ESTADOS UNIDOS

Vinte dias após eleição, Trump dá sinal verde para a transição nos EUA

Donald Trump ordena que agência encarregada da mudança de governo inicie protocolos, mas avisa que manterá "o bom combate". Biden anuncia gabinete histórico e diversificado para política externa e segurança nacional

Rodrigo Craveiro
postado em 24/11/2020 06:00
 (crédito: Chandan Khanna/AFP)
(crédito: Chandan Khanna/AFP)

O anúncio foi feito no mesmo canal usado por ele para divulgar falsas acusações de fraude nas urnas e reclamar vitória nas eleições de 3 de novembro. Às 18h19 desta segunda-feira (23/11) (20h19 em Brasília), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu sinal verde ao início do processo de transição para o governo do democrata Joe Biden. “Eu quero agradecer a Emily Murphy, da GSA (Administração de Serviços Gerais), por sua constante lealdade e dedicação ao nosso país. Ela foi assediada, ameaçada e abusada — e não quero ver isso acontecer com ela, com sua família ou com empregados da GSA”, escreveu no Twitter. “Nosso caso continua fortemente, vamos manter o bom combate, e acredito que prevaleceremos! No entanto, no melhor do interesse do nosso país, estou recomendando que Emily e sua equipe façam o que for necessário em relação aos protocolos iniciais, e eu disse à minha equipe para fazer o mesmo.”


A GSA enviou uma carta a Biden na qual lhe informou que a Casa Branca estava pronta para começar a transição. A decisão de Trump ocorreu pouco depois de Michigan formalmente certificar a vitória do democrata, com uma diferença de 156 mil votos para o presidente republicano — o estado teve cerca de 5,5 milhões de votos emitidos. A manobra praticamente pôs fim às esperanças do magnata de reverter, na Justiça, a derrota nas eleições. Na noite de ontem, Biden celebrou o “passo rumo a uma transferência de poder pacífica”. A transição, no entanto, já estava em marcha acelerada. Mais cedo, o presidente eleito tinha anunciado um gabinete histórico, marcado pela diversidade, para os postos da política externa e da segurança nacional (leia abaixo).


Charles H. Stewart III, professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), explicou ao Correio que a decisão de Trump deverá permitir a continuidade do governo. “O que resta saber é se Trump tenta minar os esforços de Biden em uma transição. Ele é conhecido por reclamar que Biden era um adversário indigno, e o presidente republicano tem fama de ser vingativo. Precisaremos ver se a aquiescência de Trump em perder a eleição produzirá uma transição suave”, afirmou. O estudioso do MIT acredita que Trump encontra-se em posição difícil. “Por um lado, reconhecer a derrota e permitir uma transição suave é a coisa certa a fazer. Por outro lado, isso será uma decepção para os simpatizantes, os quais acreditam que ele é ótimo por não curvar-se a convenções.”


Por sua vez, Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), entende que o aval de Trump à GSA é “crítico para proteger a segurança nacional e coordenar a resposta dos EUA à pandemia do coronavírus”. “O presidente pode continuar a bufar. No entanto, não mudará a realidade”, disse à reportagem. Lichtman ressalta que o republicano não descobriu fraude nas eleições. “Ele sempre planejou desafiar os resultados, mesmo que não conseguisse fornecer uma prova de fraude sistemática e disseminada”, acrescentou o especialista, que tinha previsto a vitória de Biden, depois de acertar todos os prognósticos em eleições desde 1984. Segundo Lichtman, os esforços de Trump em anular os resultados das eleições também não o ajudaram a alavancar popularidade. Uma nova pesquisa do Instituto Gallup mostra que o seu índice de aprovação caiu de 46% antes da eleição para 43% nas duas semanas depois do pleito.

Ineditismo

Pela primeira vez na história, os Estados Unidos terão mulheres no comando da Inteligência Nacional (Avril Haines) e da Secretaria de Tesouro (Janet Yellen), além de um latino à frente do Departamento de Segurança Interna (Alejandro Mayorkas). O posto de embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU) será ocupado por outra mulher: a diplomata afroamericana Linda Thomas-Greenfield. A escolha pelo novo secretário de Estado, Antony Blinken, aponta para a reaproximação com aliados históricos dos EUA e a retomada do multilateralismo. A indicação de John Kerry para o cargo de enviado especial da presidência para o clima não foi por acaso: o então chefe da diplomacia de Washington no governo de Barack Obama assinou o Acordo de Paris, em 2015. “Não temos tempo a perder quando se trata de nossa segurança nacional e nossa política externa”, declarou Biden, por meio de um comunicado em inglês e em espanhol. O democrata ressaltou que os membros do gabinete são “experimentados” e comprovaram suas qualidades em “situações de crises”.


Os primeiros escolhidos para compor o governo Joe Biden-Kamala Harris expressaram-se por meio das redes sociais. Blinken, 58 anos, afirmou que assumirá a missão “de todo o coração”. Nascido em Havana, o cubano-americano Alejandro Mayorkas lembrou que, quando era muito jovem, recebeu dos EUA um local de refúgio. “Agora, fui nomeado para ser o secretário do Departamento de Segurança Interna (DHS) e para supervisionar a proteção de todos os americanos e daqueles que fogem em busca de uma vida melhor”, escreveu no Twitter o advogado de 60 anos. “Não é uma tarefa fácil liderar o DHS, mas trabalharei para recuperar a fé em nossas instituições e proteger nossa segurança aqui em casa”, acrescentou.

Czar do clima

John Kerry tuitou sobre a missão que lhe aguarda a partir de 20 de janeiro, data da posse de Biden. “O trabalho que começamos com o Acordo de Paris está longe do fim. Estou retornando ao governo para colocar os EUA de volta ao caminho certo para enfrentar o maior desafio desta geração e das que virão. A crise climática exige nada menos do que todas as mãos sobre o convés”, escreveu.


De acordo com Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale (em New Haven, Connecticut), Biden nomeou funcionários que se destacaram por desempenho notável em posições de liderança nas mesmas áreas em que agora ocuparão os cargos mais elevados. “Antony Blinken destacou-se, durante a gestão Obama, por seu compromisso com a democracia e suas habilidades diplomáticas. Sua escolha como secretário de Estado inaugurará uma nova era decisiva nas relações entre Brasil e EUA, marcando um afastamento do apoio desafiador de Trump às ambições autoritárias de Jair Bolsonaro”, avaliou.


Diretor do Programa de Políticas e Leis de Imigração da Universidade Cornell, Stephen Yale-Loehr elogiou a nomeação de Mayorkas. “Ele foi diretor dos Serviços de Imigração e Cidadania dos EUA no governo Obama; depois, subsecretário do DHS. Tem ampla experiência no comando da imigração e será um excelente chefe da Segurança Interna”, disse ao Correio. Sobre o novo secretário de Estado, ele aposta que Blinken fortalecerá o multilateralismo. “Ele fornecerá mão firme ao Departamento de Estado e trabalhará para melhorar o moral da chancelaria.”

» Governo em formação

Antony John Blinken, secretário de Estado
Aos 58 anos, Tony Blinken foi subconselheiro de Segurança Nacional, entre 2013 e 2015, e subsecretário de Estado, entre 2015 e 2017 — ambos no governo de Barack Obama. Nascido em Nova York, cursou o ensino médio em Paris, onde seu padrasto, sobrevivente do Holocausto, exerceu a advocacia. Depois, Blinken trabalhou como advogado na França. Eurófilo comprometido, tem ampla experiência em diplomacia. Sua escolha sinalizaria o retorno ao multilateralismo.

John Kerry, enviado especial presidencial sobre o clima
Veterano político e senador por Massachusetts durante 28 anos, foi candidato à Presidência dos Estados Unidos em 2004, quando perdeu para o republicano George W. Bush. Aos 76 anos, advogado e veterano condecorado da Guerra do Vietnã, foi secretário de Estado durante o governo de Barack Obama, entre 2013 e 2017, em substituição a Hillary Clinton. Em 2015, na condição de chefe da diplomacia de Washington, assinou o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas e negociou o pacto nuclear com o Irã.

Alejandro Mayorkas, secretário do Departamento de Segurança Interna (DHS)
O advogado cubano-americano de 60 anos será o primeiro latino, e o primeiro migrante, a ocupar o posto. Nascido em Havana, desembarcou nos EUA com os pais e as irmãs na década de 1960, na condição de refugiados políticos, logo depois da Revolução Cubana. Morou em Miami, antes de se mudar com a família para Los Angeles. Foi procurador federal do Distrito Central da Califórnia e diretor dos Serviços de Imigração e Cidadania. Entre 2013 e 2016, foi subsecretário do DHS.

Avril Haines, diretora da Inteligência Nacional
Aos 51 anos, é a primeira mulher nomeada para o cargo. Bacharel em física pela Universidade de Chicago e de direito pela Universidade Georgetown, foi subchefe do Conselho da Maioria dos Democratas no Comitê de Relações Exteriores do Senado, presidido por Joe Biden. Em 2013, foi indicada por Barack Obama para o posto de subdiretora da Agência Central de Inteligência (CIA), exercido por dois anos. Entre 2015 e 2017, ocupou o cargo de subconselheira de Segurança Nacional da Casa Branca.

Linda Thomas Greenfield, embaixadora dos Estados Unidos na ONU
Diplomata de carreira, nasceu em Baker, no estado de Louisiana, em 1952. Especialista em estudos africanos pelo Instituto pelo Estudo da Diplomacia na Universidade Georgetown, foi subsecretária para o Escritório de Assuntos Africanos do Departamento de Estado, entre 2013 e 2017. Também ocupou o posto de embaixadora dos EUA na Libéria (2008-2012), além de missões no Paquistão, Quênia, Gâmbia, Nigéria e Jamaica. Foi demitida pelo governo Trump em 2017, como parte de um expurgo na chancelaria.

Janet Yellen, secretária do Tesouro
Aos 74 anos, nasceu em uma família de judeus poloneses, em Nova York. Graduada em economia pela Universidade Brown, obteve Ph.D. pela Universidade de Yale, quatro anos depois. Entre 1971 e 1980, foi professora na Universidade de Harvard e na London School of Economics. Durante o governo de Bill Clinton, foi diretora do Comitê de Conselheiros Econômicos. Em abril de 2010, foi nomeada por Obama para o cargo de vice-diretora do Federal Reserve. Três anos depois, ascendeu ao posto de diretora.

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