À sombra da mutação, Europa aprova vacina

Apesar de mais países isolarem o Reino Unido, OMS diz que nova cepa do Sars-CoV-2 não está fora do controle. União Europeia autoriza a aplicação do imunizante da Pfizer/BioNTech. Premiê britânico tenta transmitir calma

Correio Braziliense
postado em 21/12/2020 22:41 / atualizado em 21/12/2020 22:42
 (crédito: William Edwards/AFP)
(crédito: William Edwards/AFP)

Medo e alívio. A Europa oscila entre os dois sentimentos associados à pandemia da covid-19. Sob a ameaça provocada pela nova cepa do Sars-CoV-2 anunciada pelas autoridades de Londres, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) autorizou, ontem, o uso emergencial da vacina da Pfizer-BioNTech. A Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia (UE), também deu sinal verde para a distribuição do imunizante. A previsão é de que a vacinação comece no próximo domingo e se estenda até terça-feira. Todos os 27 países-membros do bloco participarão da campanha de imunização em massa ao mesmo tempo. A ideia é oferecer às populações um acesso justo às doses da vacina. “A EMA avaliou esta vacina a fundo e chegou à conclusão de que ela é segura e eficaz contra a covid-19. Com base nessa avaliação científica, procedeu-se à sua autorização no mercado da União Europeia”, disse Ursula Von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia.

Sob isolamento internacional crescente, o Reino Unido teme o desabastecimento interno e estuda a adoção de medidas mais rígidas de controle social para desacelerar a transmissão do coronavírus. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, buscou tranquilizar a população e afirmou compreender as reações de mais de 40 países, que suspenderam os voos procedentes do Reino Unido. “Não há razão para pensar que essa nova variante do coronavírus seja mais perigosa do que a atual cepa”, declarou. O bloqueio imposto ao Reino Unido se intensificou a apenas 10 dias do Brexit.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também adotou um discurso para acalmar o mundo e explicou que a nova cepa “não está fora de controle”. “Nós registramos uma R0 (taxa de reprodução do vírus) muito superior a 1,5 em diferentes momentos desta pandemia, e a controlamos. Essa situação, nesse sentido, não está fora de controle”, afirmou Michael Ryan, chefe de emergências sanitárias da OMS. No domingo, o ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, disse que a nova variante é até 70% mais contagiosa, embora não pareça mais mortífera do que as anteriores.

Por sua vez, Moncef Slaoui, conselheiro-chefe do programa de vacinação nos EUA, disse que “não há evidências fortes de que o vírus seja mais transmissível, mas há evidências claras de que ele está mais presente na população”. Ele não descarta que a variante tenha prevalecido há muito tempo em território britânico. “Pode ser que as infecções tenham ocorrido sem que saibamos e agora estamos percebendo um aumento, ou talvez haja uma transmissibilidade maior. O que está claro é que a nova variante não é mais patogênica”, frisou, o que significa que não foi demonstrado que ela cause uma doença mais grave.

Na América Latina, Argentina, Paraguai, Colômbia, Chile, Peru, Panamá e El Salvador suspenderam chegadas de viajantes procedentes de território britânico. Pelo menos por enquanto, o Brasil não pretende restringir voos do Reino Unido. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, as autoridades acreditam que uma portaria publicada no Diário Oficial da União, cinco dias atrás, deve impedir a entrada no Brasil de pessoas infectadas com a mutação do Sars-Cov-2. A portaria exige que os viajantes apresentem a sorologia negativa do teste PT-PCR, o qual deverá ser feito com no máximo 72 horas de antecedência do embarque ao Brasil. A lista de países que suspenderam e restringiram voos do Reino Unido aumentou nas últimas horas. Depois de registrar nove casos locais da nova cepa, a Dinamarca cancelou os voos procedentes do Reino Unido por 48 horas e teve a fronteira fechada pela Suécia. Espanha, Portugal, Índia, Canadá, Hong Kong, Turquia, Irã, Jordânia, entre outros, restringiram os voos. Além de Dinamarca e Reino Unido, a mutação do Sars-CoV-2 foi detectada na Itália, na Holanda, na Austrália e na África do Sul.

Comércio

Faixas nas rodovias do sul da Inglaterra alertam os viajantes e motoristas que transportam mercadorias sobre o fechamento da fronteira com a França, que anunciou, no domingo à noite, a suspensão de todas as ligações terrestres, marítimas e aéreas com o país durante 48 horas. Muitos produtos importados pelos britânicos chegam ao país a partir da França. Uma importante rede de supermercados, Sainsbury’s, advertiu que se as perturbações persistirem, o país pode registrar falta de alimentos frescos — como alface, couve-flor, brócolis ou frutas cítricas.

No sentido contrário, o exportador escocês de frutos do mar Lochfyne denunciou como um “desastre” o bloqueio de caminhões carregados de peixes vivos no valor de “milhões de libras” com destino ao continente. “Se passar 48 horas, não chegaremos a tempo da entrega de Natal”, afirmou no Twitter, ao sublinhar que o Reino Unido é “o maior mercado do ano”.

Em entrevista coletiva transmitida pela televisão, o premiêBoris Johnson assegurou que os bloqueios “afetam apenas a carga transportada por humanos”, já que muitos contêneires viajam em navios. “A grande maioria dos alimentos, remédios e outros suprimentos entram e saem normalmente”, declarou. As autoridades britânicas creem que os estoques possam durar vários dias, mas existe o risco de uma corrida dos consumidores, tomados pelo pânico, a apenas quatro dias do Natal.


O que se sabe sobre a variante do Sars-Cov-2

» É normal que o vírus Sars-CoV-2 sofra mutações?
Os vírus, como seres vivos, são dotados de material genético (DNA ou RNA), que pode estar sujeito a modificações quando se replicam (mutações) nas células em que se propagam, ou por trocas entre vírus (recombinações). Em geral, isso não costuma ter consequências, mas as mutações também podem dar ao vírus uma vantagem, ou desvantagem, para a própria sobrevivência.

» Quais as características da nova cepa?
A nova cepa do Sars-CoV-2 carrega uma mutação chamada “N501Y” na proteína Spike (espícula) do coronavírus. Por meio dela, o vírus prende-se às células humanas para penetrá-las. A nova cepa causa preocupação por três motivos: ela rapidamente substitui outras versões do coronavírus; possui mutações que afetam uma parte considerada importante do Sars-CoV-2; e algumas dessas mutações ampliam a capacidade de infecção das células humanas.

» A nova variante é mais infecciosa?
De acordo com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, esta cepa pode ser até 70% mais contagiosa. No domingo, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) informou que o Reino Unido enfrentou, nas últimas semanas, um aumento rápido do número de casos da covid-19 no sudeste da Inglaterra. Segundo o ECDC, grande parte desses casos pertencia à nova mutação do coronavírus.

» Como a nova cepa se propagou?
Não se sabe se ela, de fato, surgiu no Reino Unido. A Organização Mundial da Saúde (OMS) detectou formas parecidas em vários países, como Austrália (1 caso), Dinamarca (9), Holanda (1), África do Sul e Itália (1). Foi detectada pela primeira vez em setembro.

» A vacina será menos eficaz?
Até o momento, os cientistas acham pouco provável que esta nova cepa seja resistente às vacinas atuais contra a covid-19. A OMS e o ECDC chegaram à mesma conclusão.

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