ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS

Do lado da ciência

Na primeira ação após ser eleito presidente, Joe Biden cria equipe de 13 cientistas renomados para combater a pandemia da covid-19. Democrata lista prioridades no início do novo governo

Rodrigo Craveiro
postado em 09/11/2020 23:24
 (crédito: Angela Weiss/AFP)
(crédito: Angela Weiss/AFP)

No dia em que os Estados Unidos ultrapassaram as marcas de 10 milhões de casos de covid-19 e 237 mil mortes, o presidente eleito, Joe Biden, nomeou uma comissão de 13 especialistas em saúde pública cuja missão será traçar as estratégias para conter a disseminação do coronavírus — uma prioridade nos primeiros meses de governo. O democrata e a vice, Kamala Harris, participaram de uma videoconferência com os integrantes da equipe de cientistas, incluindo a carioca Luciana Borio, estudiosa em defesa biológica (leia nesta página).
“É necessária uma ação firme para combater essa pandemia. Ainda enfrentamos um inverno muito sombrio. Na semana passada, tivemos 120 mil casos sucessivos, com infecções e hospitalizações em alta. Este vírus custa as vidas de mil norte-americanos todos os dias”, afirmou Biden à nação, a partir da cidade de Wilmington (Delaware). “Para reduzir a disseminação e salvar vidas, nomeei o comitê. (…) Este grupo aconselhará sobre planos detalhados construídos nos alicerces da ciência, mantendo em seu número a compaixão, a empatia e o cuidado por todos os norte-americanos.” A tarefa de Biden não será fácil. O republicano Donald Trump, titular da Casa Branca até 20 de janeiro, deve impor dificuldades para a transição de poder (leia na página 11).
O presidente eleito reforçou o pedido de unidade para enfrentar a crise sanitária mais grave do último século, prometeu trabalhar com lideranças democratas e republicanas e implorou à população para que adote medidas simples de proteção. “Uma máscara é a mais potente arma contra o vírus. Por favor, eu imploro a vocês: usem máscara. Façam por vocês. Façam por seus vizinhos. Uma máscara não é uma declaração política, mas uma boa forma de começar a unificar o país. O objetivo da máscara não é tirar algo de vocês, é dar a vocês algo de volta — uma vida normal”, ressaltou Biden, para quem o acessório tem o objetivo de devolver a nação à “vida normal”. “Temos que nos unir para curar a alma deste país, para que possamos enfrentar essa crise de forma eficaz.”
A comissão (veja quadro) formada pelo democrata será liderada por três cientistas: o ex-cirurgião americano-indiano Vivek Murthy, a professora de saúde pública da Universidade de Yale Marcella Nunez-Smith, e David Kessler, ex-chefe da FDA (agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos). Em entrevista ao Correio, Marc Lipsitch, professor de epidemiologia e diretor do Centro de Dinâmica de Doenças Transmissíveis da Universidade de Harvard, comemorou a decisão de Biden. “A nomeação da comissão é um passo importante para trazer a saúde pública — os esforços que todos fazemos para mantermos uns aos outros saudáveis — de volta de uma divisão política para um empreendimento comum”, explicou.
De acordo com Lipsitch, a prioridade máxima de Biden será restaurar um senso de propósito comum. “Sem isso, as medidas individuais fracassarão. Também creio ser fundamental ele reunir líderes em saúde e em serviços humanos, especialmente do Centro de Controle de Doenças (CDC), que valorizem mensagens e ações não políticas e baseadas na ciência, a fim de ajudar a população a agir de forma que todos sejamos beneficiados”, afirmou. O especialista acrescenta que, durante o governo Biden, as medidas individuais incluirão o básico: aumento do uso de máscaras, a não aglomeração, contato social restrito a ambientes abertos e vazios, e apoio aos prejudicados economicamente pelo coronavírus. Também existe a expectativa de que Biden reconduza os Estados Unidos à Organização Mundial de Saúde (OMS).

Outras medidas

Além da covid-19, três temas devem dominar a transição do governo: a recuperação econômica, a igualdade racial e as mudanças climáticas. “A equipe que está sendo formada vai enfrentar os desafios já no primeiro dia”, informou o site BuildBackBetter.com — que detalha as prioridades. No campo da economia, Biden pretende assegurar alívio imediato a famílias de trabalhadores e a pequenos empresários. Também deve apostar em investimentos públicos e no fortalecimento do contrato social. O racismo será abordado por meio do fomento a pequenos negócios para minorias étnicas, facilitação à aquisição de moradias, igualdade nas oportunidades de acesso ao ensino superior, aumento da segurança da aposentadoria e uma remuneração justa e digna aos trabalhadores negros. Por sua vez, o combate às mudanças climáticas deverá incluir o estímulo à sustentabilidade e à geração de energia limpa.

» Análise da notícia

Não ao negacionismo

Carregada de simbolismo, a primeira medida efetiva anunciada por Joe Biden, depois de ser eleito o 46º presidente da história dos EUA, foi convocar um grupo de notáveis em ciência para combater a covid-19. A decisão do democrata é um contraponto ao negacionismo de Donald Trump e o primeiro sinal de uma guinada de 180 graus na política da Casa Branca. O republicano chegou a ofender Anthony Fauci, o seu principal conselheiro na força-tarefa de resposta à pandemia. Também desprezou orientações do infectologista, em indício de egocentrismo e de centralização do poder.
No discurso da vitória, na noite de sábado, Biden havia anunciado que a América o convocara para comandar “as forças da decência, da justiça, da ciência e da esperança”. Ao convidar e ao cortejar os 13 cientistas, o presidente eleito sinaliza ruptura com a ideologia trumpista e destaca a ciência como prioridade. (RC)

“Por favor, eu imploro a vocês. Usem máscara. Façam por vocês. Façam por seus vizinhos. Uma máscara não é uma declaração política”

Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos

» Os notáveis


» David Kessler, epidemiologista e ex-comissário da Agência Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA)

» Vivek Murphy, ex-secretário de Saúde Pública

» Marcella Nunez-Smith, professora de saúde pública da Universidade de Yale

» Rick Bright, ex-diretor da Autoridade de Desenvolvimento e Pesquisa Avançada Biomédica (Barda)

» Ezeki Emanuel, oncologista e vice-reitor para Iniciativas Globais da Universidade da Pensilvânia

» Atul Gawande, cirurgião da Universidade de Harvard

» Celine Gounder, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Nova York

» Julie Morita, ex-comissária de Saúde de Chicago

» Michael Osterholm, infectologista da Universidade de Minnesota

» Loyce Pace, diretora-executiva e presidente do Global Health Council

» Robert Rodríguez, professor de medicina de emergência da Universidade da Califórnia em
São Francisco

» Eric Goosby, ex-coordenador global para aids dos EUA
e ex-diretor interino do Gabinete de Política Nacional para Aids da Casa Branca no governo Clinton

» Luciana Borio, especialista em saúde global do Council on Foreign Relations

» Eu acho...

“Inquestionavelmente, todos os outros problemas do país não terão solução se o novo coronavírus não for controlado. Priorizar isso foi claramente a decisão correta.”
Marc Lipsitch, professor de epidemiologia e diretor do Centro de Dinâmica de Doenças Transmissíveis da Universidade de Harvard

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Brasileira entre os escolhidos

 (crédito: Joshua Roberts/AFP)
crédito: Joshua Roberts/AFP

O Brasil estará representado na força-tarefa criada pelo democrata Joe Biden para combater a pandemia da covid-19. Nascida no Rio de Janeiro, em uma família de ascendência siciliana, Luciana Borio é formada em medicina pela Universidade George Washington e fez residência do Centro Médico Cornell Weill. A carioca, que vive nos Estados Unidos desde os anos 1980, foi diretora de Política de Preparação Médica e de Biodefesa do Conselho de Segurança Nacional (NSC), entre 2017 e 2019. Luciana começou a trabalhar no governo norte-americano em 2008, como médica da FDA, a agência federal reguladora de medicamentos e alimentos. Entre 2015 e 2017, ela foi subcomissária para contraterrorismo e ameaças emergentes da FDA.

Surtos

A atuação da brasileira foi destacada no desenvolvimento de respostas em saúde pública à pandemia de H1N1 (2009-2010) e aos surtos de ebola (2014-2016) e zika (2015-2016). Segundo a Carnegie Corporation of New York, Luciana advertiu que a influenza “representa uma ameaça de segurança nacional e de segurança sanitária”, à qual “os Estados Unidos não estavam preparados a reagir com a velocidade necessária”. Neste ano, ela ajudou na publicação da Estratégia de Modernização Nacional da Vacina contra a Influenza, criada pelo governo Donald Trump. Luciana é vice-presidente da equipe técnica da In-Q-Tel, empresa de capital de risco sem fins lucrativos, que investe em tecnologia para agências de inteligência dos EUA.
Ainda de acordo com a Carnegie, Luciana destacou-se como ativista em saúde pública durante a pandemia da covid-19 e continua exercendo a medicina no Hospital Johns Hopkins, em Baltimore (Maryland). Em artigos recentes, ela defendeu a expansão dos testes de diagnóstico, o estrito distanciamento social e o apoio a tratamentos promissores contra o Sars-CoV-2. A brasileira mostrou-se crítica contra o uso da cloroquina na terapia contra a covid-19. Luciana também integrou o quadro de analistas do think tank Council on Foreign Relations (CFR). Procurada pelo Correio, ela afirmou que, no momento, não concederá entrevistas.

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