A eleição de 2020 nos Estados Unidos foi marcada por muitos ineditismos e isso não diz respeito apenas aos números recordes observados na mobilização dos eleitores. A votação para a Câmara dos Representantes também trouxe algumas “primeiras vezes” que merecem destaque, como a eleição da primeira senadora trans, Sarah McBride, e da primeira ativista do movimento Black Lives Matter, a democrata Cori Bush, que conquistaram uma das 435 cadeiras da casa. Pelo Partido Republicano e representando a Geórgia, Marjorie Taylor Greene é a primeira parlamentar a defender o grupo QAnon a chegar à casa. No Senado, a expectativa de conseguir tirar quatro assentos dos republicanos e conquistar a maioria não se concretizou para os democratas.
Com isso, desembarcam no congresso americano nomes alinhados com as questões que têm pautado o cotidiano dos Estados Unidos nos últimos anos. A enfermeira Cori Bush, 44 anos, é a primeira mulher negra do Missouri eleita para a Câmara dos Representantes. “Hoje eu me tornei a primeira mulher negra eleita para representar o Missouri no Congresso”, tuitou a candidata eleita. “Hoje nós levamos a luta do Black Lives das ruas de Ferguson para as salas do Congresso. Nós faremos justiça”, escreveu Bush, cuja atuação política se concentra no distrito de St Louis e Ferguson, onde se destacou pelo trabalho de ativista depois da morte de Michael Brown pela polícia da região.
Também eleita para a Câmara, a republicana Marjorie Taylor Greene representa o oposto de Cori Bush. Empresária da área de construção civil, ela gravou vídeos defendendo a atuação do grupo QAnon, que propaga teorias da conspiração nas quais o presidente Donald Trump estaria prestes a ser derrubado por um grupo de esquerda que defende a pedofilia e o satanismo. Greene também ficou conhecida por proferir sentenças racistas e sugerir que muçulmanos não deviam trabalhar no governo dos Estados Unidos.
Estrela democrata por Nova York, Alexandra Ocasio-Alvarez foi reeleita com três outras congressistas com as quais forma o “pelotão das quatro”, um grupo de mulheres não brancas e progressistas que traz as pautas das minorias para a casa. Ao lado de Ocasio, seguem na Câmara Ilhan Omar, do Minnesota, Ayanna Pressley, de Massachusetts e Rashida Tlaib, do Michigan. “Nossa irmandade é resiliente”, escreveu Olhan Omar no Twitter. Ocasio, 31 anos, conquistou popularidade nos últimos dois anos com uma presença forte nos noticiários e nas redes sociais graças às suas intervenções contundentes nas reuniões da Casa.
Na Câmara dos Representantes, os democratas seguem com maioria, o que dá a Nancy Pelosi a liderança da Casa por mais dois anos. “Estou muito orgulhosa de poder dizer que esta noite — relativamente cedo — podemos dizer que mantemos a Câmara”, disse Pelosi, que se tornou um obstáculo para o presidente Donald Trump.
Cenários
Se na Câmara dos Representantes a situação é confortável para os democratas, no Senado o cenário é outro. Uma das mudanças mais esperadas pelo partido de Joe Biden até a manhã da eleição não se confirmou: o Partido Democrata, minoritário na casa, esperava conquistar mais quatro assentos, além dos 47 que hoje detém. Até a abertura das urnas, as pesquisas indicavam a possibilidade de virada, mas o cenário mudou na tarde de ontem, quando as apurações nos estados começaram a caminhar para o fim.
Os democratas precisariam derrubar quatro republicanos para ganhar maioria na casa. Se Joe Biden chegar à Casa Branca, seriam apenas três, pois, em caso de um empate o vice-presidente exerce voto decisivo. Hoje, os republicanos têm uma maioria de 53 entre os 100 senadores que compõem a casa.
Até agora, os democratas conseguiram ganhar apenas duas cadeiras, uma no Colorado e outra no Arizona. Este ano, estão em jogo 35 cadeiras. No entanto, os republicanos conseguiram tirar dos democratas uma cadeira muito vulnerável no Alabama e mantiveram suas linhas em outros estados, desafiando as pesquisas que mostravam que Trump poderia afundar a carreira de alguns correligionários em distritos disputados.
O veterano Lindsey Graham — importante apoiador de Trump — foi reeleito na Carolina do Sul, em dura disputa contra o afro-americano Jaime Harrison. Graham se envolveu em uma polêmica nas últimas semanas, depois de supervisionar o processo de nomeação da juíza conservadora Amy Coney Barrett para a Suprema Corte. O processo gerou indignação entre os democratas, que alegaram que a vaga deveria ser preenchida pelo governo resultante das eleições de 2020.
Os republicanos também resistiram sem problemas em outros distritos, incluindo Kentucky, onde o líder da maioria, Mitch McConnell, venceu com facilidade. No Texas e em Montana, também tiveram vitórias. A senadora Joni Ernst (Iowa), aliada próxima de Trump, disse que os democratas acreditavam poder derrubar os republicanos com um cerco intenso, mas não funcionou. “Conseguimos!”, comemorou no Twitter.
Na Carolina do Norte, o senador republicano Thom Tillis proclamou sua vitória com cerca de 94% dos votos apurados. “O que alcançamos esta noite foi uma vitória impressionante e fizemos isso contra todas as probabilidades”, comemorou Tillis, afirmando que fez sua parte para “salvar o Senado”. No Maine, a republicana Susan Collins foi reeleita, diminuindo ainda mais as chances de os democratas conquistarem o Senado. “Acabei de receber um telefonema da (candidata democrata) Sara Gideon aceitando a derrota”, disse Collins, 67, que ficou para trás nas pesquisas por meses.
De acordo com o The New York Times, o ex-astronauta Mark Kelly venceu a senadora republicana e ex-piloto militar Martha McSally no Arizona, um triunfo importante para os democratas. “Acredito no fato de que, quando os votos forem contados, cumpriremos nossa missão”, disse Mark Kelly. O militar da reserva de 56 anos serviu na Marinha e cumpriu missões pela Nasa.
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Decisões sobre drogas e aborto
Além de escolher presidente, senadores e congressistas, os americanos também foram às urnas para votar em plebiscitos sobre questões que vão do porte de drogas ao aborto. O Oregon foi uma das maiores surpresas: o estado se tornou o primeiro a descriminalizar o porte de pequenas doses de drogas como heroína, cocaína e LSD.
Em Nova Jersey, Dakota do Sul, Montana e Arizona, os eleitores decidiram legalizar a maconha recreativa, elevando para 15 o número de estados que afrouxaram as legislações para o uso da cannabis nos últimos anos. O resultado coloca Nova Jersey entre os maiores mercados da erva no país e aumenta a pressão para Nova York seguir o mesmo caminho.
No Oregon, a decisão vai evitar que pessoas detidas com pequenas porções de drogas enfrentem tribunais e penas de encarceramento caso paguem multa de US$ 100 e ingressem em programas de reabilitação. A ideia é que esses programas sejam financiados pelo dinheiro obtido com a venda legal de maconha, que já vigora no estado. O Oregon também votou pela legalização do uso de cogumelos psicodélicos em tratamentos de depressão de outras doenças. Assim, o estado se torna um dos pioneiros a encarar o vício e as drogas como problemas de saúde pública e não de segurança.
Califórnia
Os eleitores no estado da Califórnia aprovaram uma medida que permitirá que os infratores em liberdade condicional votem em eleições. A medida afetará cerca de 50 mil californianos e foi apoiada por 59% dos eleitores, segundo o jornal Los Angeles Times.
Atualmente, a constituição californiana proíbe a população carcerária de votar até que seus mandatos de prisão e liberdade constitucional sejam cumpridos. A proposta foi apoiada pela senadora e candidata a vice-presidente Kamala Harris e pelo congressista democrata Kevin McCarthy, autor da proposta. “A Proposta 17 dá aos californianos a oportunidade de corrigir um erro e restaurar os direitos de voto para uma comunidade carente e pessoas de cor”, disse McCarthy. “Isso é bom para a democracia e para a segurança pública”, disse. Os opositores à medida, incluindo o Partido Republicano da Califórnia, denunciaram a proposta como uma “afronta” às vítimas de crime.
Polêmica
No Colorado e na Louisiania, o aborto também foi tema das eleições. No primeiro, os eleitores escolheram permitir que o procedimento seja feito depois da 22ª semana de gestação. Até então, a havia uma data limite para a prática. Em sentido contrário, os eleitores da Louisiana decidiram incluir na constituição do estado uma cláusula que indica que o procedimento não tem proteção legal nem pode ser feito com dinheiro público. O aborto é garantido nos Estados Unidos por legislação federal e a decisão dos eleitores na Louisiania não muda nada na prática, mas pode ser crucial caso haja mudança na lei federal. (NM)
Londres acena ao vitorioso
O Reino Unido insistiu, ontem, que sua estreita relação com os Estados Unidos está garantida, quem quer que vença a corrida à Casa Branca, mas teve o cuidado de destacar sua divergência com o governo de Donald Trump na questão climática. Aliado do presidente republicano, o primeiro-ministro Boris Johnson (foto) não quis fazer comentários sobre as eleições no Parlamento, ao ser questionado sobre a prematura declaração de vitória por parte do magnata americano e sobre sua intenção de recorrer à Suprema Corte para defendê-la. Em entrevista à emissora Sky News, porém, o ministro britânico das Relações Exteriores, Dominic Raab, afirmou que, não importa o vencedor.
Alemanha pede confiança
Diante da polarização política nos EUA, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, pediu aos líderes americanos que mantivessem a confiança no processo eleitoral, dada a incerteza do resultado da corrida presidencial. Enquanto isso, em Washington, o presidente Donald Trump questionava a contagem dos votos. O chefe da diplomacia alemã insistiu na necessidade de “mostrar paciência e esperar o fim da apuração”. A Alemanha ocupa, atualmente, a presidência rotativa da União Europeia. No início do dia, o ministro da Defesa, Annegret Kramp Karrenbauer, expressou preocupação com uma “situação muito explosiva” nos Estados Unidos, depois de Trump declarar-se vencedor antes do encerramento da contagem dos votos.
Números da pandemia também preocupam
Atentos à contagem apertada dos votos para o próximo presidente, os americanos registraram ontem outros números que merecem atenção. A quantidade de infectados e mortos pelo novo coronavírus voltou a subir depois de quatro dias de queda. O declínio começou a ser ensaiado após o pior período da pandemia no país, neste semestre. No domingo, foram contabilizado 99.356 novos casos de infecção e 1.007 mortos. Na segunda, 80.379 e 813, respectivamente. No dia da eleição, 75.888 e 444. Ontem, os números subiram 85.412 e 506, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde o começo da pandemia, os Estados Unidos, país mais afetado quantitativamente pela crise sanitária, contabilizam 9.139.765 infectados e 229.948 óbitos.