Num fim de mandato lúgubre, Donald Trump foi denunciado politicamente, ontem, por incitação à insurreição pela invasão ao Capitólio, que deixou cinco mortos, na semana passada. No segundo pedido de impeachment apresentado contra o republicano, que deixará o cargo em oito dias, os deputados democratas David Cicilline, Jamie Raskin e Ted Lieu afirmam que Trump ameaçou a integridade do sistema democrático dos Estados Unidos. O trio pede que, em caso de condenação, o magnata seja declarado inabilitado a exercer cargos públicos e eletivos, frustrando a intenção de candidatar-se em 2024.
A situação política de Trump, que se nega a reconhecer a derrota para Joe Biden nas eleições de novembro do ano passado, é algo sem precedentes na história dos Estados Unidos. Silenciado pelo Twitter, principal fonte de comunicação com seus seguidores, o republicano vem sendo pressionado, em vão, por alguns correligionários a renunciar e sair de cena imediatamente.
Em uma terceira via, democratas tentam, também sem sucesso, fazer com que o vice-presidente Mike Pence invoque a 25ª Emenda à Constituição para tirar Trump da Casa Branca. O dispositivo permite que um presidente seja destituído do cargo se for considerado inapto pela maioria do gabinete.
Uma resolução foi apresentada na Câmara dos Representantes, ontem, com esse objetivo, mas o congressista republicano Alex Mooney se opôs à aprovação por “consentimento unânime”. Dessa forma, a proposta irá para votação hoje.
Ultimato
A objeção irritou a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi. “Os republicanos na Câmara (dos Representantes) rejeitaram a resolução para proteger os Estados Unidos, permitindo que os atos de sedição desordenados, perturbados e instáveis do presidente continuassem”, afirmou a parlamentar, em um comunicado. “Sua cumplicidade ameaça os Estados Unidos, corrói nossa democracia e deve acabar”, acrescentou.
Pelosi deu prazo de 24 horas, até a tarde de hoje, para Pence invocar a 25ª Emenda. Caso o vice de Trump não o faça, dará prosseguimento ao impeachment, Pence, muito leal Trump nos quatro anos de mandato, não dá sinais de que pretende tomar tal iniciativa, mesmo depois do “rompimento” com o chefe após ter declarado a vitória de Biden.
Com o controle da Câmara, os democratas não terão dificuldades para avançar, o que tornará o republicano o único presidente americano a sofrer dois julgamentos políticos no mesmo mandato. Em dezembro de 2019, o republicano foi alvo de impeachment por pressionar o presidente ucraniano a investigar Biden por suposta corrupção. Trump acabou sendo absolvido pelo Senado de maioria republicana.
No novo pedido de impedimento, os democratas sustentam que o chefe da Casa Branca colocou “colocou gravemente em risco a segurança dos Estados Unidos e das instituições do governo” ao chamar seus seguidores às ruas de Washington no último dia 6. “Ele ameaçou a integridade do sistema democrático, interferiu com a transição pacífica de poder e pôs em risco um dos Poderes. Ele traiu a confiança como presidente dos Estados Unidos, para prejuízo do povo dos EUA”, prosseguiram os parlamentares.
Além da inabilitação para cargos públicos e eletivos, Trump, se condenado, poderá perder os benefícios concedidos aos ex-presidentes americanos, como a aposentadoria anual de US$ 219 mil, assessores, seguranças e plano de saúde.
Pela gravidade do episódio da semana passada, o processo, insistem o democratas, pode ter o potencial de aplicar somente as penas acessórias, ainda que votado após Trump deixar o cargo. Até hoje, nenhum presidente dos EUA foi condenado à perda do cargo no Senado, que exige dois terços dos votos para o impeachment.
As regras do Senado presumem que a Câmara Alta provavelmente não poderia iniciar um novo impeachment antes de 19 de janeiro. Embora dois senadores republicanos, Pat Toomey e Lisa Murkowski, tenham instado Trump a renunciar imediatamente, é improvável que os democratas consigam a maioria de dois terços necessária para condenar Trump e removê-lo do cargo.
Porém, os democratas, que terão maioria no Senado depois de 20 de janeiro, podem buscar a condenação mesmo depois de ele deixar a Casa Branca, para impedi-lo de concorrer novamente a um cargo federal.
Isolado na Casa Branca, o presidente republicano planeja viajar ao Texas, hoje, para comemorar sua política de imigração e a construção do muro de fronteira com o México. Em silêncio desde a invasão ao Capitólio, a primeira-dama Melania Trump, finalmente, manifestou-se, ontem, condenando a violência, mas também denunciando ter sido objeto de ataques que ela não especificou.
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Pentágono destaca 15 mil para a posse
Nos preparativos para a posse do democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos, no próximo dia 20, o Pentágono anunciou, ontem, que autorizou o envio de 15 mil integrantes da Guarda Nacional para a cerimônia. A decisão foi tornada pública em meio a temores de novos episódios de violência por parte dos partidários de Donald Trump, que se nega a reconhecer a derrota pra o democrata, insistindo em fraude n as eleições . Há informações sobre mobilizações por todo o país.
No momento, 6,2 mil membros da Guarda estão operando em Washington e mais 10 mil são esperados no próximo fim de semana. Os outros 5 mil devem juntar-se ao efetivo no dia em que Joe Biden assumir a Casa Branca, segundo o general Daniel Hokanson, chefe do Gabinete do Guarda Nacional do Departamento de Defesa.
Todos poderão estar munidos de equipamento anti-motim e armas, mas, até a noite de ontem, o efetivo já em patrulhamento pelas ruas da capital não estava autorizado a carregá-lo. No momento, a missão da Guarda, de acordo com Hokanson, é apoiar a polícia local em comunicações, logística e segurança.
O general explicou que permitir a Guarda Nacional a enviar armas e prisões seria um “último recurso” se a situação de segurança sair do controle.
Tanto o Pentágono quanto a Guarda Nacional — uma força de reserva — foram severamente criticados por uma resposta lenta na quarta-feira da semana passada, quando o Capitólio foi invadido por milhares de apoiadores de Trump. O caos desencadeado na sede do legislativo dos EUA deixou cinco mortos.
Funcionários do Pentágono admitiram que a Guarda Nacional foi convocada tarde e sem ter imediatamente um esquadrão de choque disponível para entrar em ação. “Eles não previram esse nível de violência”, reconheceu Hokanson.
Anteriormente, a prefeita de Washington, Muriel Bowser, prevendo a possibilidade de tensões em torno da posse de Joe Biden, pediu à população em geral que evitasse visitar a capital. “Pedimos aos americanos que não venham a Washington DC para a 59ª posse presidencial, em 20 de janeiro e, em vez disso, participem virtualmente”, disse.
Ausência
O medo de uma onda de violência tem fundamento diante da escalada de tensão na capital. Na quinta-feira passada, um dia após a invasão ao Congresso, Donald Trump avisou que não irá à posse do sucessor. Será a primeira vez em 151 anos que um presidente americano deixará de fazer a transmissão de poder.
Por sua vez, o vice-presidente Mike Pence deverá estar presente na cerimônia, noticiaram diversos meios de comunicação. As relações entre Trump e Pence deterioraram-se muito desde que o vice, como presidente do Senado, confirmou a vitória do democrata.
Imunização completa
A nove dias da posse, o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu, ontem, a segunda e última dose do imunizante dos laboratórios Pfizer e BioNTech contra a covid-19. “Minha prioridade número um é levar a vacina aos braços das pessoas o mais rapidamente possível”, disse o democrata, acrescentando: “De três a quatro mil pessoas morrendo por dia está além do limite... É errado e podemos fazer muito para mudar isso.” Biden defendeu a continuidade do distanciamento social e do uso de máscaras, dizendo-se “chocado” com o fato de os legisladores republicanos se recusarem a usar máscaras durante a invasão ao Capitólio. “Acho que é irresponsável.”