Conexão diplomática

Silvio Queiroz
postado em 15/01/2021 21:17 / atualizado em 15/01/2021 21:19

Ernesto encena a“escolha de Sofia”

A cinco dias da posse de Joe Biden, marcada para esta quarta-feira, o chanceler Ernesto Araújo fez a primeira colocação algo mais concatenada sobre as relações com o novo presidente dos EUA, que venceu nas urnas e frustrou a reeleição de Donald Trump — que Jair Bolsonaro elegeu como aliado preferencial de seu governo. Embora o próprio presidente não tenha cumprimentado publicamente o novo parceiro, o primeiro aceno do chanceler foi às coincidências entre os dois países em temas como “a democracia e a segurança” na América Latina.
A troca de guarda na Casa Branca tem, para o Brasil, importância proporcional à primazia dada pelo Planalto e pelo Itamaraty às relações bilaterais — de governo a governo — desde 1º de janeiro de 2019, quando mudou o comando por aqui. No que se refere à vizinhança mais próxima, Bolsonaro apostou as fichas na estratégia de Trump para depor Nicolás Maduro e o chavismo na Venezuela. A equipe de Biden deve manter a pressão, mas tende a descartar o “presidente encarregado” Juan Guaidó, a quem Bolsonaro e Araújo atrelaram a política externa brasileira.
Como a história não se cansa de aprontar surpresas e ciladas, é justamente Maduro quem se prontifica a suprir, em caráter de emergência, o oxigênio hospitalar que falta a Manaus no pandemônio do repique da covid. Por sinal, é também da Venezuela que continua vindo a eletricidade para Roraima.
A escolha de Sofia, que valeu o Oscar para Meryl Streep, transbordou da tela para o vocabulário corrente como imagem extrema de um dilema existencial. As cenas dantescas de pacientes morrendo por asfixia na metrópole amazônica colocam a diplomacia brasileira na encruzilhada entre um alinhamento de base ideológica e a abertura pragmática à cooperação com um governo que a política externa define como ilegítimo.

Cipó de aroeira

Entre interlocutores externos do Brasil, a crise de Manaus não apenas deixou exposto o despreparo das autoridades em várias esferas — começando pela federal — para enfrentar uma emergência sanitária que completa já um ano. No terreno estritamente médico-científico, o foco dos microscópios se fecha sobre a nova cepa do coronavírus identificada no Amazonas.
Nos primeiros meses da pandemia, foi recorrente, também por aqui, a menção à covid como doença causada pelo “vírus chinês”. Na disputa comercial e geopolítica pela imunização, sobram ataques, quase campanhas, contra a “vacina chinesa” e a “vacina russa”. A bola da vez, segundo essa lógica, seria a “variante brasileira”.

To Brics or not do Brics

O título não é novo, mas teima em se reapresentar. China e Rússia, dois dos focos de controvérsia na luta de ideias e na disputa geopolítica que permeiam a crise sanitária global, são duas das letras que formam, com o Brasil, a sigla do quinteto emergente articulado para se contrapor ao peso de EUA e União Europeia. A Índia, outro dos polos, é o fornecedor procurado agora pelo governo Bolsonaro para a compra de vacinas. O quinto elemento, a África do Sul, puxa a fila da pandemia no continente e foi identificado como origem de outra variante do coronavírus.
Os diplomatas que investiram na consolidação do grupo, na primeira década e meia do século, lamentam que o esforço tenha ficado de lado, por aqui, desde a reorientação externa operada desde que Michel Temer substituiu Dilma Rousseff. No âmbito do bloco, pela própria composição, se ofereciam condições propícias para traçar uma estratégia comum e complementar contra a pandemia.

Pontapé inicial

Começou, na Alemanha, a difícil e incerta cerimônia do adeus à chanceler (chefe de governo, na nomenclatura de lá) Angela Merkel. A União Democrata Cristã (CDU), que ela comandou nos últimos 15 anos e orientou no rumo de um conservadorismo com sensibilidade social, vai escolher um novo líder. Pela posição do partido como o maior do Bundestag (parlamento), quem herdar a coroa sai como favorito a ocupar a cadeira de Merkel. A menos que mude de ideia, Mutti (“mamãe”), como é chamada, não mais se apresentará aos alemães na eleição legislativa de setembro.
A largada na sucessão coincide com o momento em que o país reforça as medidas de isolamento social e outras destinadas a rechaçar a segunda onda europeia da covid. Mutti, a primeira cidadã crescida na extinta Alemanha Oriental (comunista) a governar a Alemanha reunificada, cultivou entre os cidadãos uma relação de confiança que ignorou fronteiras partidárias. Nem o bloco governista, que inclui os social-cristãos da Baviera, nem a oposição de centro e esquerda têm por ora um nome que empolgue.
Como em 2017, a incógnita é quanto à extrema-direita, força em ascensão, poderá se beneficiar da ressaca nos partidos que dominaram o cenário político no pós-Segunda Guerra.

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