EUA

"É a continuação da maior caça às bruxas", diz Trump sobre impeachment

Antes de embarcar para a fronteira com o México, Donald Trump afirma não querer a violência, denuncia caça às bruxas e adverte que o impeachment "provoca tremenda raiva". Câmara votará o afastamento hoje. Congressistas republicanos se alinham aos democratas

Rodrigo Craveiro
postado em 13/01/2021 06:00
 (crédito: AFP / MANDEL NGAN)
(crédito: AFP / MANDEL NGAN)

Em 6 de janeiro, pouco antes da invasão ao Capitólio, um desafiador Donald Trump subiu ao palanque diante de milhares de apoiadores — supremacistas brancos, ultraconservadores, militantes da extrema-direita e adeptos de teorias da conspiração — e avisou: “Se vocês não lutarem como o diabo, não terão mais uma nação”. Ontem, o presidente dos Estados Unidos não demonstrou arrependimento pelo discurso, que considerou “totalmente apropriado”, isentou-se de responsabilidade pelo ataque ao Congresso, que deixou cinco mortos, e tornou a incitar os simpatizantes.


“Não queremos violência. (…) Quanto ao impeachment, é realmente a continuação da maior caça às bruxas de nossa política. É ridículo, absolutamente ridículo. Este impeachment está despertando tremenda raiva e é uma coisa terrível o que estão fazendo. Nancy Pelosi e Chuck Schumer, se continuarem nesse rumo, causarão tremendo dano ao nosso país”, declarou a repórteres, pouco antes de embarcar a Álamo, no Texas, ao citar os líderes democratas na Câmara e no Senado. Na fronteira com o México, o republicano arrefeceu o tom. “Agora é o momento de nossa nação se recuperar, e é o momento de paz e de calma.” O futuro de Trump começará a ser colocado à prova, hoje, com a votação do pedido de impeachment por parte da Câmara dos Representantes. O presidente republicano é acusado de “incitamento à insurreição”.


Autoridades da segurança do Capitólio alertaram os congressistas que milhares de extremistas planejam invadir o Capitólio antes da posse do presidente eleito, Joe Biden, em exatamente uma semana. Também confirmaram ameaças à Casa Branca e à Suprema Corte. Em entrevista à tevê CNN, o deputado democrata Conor Lamb disse que um dos planos envolveria o cerco ao Capitólio, por parte de 4 mil “patriotas armados”, para impedir qualquer democrata de entrar no prédio. Um legislador da oposição classificou as ameaças como “horríveis” e “assustadoras”, mas não quis dar detalhes. Na segunda-feira, o FBI (polícia federal americana) descobriu indícios de que os simpatizantes de Trump preparam “protestos armados” diante dos prédios do Congresso e dos Capitólios (sede do Legislativo estadual) nos 50 estados.


A votação do segundo impeachment de Trump, hoje, ocorrerá sob a vigilância de homens da Guarda Nacional, que ocupam o entorno do Congresso. O senador Mitch McConnell, líder da maioria republicana na Casa e um dos principais aliados de Trump, se disse “satisfeito” com os esforços para afastar o presidente, em uma declaração que surpreendeu o establishment de Washington. Ele afirmou que Trump cometeu crimes passíveis de impeachment e que o afastamento do titular da Casa Branca tornará mais fácil purgá-lo do Partido Republicano. Fontes relataram à CNN que Mitch McConnell “odeia” Trump pelo ataque ao Capitólio.


O jornal The New York Times informou que o deputado Kevin McCarthy, líder da minoria republicana na Câmara, consultou colegas sobre se ele deveria pedir a Trump que renunciasse. A deputada Liz Cheney, terceira líder republicana mais importante na Câmara, anunciou que votará pelo impeachment. “Nunca houve uma traição maior por parte de um presidente dos EUA”, denunciou. O deputado republicano John Katko apoiou o impeachment e antecipou o seu voto. “Permitir que o presidente incite esse ataque sem consequências é uma ameaça direta ao futuro da nossa democracia”, advertiu.

Incitamento

Especialista em segurança nacional do Brookings Institution (em Washington), Michael O’Hanlon admitiu ao Correio que as novas declarações representam uma ameaça e um novo caso de incitamento à violência. Segundo ele, o registro de distúrbios anteriores provocados por seus simpatizantes deveria tê-lo deixado muito cauteloso em relação ao estímulo à violência. “Trump está claramente errado e precisa sair do poder, de um jeito ou de outro. Ele é perigoso para o nosso país, e, em menor medida, para o mundo”, afirmou.


Para Alexa Bankert, cientista política da Universidade da Geórgia, a insurreição contra o Capitólio revelou o frágil estado da democracia norte-americana. “É uma democracia em perigo. Ainda assim, as divisões no país permanecem. Uma pesquisa do site You.Gov constatou que 45% dos republicanos aprovaram a tomada do Congresso”, disse à reportagem. “A história americana tende a esquecer traumas coletivos em vez de dissecar o que ocorreu. Precisamos de um discurso nacional sobre que tipo de sociedade queremos ser e um compromisso com valores democráticas.”


Em Álamo, Trump descartou a possibilidade de o vice, Mike Pence, acelerar o fim do governo. “A 25ª Emenda representa risco zero para mim”, declarou o presidente, em Álamo, onde visitou o muro da fronteira com o México. Sem dar explicação, ele garantiu que a emenda, que pode afastar o presidente por incapacidade de governar, “voltará para assombra Joe Biden e seu governo”. “Como diz o ditado, cuidado com o que você deseja”, aconselhou.

“Este impeachment está despertando tremenda raiva e é uma coisa terrível o que estão fazendo. Nancy Pelosi e Chuck Schumer, se continuarem nesse rumo, causarão tremendo dano ao nosso país.”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, antes de embarcar para a fronteira com o México

“Agora é hora de nossa nação se curar. É hora de paz e de calma, de respeitar a aplicação da lei. (…) Nós somos uma nação da lei
e uma nação da ordem.”
Trump, pouco depois, durante visita a Álamo (Texas), na fronteira

Sedição, conspiração e centenas de acusações contra os invasores do Congresso
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos espera “centenas” de casos criminais associados à invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro. A expectativa é de que muitos réus sejam acusados de sedição e de conspiração. As autoridades federais indiciaram, ontem, dois réus pelo ataque ao Legislativo. Um deles, Lonnie Leroy Coffman, é um cidadão do Alabama que estacionou um caminhão carregado de bombas artesanais, armas e munição a apenas dois blocos do prédio do Congresso. Ele enfrenta 17 acusações, em grande parte pela posse de armas sem registros — incluindo munições, cartuchos de espingardas e vários armamentos, um rifle, três pistolas e 11 coquetéis molotov. Outro homem, Mark Jefferson Leffingwell, responderá por sete acusações ligadas à violência dentro do Capitólio. Algumas penas podem chegar a até 20 anos de prisão. Segundo o FBI (polícia federal dos EUA), 170 indivíduos que participaram dos distúrbios foram identificados e 70 foram indiciados.

» Depoimento

Testemunha admite apreensão

“Estou preocupado com o que ocorrerá na próxima semana. As pessoas parecem muito agitadas e ainda mais provocadas com as recentes repressões das redes sociais. O contingente das forças de segurança em Washington aumentou significativamente. Apesar de a capital provavelmente estar segura nas próximas semanas, outras partes do país poderiam ver manifestações em massa, e isso é o que mais me incomoda. Fiquei surpreso com a rapidez com que as coisas se agravaram no dia 6 e com a falta de preparo da polícia. Tudo foi discutido semanas antes e o evento estava programado para ser imenso e potencialmente turbulento.


Eu estava no Capitólio desde o início da invasão. Fique chocado com a facilidade com que a multidão forçou a polícia a retroceder e com a facilidade com que tomou o prédio. Eu tinha a impressão de que o Capitólio era um dos edifícios mais seguros de todo o Distrito de Colúmbia, o que tornou ainda mais impressionante vê-lo ser invadido tão rápido. Vi feridos naquele dia. Parecia que muitos na multidão não estavam preparados para uma invasão intensa. Em outros protestos, as pessoas trouxeram máscaras de gás e coletas à prova de balas. A reação de Trump era esperada. O que me causou surpresa foi que o discurso dele não se concentrou muito no tema, nem em como ele se sente sobre o pedido de afastamento. Antes do impeachment anterior, ele falou com veemência. Parece que pode haver um senso de culpa aqui, ao não falar em termos tão fortes contra o pedido de impeachment.”

Brendan Gutenschwager, repórter independente e testemunha da invasão ao Capitólio. Depoimento ao Correio Braziliense

Condenação do Estado-Maior


Em uma rara manifestação política, o general Mark Milley (foto) e todo o Estado-Maior Conjunto emitiram um comunicado às forças militares dos Estados Unidos condenando a invasão ao Capitólio e lembrando a elas sobre suas obrigações de apoiar e defender a Constituição, e de rejeitar o extremismo. “Nós testemunhamos ações dentro do edifício do Capitólio que eram inconsistentes com o Estado de direito. Os direitos de liberdade de expressão e de reunião não dão a ninguém o direito de recorrer à violência, à sedição e à insurreição”, afirma o comunicado. “Qualquer ato para interromper o processo constitucional não é apenas contra nossas tradições, valores e juramento; é contra a lei”, avisou. A nota também faz alusão à transição de poder. “O presidente eleito, Joe Biden, será inaugurado e se tornará o nosso 46º comandante-em-chefe.”

Pompeo cancela viagem oficial...


O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo (foto), cancelou sua última viagem internacional programada para esta semana, enquanto o presidente Donald Trump enfrenta a ameaça de um segundo processo de impeachment. O Departamento de Estado informou que o chefe da diplomacia de Washington não viajaria mais à Bélgica, hoje, para comparecer a um “processo de transição tranquilo e ordenado” com o gabinete do sucessor democrata, Joe Biden. Depois das eleições de 3 de novembro, Pompeo — um dos mais ferrenhos aliados de Trump — sugeriu que Trump permaneceria na Casa Branca para um segundo mandato. Depois da invasão ao Capitólio, ele condenou a violência, mas nunca se distanciou do presidente.

...e liga o Irã à rede Al-Qaeda


Pompeo acusou o Irã de ser a nova “base de operações” para a rede jihadista Al-Qaeda, “pior do que o Afeganistão” no momento dos atentados do 11 de setembro de 2001. “A Al-Qaeda tem uma nova base de operações. É a República Islâmica do Irã”, declarou Pompeo em um discurso no Clube Nacional de Imprensa, uma semana antes de deixar o cargo. “Eu diria que o Irã é de fato o novo Afeganistão, como centro geográfico chave do Al-Qaeda, mas, na verdade, é pior. Ao contrário do Afeganistão, quando se escondia nas montanhas, a Al-Qaeda opera hoje sob a vista grossa da proteção do regime iraniano.” O chanceler do Irã, Mohamad Javad Zarif, rejeitou as acusações de seu homólogo americano. “Não enganam ninguém”, tuitou Zarif. “Todos os terroristas vieram dos destinos no Oriente Médio favoritos de Pompeo”, referindo-se à
Arábia Saudita.

Covid-19 entre congressistas


Três congressistas democratas testaram positivo para a covid-19, depois de serem colocados em segurança com outros legisladores, alguns deles sem máscaras, durante a invasão ao Capitólio. O mais recente caso, divulgado ontem, envolve o deputado Brad Schneider. “Lamentavelmente, recebi um resultado positivo de um teste da covid-19”, afirmou. “Vários congressistas republicanos presentes na sala negaram-se categoricamente a usar máscara”, disse. As deputadas Pramila Jaypal e Bonnie Watson Coleman, 75 anos, também anunciaram que estão infectadas pelo coronavírus e em isolamento domiciliar.

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