Em uma guinada de 180 graus na política ambiental em relação ao antecessor Donald Trump, o presidente Joe Biden defendeu que os Estados Unidos devem “comandar a resposta mundial” à crise climática e assinou um pacote de três ordens executivas que detalha políticas de governo sobre o tema. “Já esperamos tempo demais para enfrentar esta crise diplomática. Não podemos esperar mais. O vemos com nossos próprios olhos. O sentimos dentro de nós. E é hora de agir”, afirmou o democrata, ao anunciar que os EUA sediarão uma cúpula de lideranças mundiais sobre o clima, em 22 de abril, data do quinto aniversário da assinatura do Acordo Climático de Paris — adotado em 2016 pela gestão de Barack Obama e abandonado por Trump no ano seguinte.
Por meio dos decretos, Biden também ordenou que o clima seja tratado como elemento essencial da política externa e da segurança nacional; determinou a suspensão de novos arrendamentos da exploração de petróleo e gás natural em terras públicas ou em águas offshore; e defendeu uma revolução baseada em energia limpa, livre de carbono, até 2035 — meta estabelecida pelo acordo de Paris. A intenção do novo governo é chegar a 2050 com a economia norte-americana completamente limpa. Para tanto, a Casa Branca pretende injetar US$ 2 trilhões em projetos de energia limpa. O presidente se comprometeu a proteger 30% das terras e águas federais até 2030, uma medida para compensar a perda de biodiversidade.
“Da mesma forma que precisamos de uma resposta nacional unificada para a covid-19, necessitamos, desesperadamente, de uma resposta nacional unificada à crise climática, porque há uma crise climática”, declarou Biden, acompanhado do enviado especial para o clima e ex-secretário de Estado, John Kerry. “Vamos investir em energia limpa. (…) Esta será uma abordagem de todo o governo. Nós devemos fazer isso e vamos fazê-lo”, acrescentou o presidente. Para Kerry, as ordens executivas apontam a restauração do respeito pela ciência. “É mais barato lidar com a crise climática do que ignorá-la”, comentou, ao sublinhar que Biden defende consultar a ciência e tomar decisões baseadas em fatos. Nesse sentido, a Casa Branca reativou um conselho presidencial de assessores científicos e outro para guiar as decisões das agências federais.
Justiça
Professora do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Syracuse University (em Syracuse, Nova York), Farhana Sultana afirmou ao Correio que o gesto de Biden de colocar a justiça climática como tema central do governo ajudará a interromper o colapso do clima e a resolver vários problemas interconectados. “O desinvestimento em combustíveis fósseis é um componente essencial. As revisões rigorosas anunciadas pela Casa Branca são um começo importante. Haverá necessidade de avaliações e revisões contínuas, ao longo do tempo, para garantir resultados eficazes. Tais processos exigem compromisso, colaborações e ação”, avaliou.
Segundo Sultana, a readesão ao Acordo de Paris é uma evidencia da disposição de Biden em engajar-se nas respostas globais à crise climática. “Há muito mais fazer para tratar de uma série de questões, como cooperação e comércio internacional; políticas domésticas sobre agricultura, transporte, energia, habitação e indústria; todos com componentes climáticos”, afirmou.
A especialista considera importante que os EUA precisam “focar na transição ética para fontes de energia renovável, que respondem pelos impactos sociais e ecológicos no exterior, mudando os padrões de produção e hiperconsumo no país para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, e abordando a migração climática e o deslocamento”.
David Waskow, do Instituto de Recursos Mundiais (em Washington), disse à agência de notícias France-Presse que a cúpula anunciada por Biden será uma oportunidade para novo impulso multilateral em matéria climática, depois do governo Trump. “Será uma chance para que os EUA venham à mesa de negociações para impulsionar a agenda e acelerar o ritmo às vésperas da COP26 (a reunião da ONU sobre o clima, que ocorrerá em Glasgow (Escócia), entre 1º e 12 de novembro)”, disse Waskow.
» O plano da Casa Branca
Veja as principais ações previstas pelos decretos firmados por Biden
Cúpula do clima
O presidente Joe Biden anunciou que, em 22 de abril, os Estados Unidos sediarão uma cúpula de líderes mundiais sobre o clima. O evento ocorrerá no Dia da Terra e coincidirá com o quinto aniversário da assinatura do Acordo de Paris.
Perfuração de petróleo e gás
Biden instruiu o Departamento do Interior, que supervisiona as terras públicas federais, a interromper os arrendamentos de perfuração de petróleo e gás em terras e águas federais “na medida do possível”.
A ideia é preservar 30% das terras federais até 2030.
Conselhos científicos
A Casa Branca pretende reativar um conselho presidencial de assessores científicos e outro que conduzirá a tomada de decisões embasadas na ciência por parte das agências federais.
Investimentos
O governo Biden pretende que as agências federais invistam em setores vinculados economicamente aos combustíveis fósseis e ajudem as comunidades afetadas por danos ambientais. O plano do democrata inclui aumentar os investimentos públicos em infra-estrutura limpa e pôr fim à emissão de carbono das usinas de energia até 2035, limite estabelecido pelo Acordo de Paris. Biden também propõe injeção de recursos públicos em infra-estrutura verde, incluindo US$ 2 trilhões para projetos de energia limpa.
» Eu acho...
“Há um compromisso muito mais sério às ações climáticas no governo Biden do que na gestão anterior. O atual presidente tem levado as mudanças climáticas a sério, não apenas em palavras, mas também por ter especialistas para ajudar a trabalhar em diferentes aspectos deste complexo tema global e doméstico. O foco na justiça climática significa reconhecer as maneiras com que o clima impacta as comunidades de forma desigual, e isso é uma mudança importante nas proridades políticas da
Casa Branca.” Farhana Sultana, professora do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Syracuse University (em Nova York).
Acordo possível com o Irã
Os EUA retornarão ao acordo nuclear com o Irã assim que Teerã cumprir com seus compromissos firmados em 2015. O anúncio foi feito secretário de Estado, Antony Blinken (foto), ao advertir que o caminho será longo. Blinken confirmou o desejo de Joe Biden de readerir ao acordo abandonado por Donald Trump, mas rejeitou a pressão do Irã para que os Estados Unidos tomem iniciativa nesse sentido.
Apelo à desnuclearização
Em conversa por telefone, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga (foto), reiteraram a exigência comum de uma “desnuclearização completa” da Península Coreana. Segundo a Caa Branca, durante a ligação, Biden recordou o “compromisso inquebrantável” dos Estados Unidos em proteger o aliado japonês.
Ameaça da extrema-direita
O Departamento de Segurança Interna dos EUA publicou, ontem, um alerta antiterrorista por um “clima de recentes ameças” vinculadas a “extremistas violentos” que se opõem a Biden. “Informação sugere que alguns extremistas violentos, movidos pela ideologia — com objeções ao exercício da autoridade governamental —, poderiam seguir mobilizando-se para inicitar o cometer o alerta”,
diz a nota.
Investigação sobre a covid
Os Estados Unidos querem que seja aberta uma investigação internacional “robusta e clara” sobre as origens da pandemia de covid-19, que surgiu em dezembro de 2019, na China, declarou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki. Ela expressou ser “imperativo chegar ao fundo” sobre como o vírus apareceu e se propagou em todo o mundo. Até o fechamento desta edição, os EUA registravam 25,5 milhões de casos da covid-19 e 427.432 mortes.
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