Estados unidos

"A melhor forma é desfazer o dano que Trump fez", diz Biden sobre medidas tomadas

Presidente Joe Biden fortalece o programa Obamacare, abandonado por Donald Trump, e revoga a lei que impedia o repasse de financiamento federal a organizações estrangeiras envolvidas com a interrupção da gravidez no país

Rodrigo Craveiro
postado em 29/01/2021 06:00
 (crédito: AFP / MANDEL NGAN)
(crédito: AFP / MANDEL NGAN)

Antes de assinar uma ordem executiva e um memorando, o presidente Joe Biden foi enfático: “Basicamente, a melhor forma de descrevê-las é desfazer o dano que (Donald) Trump fez”. Por meio do decreto, o presidente dos Estados Unidos restaurou o Affordable Care Act (ACA ou Lei de Assistência Acessível) ou Obamacare — que ajudou mais de 20 milhões de americanos a obterem um seguro-saúde — e o Medicaid (programa de saúde social para famílias e indívidus de baixa renda). Por meio de um memorando, o democrata revogou a chamada “lei da mordaça global” ou “política da Cidade do México”, uma norma que proibia o governo federal de financiar organizações não governamentais (ONGs) de outros países que oferecem serviços de aborto nos Estados Unidos. O documento sobre esta medida específica traz uma declaração considerada sem precedentes na Casa Branca. “É a política do meu governo apoiar os direitos e a saúde reprodutiva e sexual de mulheres e garotas nos Estados Unidos, assim como globalmente”, afirma o texto.

As agências do governo abrirão um período especial de inscrição para bolsas do ACA (ou Obamacare): de 15 de fevereiro a 15 de maio, em resposta à pandemia da covid-19. Biden também ordenou uma revisão das políticas impostas por Trump que restringiam o acesso aos cuidados médicos. As pessoas que ficaram desempregadas por conta da pandemia deverão ser as mais beneficiadas. “Acredito que todo americano merece a paz de espírito que venha com acesso a cuidados de saúde de qualidade e acessíveis. Por isso, hoje, tomarei medidas para fortalecer o acesso dos americanos aos cuidados de saúde”, declarou Biden em seu perfil no Twitter.

Para Lawrence Gostin, professor de medicina da Universidade Johns Hopkins e da Universidade Georgetown e especialista em direito de saúde pública, a ampliação do período de inscrição para o Obamacare “é um primeiro passo crucial para expandir o acesso aos cuidados de saúde no país”. “Biden quer dar às pessoas todas as chances de obterem um seguro-saúde acessível, sob o Obamacare. Esta é a primeira etapa do que acredito que serão muitas ordens executivas”, admitiu ao Correio.

“Mordaça global”

Serra Sippel, presidente da ONG Change (Centro pela Saúde e Igualdade de Gênero, em Washington), afirmou ao Correio que a recisão da “mordaça global” é importante porque as entidades de atenção à saúde perderam financiamento após a regra imposta por Trump e, agora, tornam-se elegíveis para receber financiamento do governo federal. “As organizações que já recebem assistência à saúde global, por parte dos EUA, não estão mais ‘amordaçadas’ e podem fornecer serviços de saúde abrangentes, incluindo aconselhamento e encaminhamento para o aborto”, disse ao Correio. “É notável que, durante o anúncio do memorando, a administração Biden-Harris enfatiza o apoio à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e garotas dos Estados Unidos. Isso envia um sinal importante para a comunidade internacional de que o mundo se reunirá aos esforços globais para promover o acesso universal à saúde e aos direitos reprodutivos.”

Segundo Sippel, a Casa Branca precisa deixar absolutamente claro que a “lei da mordaça global” perdeu o status quo. “Nós esperamos que o fim desta norma sinalize ao mundo que os EUA vão se tornar líderes na causa dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres”, comentou. O aborto é legal nos Estados Unidos desde uma decisão histórica da Suprema Corte em 1973, mas ainda divide muito a população americana, enfrentando oposição ainda muito forte, especialmente entre setores religiosos.

A decisão sobre a revogação da “política da Cidade do México” por Biden não surpreendeu o padre jesuíta norte-americano Thomas Reese, colunista do site Religion News Service. “A medida foi colocada pela primeira vez em vigor por um governo republicano (Reagan). Quando os democratas ganharam a Casa Branca, eles a rescindiram. Quando os republicanos a retomaram, reinstalaram a lei. Essa política tem sido quase que como uma partida de futebol”, disse à reportagem.

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“Nos últimos quatro anos, sob o governo de Donald Trump, os EUA renegaram seu compromisso global com a igualdade de gênero e com os direitos e a saúde sexual e reprodutiva. Outros países, felizmente, intensificaram e preencheram a lacuna de decência criada pela administração Trump. Esperamos que os EUA traduzam as declarações políticas de hoje em ação, e que cooperem com nações ao redor do mundo para expandir o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o aborto.” Serra Sippel, presidente da organização não governamental Change (Centro pela Saúde e Igualdade de Gênero, em Washington).

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Um novo olhar para a relação com Cuba

 (crédito: Yamil Lage/AFP)
crédito: Yamil Lage/AFP

Apenas 530km separam Cuba dos Estados Unidos, geograficamente. Sob o ponto de vista simbólico, a nação mais poderosa do planeta se afastou ainda mais da ilha caribenha durante o governo de Donald Trump, depois que o antecessor, o democrata Barack Obama, visitou Havana e inaugurou a embaixada americana na capital. Com a ascensão de Joe Biden ao poder, a Casa Branca anunciou, ontem, que revisará as políticas de Trump em relação a Cuba. “Nossa política sobre Cuba será regida por dois princípios: o primeiro é o apoio à democracia e aos direitos humanos, que serão o eixo, e o segundo é que os americanos de origem cubana são os melhores embaixadores da liberdade em Cuba”, declarou Jen Psaki, porta-voz da Presidência dos Estados Unidos.

Cuba vive sob impacto do embargo econômico, comercial e financeiro desde 19 de outubro de 1960 — a medida foi imposta pelo presidente norte-americano, Dwight D. Eisenhower, contra o regime de Fulgencio Batista. Em 3 de janeiro de 1961, Washington rompeu as relações diplomáticas. “Estamos revisando as políticas do governo Trump em várias questões de segurança nacional para ter certeza de que nossa visão é consistente com isso. Vamos traçar nosso próprio caminho”, afirmou Psaki, ao ser questionada se as sanções aplicadas por Trump serão canceladas pela Casa Branca. Entre 2016 e 2020, durante o governo do magnata, o endurecimento das sanções provoou danos financeiros de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 108,8 bilhões) à ilha.

Rolando Antonio Gómez González, encarregado de negócios de Cuba no Brasil, afirmou ao Correio que o governo Trump impôs limitações de todos os tipos à ilha caribenha. “Apesar da rejeição de legisladores norte-americanos e de diversos setores econômicos, tais restrições endureceram o bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto por Washington contra Havana. Essas medidas prejudicam setores da economia americana”, disse. Segundo o diplomata, Trump não só recrudesceu o bloqueio comercial, como deteve a colaboração e a cooperação médica, interrompeu remessas de dinheiro às famílias em Cuba, paralisou investimentos de terceiros. “A crueldade de Trump foi inédita. Ele aplicou 240 medidas que reforçaram o bloqueio. Uma projeção brutal, desumana, que gerou muito sofrimento ao meu povo, o qual seguirá em defesa do projeto revolucionario, independendente, soberano e socialista”, acrescentou González.

Por meio do WhatsApp, Alan P. Gross, 71 anos, ex-funcionário terceirizado da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) que ficou cinco anos preso em Cuba (2009-2014), acusado de espionagem, defendeu uma mudança de paradigma dos EUA em relação à ilha. “Obama se movia na direção correta, até que Trump veio e reverteu tudo”, lamentou, ao lembrar que Biden era vice de Obama durante a política de reaproximação. “Não sinto ódio dos cubanos. Passei cinco anos lá, como refém. À exceção de meus captores, os cubanos que eu tinha conhecido antes, durante e depois de minha detenção abritrária aqueceram o meu coração. Eu apoio as futuras políticas dos EUA que ajudarão a melhorar a vida dos cubanos”, disse ao Correio. (Rodrigo Craveiro e Nahima Maciel)

» Duas perguntas para

Alan P. Gross, 71 anos, ex-funcionário terceirizado da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) que foi acusado de ser espião da CIA pelo governo de Cuba e ficou preso em Havana entre 2009 e 2014

Qual deveria ser a política ideal dos Estados Unidos em relação a Cuba, na sua opinião?
Acho que o presidente Joe Biden e o secretário de Estado, Antony Blinken, deveriam estabelecer as bases que levarão à nomeação do embaixador dos Estados Unidos em Cuba. Antes que isso ocorra, um enviado especial de alto escalão deveria ser designado para Havana, a fim de preparar terreno para um futuro embaixador. Também acho que os EUA deveriam permitir o comércio com o setor privado de Cuba. Isso eventualmente levaria à suspensão do embargo contra o governo cubano. Cuba precisa ser retirada da lista dos EUA de patrocinadores do terrorismo. Isso é uma loucura.

E o que o senhor pensa sobre este embargo econômico, financeiro e econômico à ilha?
Eu não apoio o embargo, mas será muito difícil encerrá-lo. Por isso, sugeri permitir o comércio com o setor privado de Cuba, como uma medida provisória. Cuba precisa dos negócios. Os cubanos necessitam das remessas financeiras. E todo mundo precisa de turistas.

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