ARGENTINA

Aborto volta ao Senado

Câmara dos Deputados aprova projeto de lei que autoriza interrupção da gravidez. Texto será votado por senadores no próximo dia 29

Rodrigo Craveiro
postado em 11/12/2020 22:02
 (crédito: Ronald Schemidt/AFP)
(crédito: Ronald Schemidt/AFP)

Depois de mais de 20 horas de debates ininterruptos, a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou, por 131 votos a favor, 117 contra e 6 abstenções o projeto de lei para a legalização do aborto. O texto foi enviado ao Congresso em 17 de novembro passado pelo presidente Alberto Fernández. A partir de segunda-feira, as comissões do Senado começam a debater o tema — o projeto de lei deverá ser levado ao plenário da Casa no dia 29. Em 9 de agosto de 2018, durante o governo do liberal Mauricio Macri (2015-2019), o Senado rejeitou um texto similar, por 38 votos contra 31. O atual projeto autoriza a interrupção da gravidez até a 14ª semana, desde que realizada em um prazo máximo de 10 dias corridos, a contar da data da solicitação. A gestante será obrigada a assinar um termo de consentimento.

“O debate é sobre aborto seguro ou aborto inseguro”, advertiu a deputada Ana Carolina Gaillard, da coalizão governista Frente de Todos, durante a sessão na Câmara. Ela lembrou que, desde 1983, quase 3 mil mulheres morreram em decorrência de abortos clandestinos. Mais de 38 mil são hospitalizadas por abortos em clínicas clandestinas todos os anos.

Em entrevista ao Clarín, a senadora Guadalupe Tagliaferri, favorável à legalização, assegurou que há “melhores perspectivas” do que em 2018. No entanto, o mesmo jornal sustenta que uma contagem feita pelos governistas aponta 34 senadores “verdes” (pró-aborto), 34 “celestes” (contrários à interrupção da gestação) e três indecisos. Pelas estimativas dos opositores, o projeto será derrubado por 36 votos contra 34. Uma terceira projeção divulgada ontem, no país, indicava empate — 33 votos para cada lado, com cinco senadores indecisos e um licenciado. Para o senador José Mayans, o projeto de lei “rompe o Estado de direito, pois viola a Constituição, os tratados internacionais e o Código Civil”. “Estou a favor das duas vidas”, desabafou.

Segundo o jornal La Nación, a senadora e ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner designou uma colega de sua confiança — Anabel Fernández Sagasti — para trabalhar pela obtenção dos votos necessários para a aprovação. O governo conta com 41 das 72 cadeiras no Senado. A deputada Graciela Camaño também frisou que o texto “é inconstitucional desde sua origem”, pois a Carta Magna defende a vida desde a concepção. “O aborto poderá ser lei, mas ele jamais poderá ser justo”, disse a congressista ao La Nación.

Emoção

Marta Alanis, integrante da organização não governamental Católicas por el Derecho a Decidir, assistiu à histórica sessão da Câmara, que começou pouco depois das 11h de quinta-feira e terminou às 7h30 de ontem. “Quando faltavam alguns minutos para a votação, nós colocamo-nos de pé, com os lenços verdes nas mãos, à espera do resultado. Assim que ele foi anunciado, eclodiram emoções reprimidas. Agitamos os lenços, choramos e cantamos”, relatou ao Correio. “Agora, resta-nos o debate no Senado. Estamos estudando, uma a uma, a inclinação de votos dos senadores. A Argentina tem a chance histórica de legalizar e descriminalizar o aborto, além de saudar a dívida da democracia para com as mulheres. Agora, será lei.”

Sabrina Cartabia Groba, 37 anos, advogada feminista e ativista da Red de Mujeres, considerou a votação como “um grande avanço”. “Em comparação com o debate parlamentar de 2018, cresceu a margem de votos a favor do aborto. O processo se fortaleceu bastante”, afirmou à reportagem. “Nós esperamos resultados muito bons no Senado. A sensação é a de que o aborto será legalizado antes do fim deste ano.”

Cartabia destaca que, quando o Executivo peronista envia um projeto de lei ao Congresso, a Casa Rosada sabe que tem os votos que precisa. “Não apresentariam um texto para perder. O peronismo é uma máquina de poder.”

Jornalista, ativista feminista e impulsionadora do Movimento Ni Una Menos (contra a violência de gênero), Mariana Carbajal disse ao Correio esperar que o Senado avalize o projeto de lei que obteve aprovação da Câmara dos Deputados. “Desta vez, creio que isso ocorrerá por uma diferença mais confortável do que em 2018. O Senado, presidido por Cristina Kirchner, aprovou todos os projetos enviados pelo Executivo por meio da Câmara.”

De acordo com Carbajal, a lei para a legalização do aborto tem votos favoráveis e contrários em todos os blocos. “Como na Câmara, o oficialismo certamente fornecerá a maior proporção de votos. A grande diferença em relação a 2018 é que se trata de um projeto do governo. Como o presidente enviou o projeto que regulamenta a interrupção voluntária da gravidez, ele quer que ela se torne lei e política pública”, acrescentou.

Eu acho...

“A verdade é que vivemos uma festa durante a votação no Congresso. Havia muitas mulheres de diferentes idades, inclusive adolescentes e meninas. Todas dançando e celebrando. Isso é muito importante, pois as mulheres celebram a recuperação da soberania e da liberdade. Trata-se de uma vitória não apenas das mulheres que precisam abortar, mas também por conta do efeito simbólico que isso tem sobre todas as argentinas, por recuperarem o poder de escolherem e a soberania sobre os próprios corpos.”

Sabrina Cartabia Groba, 37 anos, advogada feminista e ativista da Red de Mujeres


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