DIREITOS HUMANOS

Presas pela busca da igualdade e da notícia

Na Arábia Saudita, ativista é condenada a quase seis anos de reclusão por defender as mulheres e exigir fim de tutela masculina. Irmãos de militante falam ao Correio. China sentencia a quatro anos de prisão repórter que informou o surto de covid

Rodrigo Craveiro
postado em 28/12/2020 22:34
 (crédito: Facebook/Reprodução/AFP)
(crédito: Facebook/Reprodução/AFP)

Quando escutou o juiz do tribunal antiterrorismo de Riad anunciar o veredicto, Loujain Al-Hathloul chorou. “Machuca-me muito o fato de eu ser condenada por uma Corte antiterrorismo”, desabafou a ativista de 31 anos, ao encontrar-se com os pais por uma hora após o julgamento, a fim de assinar os documentos e preparar a apelação. Conhecida por defender o direito das mulheres sauditas de dirigir, e crítica do sistema de tutela masculina, Loujain foi sentenciada, ontem, a cinco anos e oito meses de prisão, culpada por “diversas atividades proibidas pela lei antiterrorista”, segundo o jornal on-line Sabq. A decisão da Justiça ignorou o clamor internacional pela libertação da militante, confinada desde maio de 2018 e submetida a sessões de tortura. A 7.238km de Riad, em Xangai, a jornalista e advogada chinesa Zhang Zhan, 37, foi condenada a quatro anos de prisão. Seu crime: reportar nas redes sociais a situação caótica nos hospitais de Wuhan, em fevereiro, durante o início da pandemia da covid-19. Em greve de fome desde junho, Zhang alimenta-se por meio de sonda nasal.

“Nós estamos desapontados, mas esperávamos por isso. Estamos longe de alcançar a justiça. Vamos apelar, não por acreditarmos no sistema judicial saudita, mas para mostrar que fizemos o dever de casa. Esta é a melhor maneira de expor um julgamento falso”, desabafou Walid Al-Hathloul, 32 anos, um dos cinco irmãos de Loujain, em declaração de Toronto (Canadá) — onde trabalha como gerente de incorporação imobiliária — ao Correio.

Por sua vez, a irmã Alia Al-Hathloul (leia Duas perguntas), que vive em Bruxelas, contou à reportagem que Loujain sempre mostrou interesse pelos direitos e pelas condições humanas. “Em 2012, ela começou a usar as mídias sociais para expor suas ideias. Loujain fez greve de fome em duas ocasiões por ter sido impedida de encontrar os nossos pais. Apesar do moral forte, a saúde não está da mesma forma”, disse. A imprensa saudita divulgou que a pena pode ser suspensa com dois anos e 10 meses, “sob a condição de que ela não cometa novo delito nos próximos três anos”.

Alia crê que a irmã foi presa e condenada para servir de exemplo à população. “Graças a Loujain e a outras mulheres, a Arábia Saudita tem aprimorado os direitos femininos. Não podemos nos esquecer que esses direitos estão aqui porque mulheres clamaram por eles. Eles prenderam Loujain para enviar uma mensagem: ‘Vocês conseguiram alguns avanços, mas vejam o que ocorre com quem luta por eles’”, comentou. Segundo Alia, as autoridades sauditas subestimam a força dos cidadãos. Em 2014, Loujain havia sido detida após cruzar a fronteira conduzindo um carro vindo dos Emirados Árabes Unidos.

Alaa Al-Siddiq, diretora-executiva da organização não governamental ALQST, em Londres, explicou ao Correio que o ativismo de Loujain sempre foi pacífico. “Ela demandava apenas o fim da tutela masculina e a concessão de direitos às mulheres”, observou. “Loujain não cometeu nenhum crime. Por seu ativismo, foi acusada de mudar o sistema e de ajudar países estrangeiros. O veredicto foi injusto, pois o julgamento foi marcado por violações legais desde o início.” A Anistia Internacional afirmou que a sentença, “embora parcialmente suspensa, mostra a crueldade das autoridades sauditas para com uma das mulheres mais corajosas que se atreveu a erguer a voz sobre seus sonhos de uma Arábia Saudita melhor”.

Preocupação

A jornalista chinesa Zhang Zhan “parecia muito abatida quando a sentença foi anunciada”, disse à agência France-Presse um de seus advogados, Ren Quanniu, que admitiu “muita preocupação” com a situação psicológico da cliente. Jornalistas e diplomatas estrangeiros foram impedidos de entrar na sala de audiências para acompanhar o desfecho do julgamento. Zhang foi presa em maio, sob a acusação de “causar distúrbios” — um crime associado a opositores do presidente Xi Jinping. Outro advogado de defesa, Zhang Keke contou que o tribunal entendeu que ela divulgou notícias falsas pela internet. “Quando a vi, na semana passada, ela afirmou: ‘Se receber uma sentença pesada, vou recusar qualquer alimento até o fim’. Ela acredita que vai morrer na prisão”, disse Keke.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos demonstrou incômodo com a situação da jornalista. “Mencionamos o caso às autoridades ao longo de 2020 para ilustrar a repressão excessiva da liberdade de imprensa vinculada à covid-19 e continuamos pedindo sua libertação”, afirmou o organismo, por meio da internet. Além de Zhang Zhan, três jornalistas — Chen Qiushi, Fang Bin e Li Zehua — foram detidos por cobrirem a pandemia.

 

 

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Duas perguntas/Alia Al-Hathloul

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

Irmã da ativista saudita Loujain Al-Hathloul

Como a senhora vê a sentença de 68 meses de prisão imposta a Loujain?
Em um primeiro momento, ela foi apresentada à Corte comum. Depois, o juiz disse que não era especializado no caso dela e decidiu removê-la a um tribunal antiterrorismo. O processo inteiro demorou duas semanas. Entre os dois tribunais, não houve prazo suficiente para avaliar os documentos. Eles se apressaram em finalizar o caso. Nós não entendemos o motivo pelo qual ela foi submetida à Corte antiterrorismo. Eles dizem que ela entrou em contato com terroristas dentro da Arábia Saudita. Mas, referiam-se a diplomatas do Reino Unido e da Comissão Europeia. Nós sentimos que o sistema judicial saudita fez tudo com pressa. A sentença foi formulada para enviar uma mensagem de que eles têm uma Justiça independente, e Loujain foi tratada de forma justa. Um processo finalizado em duas semanas não é passível de credibilidade.

De que modo sua irmã tem se engajado no ativismo em prol dos direitos das mulheres sauditas?
Loujain é uma defensora ardorosa dos direitos humanos. Ela não tem medo, é muito corajosa e acredita que as leis da Arábia Saudita devem ser respeitadas. Mas crê que é um direito da sociedade mudar as leis consideradas injustas. Poucos meses depois de minha irmã ser presa, o direito das mulheres de dirigir foi autorizado. Ela não teve chance de apreciar os resultados de sua luta. Loujain também luta contra o sistema de tutela masculina. Maridos, pais, irmãos e até mesmo filhos têm mais direitos do que as mulheres. Temos visto melhorias na Arábia Saudita, sob esse ponto de vista, mas acredito que, se as mulheres não puderem falar sobre essas evoluções, tais avanços de nada adiantarão. Mulheres que erguem a voz acabam presas. (RC)

 

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