, disse o presidente.

Além da torcida escancarada de Bolsonaro, outros integrantes do governo federal deixaram evidente a preferência do Executivo brasileiro pelo candidato do partido Republicano. Em setembro, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, recebeu o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, em Boa Vista, que veio ao Brasil para conhecer a Operação Acolhida.

A visita do chefe da diplomacia norte-americana a Roraima foi avaliada à época como uma estratégia de Trump para tentar ganhar o eleitorado venezuelano que vive no estado da Flórida — um dos colégios eleitorais mais importantes para o pleito dos EUA —, visto que Pompeo teceu duras críticas ao regime de Nicolás Maduro.

“Os Estados Unidos também indiciaram Nicolás Maduro por tráfico de drogas. Não devemos esquecer que ele não é apenas um líder que destruiu seu próprio país, provocando uma das crises de mais extraordinárias proporções da história moderna, ele também é um traficante de drogas, levando drogas ilícitas para os Estados Unidos, impactando os americanos todos os dias”, ponderou Pompeo.

Convocado dias depois pelo Senado a dar explicações sobre o convite a Pompeo, Araújo negou que visita do norte-americano tenha ocorrido por motivos eleitorais, mas reforçou a fala do secretário contra a Venezuela de Maduro. “Importante que a gente não use a palavra Venezuela para se referir a esse bando de facínoras que ocupam o poder ainda na Venezuela, pelos quais a gente só tem desprezo”, opinou o chanceler.

 

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Congresso aposta na agenda econômica

 (crédito: Luis Macedo/Câmara dos Deputados - 10/12/19)
crédito: Luis Macedo/Câmara dos Deputados - 10/12/19

Com a vitória de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, o governo brasileiro seguirá o jogo. Por outro lado, se Joe Biden sobrepujar o rival republicano, a mudança do mandatário americano representará um enfraquecimento do bolsonarismo e forçará mudanças nas políticas de relações exteriores e de meio ambiente do governo Bolsonaro. É assim que os congressistas observam o movimento do xadrez eleitoral do país mais poderoso do mundo.

Para o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), as eleições americanas trouxeram “surpresas históricas”, mas que o Brasil estará preparado para a mudança, caso Biden seja confirmado como vitorioso. “Com o resultado totalmente imprevisível, apesar da divulgação sobre o favoritismo de Biden, acredito que o Brasil está preparado para mudar a estratégia diplomática e se mostrar com aspectos mais econômicos aos Estados Unidos, porque o nosso país tem potencialidades e é muito maior que qualquer ideologia política”, disse.

Trad espera que, eleito, Biden promova mais críticas ao Brasil. “Acredito que, no começo, haverá sim críticas ao tratamento do Brasil com as ações ambientais, até porque o mundo lá fora não conhece a realidade da Amazônia. Por isso, a necessidade de reativar o Parlamento Amazônico e divulgar a nossa Amazônia, melhorar a comunicação do que realmente acontece lá”, afirmou. Também do grupo bolsonarista, mas da Câmara, o deputado pesselista Bibo Nunes (RS) afirma que, mesmo se Biden vencer a corrida eleitoral, “a relação entre os países não mudará”. “Os Estados Unidos, hoje, são um grande parceiro do governo Bolsonaro. É a maior nação do mundo em todos os sentidos. A expectativa de nossa parte é que Donald Trump saia vencedor. Mas, caso Biden saia vencedor, não teremos grandes problemas, somos uma das grandes nações do mundo”, argumentou.

Nunes alertou que a soberania do Brasil será garantida, e que “a Amazônia é brasileira”. Para ele, a vitória de Biden só mudará a relação entre presidentes. “Acredito que o relacionamento com os EUA não será abalado. O que pode modificar é o relacionamento pessoal entre os presidente. Mas, os países dependem entre si. Com o tempo, tudo se ajeita. O Biden é centro-esquerda e é do diálogo. Na OCDE, não teremos o mesmo apoio. Pode atrasar a nossa entrada, pois o Trump é parceiro de primeira hora. Mas é interessante para o Biden estender as mãos para o Brasil”, avaliou.

Oportunidade
Na visão do líder do PP no Senado, senador Esperidião Amin (SC), a mudança de presidente nos Estados Unidos deveria ser um oportunidade do governo brasileiro adotar uma nova postura em relação ao comércio. “Devemos ser mais inteligentes e mais competitivos comercialmente. Somos concorrentes dos EUA em alimentos, agricultura e em uma série de coisas. A estratégia que deveríamos mudar era a da competitividade em relação ao valor de comércio”, ponderou Amin.

Na visão do senador, uma possível reação de Trump contra o resultado das eleições poderá surtir como um “efeito dominó” pelo mundo. “Muitos países vivem uma polarização muito grande nos últimos anos. O Bolsonaro chegou a falar em fraude nas eleições em 2018, e agora Trump com o mesmo discurso lá nos EUA. A democracia não está conseguindo solucionar problemas antagônicos e esses discursos podem reverberar em problemas no futuro próximo”, completou.

Já o líder da oposição na Câmara, deputado André Figueiredo (PDT-CE), prevê poucas mudanças entre Estados Unidos e Brasil com uma vitória de Biden. Ele acredita que Bolsonaro não deverá mudar o alinhamento automático com os EUA. E a mudança positiva, da saída de Trump do poder, na visão do parlamentar, se dará em escala global. “O resultado das eleições em termos de vitória do Biden será positivo para o mundo como um todo. Teríamos a derrota de um presidente que não tem tido apreço pelo meio ambiente, fez pouco caso com a pandemia e deixou a OMS. Então, o que podemos constatar é que quaisquer perspectivas negativas da derrota do Trump em relação ao governo Bolsonaro são fictícias”, opinou.

Figueiredo critica o que considera uma relação desequilibrada entre as duas maiores economias do continente americano. “O que vimos na relação bilateral é uma devoção de Bolsonaro a Trump, e nenhuma contrapartida que seja positiva para o Brasil. Pelo contrário. Base de Alcântara, soja americana, sobretaxa no nosso aço e, agora, com a 5G, a tentativa de barrar a (empresa chinesa) Huawei de participar do leilão no país. Nada que tenha sido positivo para o Brasil. A China, nessa disputa, representa, na nossa pauta de exportações, R$ 53 bilhões, com superavit de R$ 28 bilhões, enquanto os EUA, R$ 15 bilhões, com deficit de R$ 1 bilhão. O Trump, nesses quase dois anos de relação de subserviência, não trouxe nada de positivo para o Brasil. O que temos clareza é que o governo terá de rever sua política ambiental e política externa. E OCDE é secundária”, criticou.

“Nosso país tem potencialidades e é maior que qualquer ideologia política”

Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado

 

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