Há 17 anos dando aulas, o professor universitário peruano Juan Francisco Baldeón não é novato na profissão. Também já tinha familiaridade com o ensino à distância: há três anos, ele dá aulas online.
Mas Baldeón diz que, com a pandemia, chegou a um nível sem precedentes de frustração com a docência, o que o levou a anunciar, durante uma aula em outubro, que pensava em deixar de ser professor.
"Já não tenho mais vontade de ensinar vocês, estou farto de verdade", disse ele a uma turma da Universidade Nacional Federico Villarreal (UNFV), durante uma sessão na plataforma Zoom.
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"Vão dizer que 'é o professor que não me ensinou nada'. E não é que eu não ensinei, você que não leu. (...) Estou cogitando a possibilidade de me demitir e ir embora."
O desabafo viralizou em países da América Latina e evidenciou as dificuldades de professores com a migração do ensino presencial para o virtual por causa da pandemia.
"Passou dos meus limites", diz Baldeón à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Depois de conversas com seus coordenadores, o professor decidiu que continuará a dar aulas de Direito na universidade.
Mas diz que não tem sido fácil enfrentar os desafios com que professores têm se deparado no contexto atual — e que desencadeiam momentos de frustração como o que ele viveu.
1. Desconexão com os alunos
O Peru é um dos países com uma das taxas de mortalidade mais altas pelo novo coronavírus e viveu um isolamento social obrigatório entre abril e outubro, fazendo com que, à semelhança do Brasil, as aulas tenham ficado durante meses limitadas ao ambiente virtual.
Baldeón explica que, durante a aula que o fez perder a paciência, os alunos não haviam feito as leituras exigidas para o dia. Um deles gravou o momento em que o professor reclamou da falta de participação da turma.
Baldeón explica que, naquele dia, sua intenção não era abandonar todas as aulas que ministrava, mas sim aquela turma em questão, que ele considerava desinteressada.
"Parece que os alunos estão de certa forma indiferentes por causa da pandemia", opina Baldeón. "Já tinha dito que estava faltando com respeito à aula e a eles mesmos. E que tinham que participar de qualquer aula, fosse remota ou presencial."
Ele acredita que a maior dificuldade nas aulas online é o "rompimento do vínculo entre professor e alunos", vital para o processo de aprendizado.
"Uma tela não é uma universidade", diz ele, citando o pedagogo espanhol Miguel Ángel Santos Guerra.
"O ser humano é um ser social por excelência. Parece que é a mesma dificuldade enfrentada por todos os docentes do mundo. Não imagino como um professor de Medicina pode ensinar uma cirurgia. O que exige prática é muito mais difícil."
2. Ausência da resposta não verbal dos alunos
Nas aulas online da UNFV, os alunos não são obrigados a manter a câmera ligada. Para Baldeón, isso cria outra dificuldade: o professor não consegue ver a reação não verbal dos estudantes para saber se estão ou não acompanhando o conteúdo.
"Notam-se no rosto os sentimentos e emoções dos estudantes quando aprendem um tema", diz ele. "Quando um não entende, o professor está olhando. Vê sorriso, raiva ou preocupação. E repete novamente (o conteúdo)."
Isso muitas vezes se perde nas aulas online em que os professores veem apenas as fotos dos alunos.
"Quando acaba a aula, não interajo com meus alunos, porque (a sessão) acaba", acrescenta Baldeón, ao explicar que os estudantes acabam perdendo a oportunidade de tirar dúvidas fora do horário de aula, como fariam se estivessem na universidade.
3. Não há motivação do grupo
O desinteresse pelas leituras acontece também nas aulas presenciais, reconhece Baldeón. Mas ele acha difícil replicar nas aulas virtuais a motivação que acontece dentro da sala de aula.
"O processo de aprendizagem é coletivo", defende ele. "Os alunos que não são naturalmente afeitos à leitura perdem o incentivo de participar, porque não têm a pressão dos colegas."
No ensino universitário, diz ele, a leitura é particularmente importante, porque "o universitário tem que estar comprometido a absorver o conhecimento como uma esponja".
Em contrapartida, o administrador do grupo de Facebook que publicou o desabafo de Baldeón, Jesús Alberto García, afirma que alunos que participaram da aula de 26 de outubro contaram que o professor havia sido desrespeitoso com alguns estudantes no passado. Por isso, muitos se sentiam inibidos em participar de sua aula.
Baldeón responde: "Por tudo o que está acontecendo no mundo, os alunos provavelmente também estão mais sensíveis. Pode ser que essas afirmações sejam válidas, mas eu nunca tive a intenção de zombar (dos alunos). Não é o meu estilo."
4. Carência de espaços de estudo
O andamento das aulas neste ano fez Baldeón notar que muitos alunos não têm um espaço físico onde possam se dedicar aos estudos.
"Durante a aula, quando eu faço uma pergunta, às vezes escuto (durante a resposta) um barulho de mercado no fundo", conta.
"Provavelmente, eles não estão em um lugar especial para estudar, em uma sala ou ambiente de estudos. Parece que estão na rua. E isso prejudica o aprendizado."
Com essas dificuldades, Baldeón reconhece que não cabe só aos alunos cumprir com sua parte, mas também aos professores buscar estratégias para manter atenção da turma e motivar os estudantes.
"É preciso mostrar entusiasmo aos alunos. Se o clima fica frio entre os professores e os alunos, (a aula) não funciona."
Ele defende que é preciso ser "muito mais paternal" e encontrar vias de comunicação que os estudantes gostem, inclusive pelo WhatsApp.
"Temos que superar momentos difíceis. E ser heróis anônimos. Como médicos e policiais. Não tinha nenhuma intenção que (o desabafo) se tornasse viral, tinha a intenção de me expressar como um pai que chama a atenção de seus filhos."
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