EUROPA

Mãe deixa o filho trancado por 28 anos em cidade da Suécia

Homem de 41 anos foi encontrado em apartamento de Haninge, na Suécia, em meio a lixo, urina e fezes. Ele praticamente não tinha dentes, além de apresentar desnutrição e úlceras nas pernas. Idosa está presa e responderá por privação ilegal de liberdade

Rodrigo Craveiro
postado em 02/12/2020 06:00
 (crédito: Jonathan Nackstrand/AFP)
(crédito: Jonathan Nackstrand/AFP)

O apartamento, na cidade de Haninge (Suécia), a 20km de Estocolmo, estava escuro e fétido — tomado por fezes, urina e lixo. Sentado sobre uma poltrona no canto da cozinha, o homem de 41 anos parecia assustado. Com apenas dois dentes escuros na mandíbula inferior e desnutrido, tinha úlceras imensas nas panturrilhas, que fizeram acumular poças de sangue no chão. Durante os últimos 28 anos, foi mantido trancado no imóvel pela própria mãe, depois de retirar o filho da escola quando tinha 12. A idosa, de 70 anos, foi detida e responderá a acusações de privação ilegal de liberdade e de provocar lesões físicas. Quem descobriu a cena de terror foi a irmã, que não tinha notícias dele havia duas décadas, impedida de ter contato. “Era como pisar dentro de um pesadelo”, resumiu a mulher ao jornal Expressen, sobre a ida ao apartamento, na noite de domingo. O fato de a mãe ter passado mal e sido internada fez com que a filha fosse até o local.

“Era um imóvel escuro. Havia apenas uma televisão ligada na sala de estar. Havia lixo por toda a parte e cheirava muito mal. Simplesmente, uma miséria total. Apenas entrei e gritei suavemente ‘olá’. À luz de um poste da rua, vi suas pernas na outra extremidade da cozinha”, relatou a irmã à publicação local. Depois de a mulher acender uma vela, o homem começou a sussurrar e a chamá-la pelo nome. “Ele estava estressado e ansioso. Um pouco assustado, mas feliz por me ver. Sua condição física era horrível”, afirmou a irmã, que chamou a polícia e pediu uma ambulância. O homem foi submetido a cirurgia por conta da gravidade das lesões. Segundo a agência France-Presse, o apartamento foi isolado para investigação e análise de peritos.

De acordo com o jornal Aftonbladet, a irmã tinha alertado as autoridades havia 20 anos, mas foi ignorada. “Estou tão chateada por ninguém nunca ter acreditado em mim”, desabafou. “Estou surpresa, chateada, mas ao mesmo tempo aliviada. Há 20 anos que espero por este dia, porque percebi que ela tinha o controle total da vida dele, mas nunca teria imaginado algo desta magnitude”, disse também ao Expressen. “Ela roubou a vida dele e manipulou as pessoas ao redor para manter seu segredo.”

Vizinhos reagiram ao caso com “certa perplexidade”. Tove Boman, 24, cresceu no prédio ao lado e classificou o incidente como “aterrador, mas, acima de tudo, triste”. “Sempre soube quem ela era, um pouco estranha”, admitiu. Por sua vez, uma moradora disse ao Aftonbladet que mãe e filho “quase nunca saíam, nunca abriam as janelas”. “A gente conversava sobre coisas sem importância. Eu perguntava sobre o filho, ela me dizia que estava bem, nunca falava dele”, relatou outra vizinha. As condições do cárcere permanecem envoltas em dúvidas. Uma vizinha disse ter visto o homem no supermercado, meses atrás. No entanto, a maioria dos moradores da rua garantiu que não o vê há anos.

Psicoterapeuta

Em entrevista ao Correio, Björn Tingberg — psicoterapeuta infantil e pesquisador do Instituto Karolinska (em Estocolmo) — disse que os laços do filho com a mãe eram “muito fortes”. “A busca por ajuda nunca foi uma opção na vida dele. Creio que a mãe o manteve psicologicamente muito ligado e próximo a si. Ela o fez acreditar nela e que precisava ser protegido da vida ao ar livre. A mãe era a única pessoa em quem ele poderia confiar”, explicou o especialista. “Eu acredito que ela o fez crer que, caso ganhasse a independência, isso estaria associado ao perigo. Provavelmente, a chantagem emocional deve ter acontecido antes mesmo de o filho ser afastado da sociedade”, acrescentou.

Tingberg não descarta que a idosa sofra de uma doença mental que contenha fortes traços paranoicos. “É marcada por uma intensa desconfiança da sociedade, na qual tudo é perigoso e age contra ela”, explicou. A irmã admitiu ao Expressen que a mãe aparentava ter uma obsessão pelo filho. “Ela era superprotetora porque perdeu outro filho, meu irmão mais velho, quando ele tinha apenas um ano e meio. Ela o batizou com o mesmo nome do meu irmão morto e sempre nos dizia que ele tinha voltado.”

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal


“Não tenho informações concretas sobre este caso, em particular. No entanto, a razão mais comum para o comportamento desta mãe deve ser algum tipo de doença mental ou distúrbio psiquiátrico. Até onde sei, a mãe sentiu que a sociedade em torno do então menino de 12 anos e dela mesma era um local perigoso. Por isso, ela queria mantê-lo em segurança. A explicação para tal comportamento pode ter sua razão em algum trauma precoce ou em uma doença mental.”
Björn Tingberg, psicoterapeuta de crianças e pesquisador do Instituto Karolinska, em Estocolmo

 

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