Conexão diplomática

por Silvio Queiroz silvioqueiroz.df@gmail.com

Correio Braziliense
postado em 04/12/2020 22:09 / atualizado em 04/12/2020 22:44
 (crédito: Joel Saget/AFP - 23/11/20)
(crédito: Joel Saget/AFP - 23/11/20)

O lema: “Cada um sabe de si”

Foi mais do que uma orientação de governo para o combate à covid o que o Brasil apresentou, na semana que termina, em uma sessão da Assembleia-Geral da ONU dedicada à pandemia. O discurso do chanceler Ernesto Araújo, gravado em vídeo, reafirma e fundamenta uma linha central de política externa assentada no distanciamento com o sistema multilateral. São os “esforços de nações individuais” que devem nortear o enfrentamento da crise sanitária global, ainda que a ressalva de que os países atuem “de forma concertada”.

Não por acaso, a fala do ministro incluiu críticas à Organização Mundial da Saúde (OMS), alvo preferencial dos ataques do presidente dos EUA, Donald Trump — que encarna em escala global a tendência classificada por alguns estudiosos como “nacional-populismo”. Sob esse guarda-chuva ideológico se abriga a extrema-direita europeia, que faz da UE o seu “judas”, e o Brasil de Jair Bolsonaro. Trump chegou a retirar o país da OMS, mas o sucessor eleito, Joe Biden, antecipou que retomará a participação no organismo internacional, como parte do esforço para conter a covid.

EUA e Brasil, nesta ordem, lideram o número de mortes causadas pela covid. No ranking da incidência de casos registrados, a Índia se interpõe com a segunda colocação. A menos de dois meses da transição na Casa Branca, o país de Donald Trump quebra seguidamente os recordes diários de vítimas, com totais próximos de 3 mil. Por aqui, uma segunda onda toma ímpeto quando a primeira mal embalava no refluxo.

Hora da vacina

Os próximos meses colocarão em prova outra linha fundamental de ação, na frente externa, para o combate à pandemia. Reino Unido e Rússia começam, nesta semana, a vacinar a população, e os primeiros lotes de insumos chegam a São Paulo para o Instituto Butantan, parcceiro no desenvolvimento da CoronaVac — a “vacina chinesa” repelida pelo presidente.

A entrada em cena da fórmula registrada pelo consórcio farmacêutico Pfizer-BioNTech (uma dobradinha EUA-Alemanha) e da concorrente russa Sputnik V dá largada à corrida mundial pela imunização em massa. O laboratório chinês Sinovac corre para colocar suas ampolas no mercado e aposta firme na América Latina, com pés fincados no Brasil e no México.

À parte acordos firmados por governos estaduais, como o de São Paulo com a China e o do Paraná com a Rússia, o Brasil tem, do governo federal, apenas a colaboração acertada com a Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Venezuela no foco

Um tanto ofuscada por aqui, em meio ao noticiário da pandemia e aos vaivéns políticos domésticos, a Venezuela vai, amanhã, às urnas para eleições legislativas que marcam outra investida do presidente Nicolás Maduro para reafirmar a legitimidade de seu governo. Uma das cartas com as quais joga é a participação de algumas das legendas tradicionais da oposição — embora seus líderes mais conhecidos tenham optado pelo boicote.

O principal deles, Juan Guaidó, é reconhecido pelos governos do Brasil e de outros 90 países como presidente encarregado, na condição de presidente da Assembleia Nacional. A maioria opositora do órgão legislativo negou-se a reconhecer a reeleição de Maduro, em 2018, e, em janeiro de 2019, proclamou Guaidó como chefe de Estado interino. A essa altura, porém, o chavismo havia substituído a Assembleia por uma Constituinte purossangue. Agora, apresta-se a ocupar um dos últimos espaços institucionais da oposição e tirar ao “presidente-sombra” o título sobre o qual procurou assentar sua legitimidade.

O apoio a Guaidó está entre as linhas-mestras da política externa traçada por Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo, em cooperação íntima com o governo Trump e com aliados sul-americanos de direita. A troca de comando na Casa Branca coloca uma interrogação no grau de empenho da equipe do sucessor, Joe Biden, com o afastamento de Maduro. Na vizinhança, o enfraquecimento do presidente do Chile, Sebastián Piñera, assim como o retorno do peronismo ao poder, na Argentina, arrefeceram o ímpeto da operação de cerco diplomático ao governo chavista.

Sul bifurcado

No discurso à Assembleia-Geral da ONU sobre a covid, o ministro Araújo mencionou a cooperação regional contra a pandemia no âmbito do ProSul. Trata-se de iniciativa de integração sul-americana patrocinada por Chile e Colômbia, com a adesão brasileira, para se contrapor à Unasul, criada nos anos 2000 pelo “trio de ferro” da esquerda: Hugo Chávez, Lula e Néstor Kirchner.

Despejada de sua sede pelo presidente do Equador, Lenín Moreno — que, apesar do nome, rompeu com o antecessor e padrinho Rafael Correa —, a Unasul parecia destinada a definhar. Ganhou alento, porém, com a mudança de ventos na Argentina e o retorno dos socialistas ao governo na Bolívia.

Como em um jogo empatado, as atenções voltam-se para os próximos lances de peso. E o mais decisivo deles, na opinião de vários observadores, será a eleição presidencial no Brasil, em 2022. A permanência ou a saída podem fazer pender a balança do subcontinente para um ou outro lado.

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