Europa

"Lei João Semedo": Portugal reconhece o direito de morrer

Parlamento aprova legalização da eutanásia. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, terá oito dias para decidir sobre sanção. Projeto de lei contempla pessoas em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável

Rodrigo Craveiro
postado em 30/01/2021 06:00
 (crédito:  AFP / PATRICIA DE MELO MOREIRA)
(crédito: AFP / PATRICIA DE MELO MOREIRA)

A “Lei João Semedo” foi batizada em homenagem ao médico e deputado português que travou a luta pelo direito à morte assistida e, depois de uma batalha contra um câncer que o fez perder a voz, faleceu em 17 de julho de 2018. Com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções, o Parlamento de Portugal aprovou a descriminalização da eutanásia. O texto foi enviado à apreciação do presidente conservador e católico Marcelo Rebelo de Sousa, o qual terá um prazo de oito dias para decidir pela promulgação, pela submissão ao Tribunal Constitucional ou pela imposição de veto. Se ele sancionar o projeto de lei, Portugal vai se tornar o quarto país da Europa a legalizar o método — ao lado de Holanda, Bélgica e Luxemburgo. O texto conceitua como “eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.

De acordo com a agência France-Presse, o pedido do paciente para morrer, no fim de vida, deverá ser validado por um corpo médico e um psiquiatra, na hipótese de dúvidas sobre a capacidade de tomar a decisão com liberdade e consciência. No momento da eutanásia, o médico do paciente deverá se certificar de que ele mantém o desejo de terminar seus dias na presença de testemunhas. A eutanásia somente poderá ser aplicada em centros do serviço nacional de saúde, ou em um local “escolhido pelo paciente” — com “condições clínicas e conforto adequados”.

A deputada Cláudia André, do Partido Social-Democrata (centro-direita), foi um dos 78 votos de oposição à legalização da eutanásia. “Considero que a solução está na assistência de qualidade de saúde a quem está impossibilitado de ter uma vida ou morte mais digna, por meio da ampliação da rede de cuidados paliativos e do apoio a quem perde a autonomia”, afirmou ao Correio. “O fato de não se esgotar a possibilidade de oferecer melhor qualidade de vida a quem está em sofrimento não garante que a opção da pessoa seja consciente. Pode ser apenas uma opção para acabar com a dor — física ou psicológica — e não uma alternativa por considerar que a vida chegou a um limite”, acrescentou a parlamentar, que mora na vila de Sertã (centro), a 100km de Fátima.

Cláudia disse que não existe sinal da posição do presidente da República. “Eu acredito que Marcelo Rebelo de Sousa possa requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da lei da eutanásia antes de decidir sobre a promulgação ou o veto”, comentou. Líder do partido Volt Portugal (pró-europeu), Tiago de Matos Gomes classificou como “bastante positiva” a aprovação da “Lei João Semedo”. “Os cidadãos devem ter o direito de escolher morrer de forma digna, se tiverem uma doença sem cura que lhes cause profundo sofrimento. A lei é muito cuidadosa no que diz respeito a garantias e só pode ser aplicada em casos ponderados.”

Conhecido como “Doutor Morte”, o médico australiano Philip Nitschke, diretor da Exit International (ONG em defesa da eutanásia), admitiu ao Correio que a legislação portuguesa é “muito restritiva”. “Ela limita ajuda apenas aos portugueses, pessoas em estado terminal e com extremo sofrimento. Isso não atenderá às necessidades de muitos que desejam ajuda para morrer. Essas pessoas continuarão viajando a outros países para terem o socorro.” Nitscke contou que deu quatro injeções letais a pacientes terminais. “Isso foi em 1996. A lei durou apenas alguns meses antes de ser revogada pelo governo da Austrália. Participar dessas mortes foi difícil, mas importante”, disse. Ele construiu uma máquina para que os pacientes apertassem um botão e recebessem a injeção letal.

» Onde é lei

Saiba quais outros países da Europa autorizam a eutanásia sob condições específicas

Holanda
Desde 2002, o país está autorizado a administrar um medicamento que provoque a morte quando um paciente solicitar, em pleno conhecimento da causa, desde que enfrente sofrimentos “insuportáveis” e “intermináveis” devido a doença diagnosticada como incurável. Precisa também da opinião de um segundo médico. Foi a primeira nação a autorizar, sob estritas condições, a eutanásia para menores entre 12 e 17 anos.

Bélgica
Também descriminalizou a eutanásia em 2002 em condições estritamente definidas por lei. O paciente pode expressar sua vontade em uma “declaração antecipada”, válida por cinco anos, ou pedir, de forma explícita, caso tenha a capacidade de fazê-lo.

Luxemburgo
Desde março de 2009, a eutanásia está autorizada em Luxemburgo sob certas condições para pacientes idosos com doenças incuráveis.

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