EUA

"Os EUA estão de volta", diz Biden ao retomar alianças

Em visita ao Departamento de Estado, o presidente Joe Biden anuncia a retomada de alianças e o reengajamento com a comunidade internacional. Casa Branca suspende participação na guerra do Iêmen e congela retirada de tropas da Alemanha

Rodrigo Craveiro
postado em 05/02/2021 06:00
 (crédito: AFP / SAUL LOEB)
(crédito: AFP / SAUL LOEB)

Durante os quatro anos sob o comando do republicano Donald Trump, os Estados Unidos flertaram com uma política externa marcada pelo isolacionismo. Ontem, em visita ao Departamento de Estado, o presidente democrata, Joe Biden, sepultou o tema “America First” (“A América em Primeiro Lugar”), transformado quase que em mantra no governo do antecessor. “Quero enviar uma mensagem clara ao mundo: os Estados Unidos estão de volta. A diplomacia está de volta. Vocês estão no centro de tudo o que planejo fazer”, declarou Biden na sede da chancelaria norte-americana. “Nós vamos reconstruir nossas alianças, vamos nos reengajar com o mundo e enfrentar os enormes desafios da pandemia e do aquecimento global, e defendendo novamente a democracia e os direitos humanos em todo o planeta”, acrescentou. Os EUA deram um passo simbólico para a retomada das alianças: Biden reverteu uma decisão de Trump e congelou a retirada de 12 mil soldados norte-americanos baseados na Alemanha.

A Casa Branca também anunciou o fim do apoio à coalizão liderada pela Arábia Saudita na guerra civil que consome o Iêmen desde 2015, a qual custou 110 mil vidas. Além de suspender a participação no combate aos separatistas huthis, Biden também suspendeu a venda de armas para Riad. “Esta guerra deve acabar. Para ressaltar o nosso compromisso, estamos terminando com todo o apoio americano às operações ofensivas na guerra no Iêmen, incluindo a venda de armas”, afirmou Biden. Os rebeldes huthis saudaram a decisão como “um passo rumo ao fim do conflito”. O democrata deverá analisar a inclusão desses rebeldes na lista de “organizações terroristas”. Em outra guinada, Biden avisou que não se submeterá mais à Rússia e enfrentará o autoritarismo de Moscou e da China. “Eu deixei claro ao presidente (Vladimir) Putin, de uma maneira muito diferente de meu antecessor, que a época em que os EUA se submetiam aos atos agressivos da Rússia (…) acabou”, disse.

Asher Orkabi, pesquisador do Instituto Transregional da Universidade de Princeton e autor de Yemen: what everyone neeeds to know (“Iêmen: o que todo mundo precisa saber”), afirmou ao Correio que o anúncio de Biden sobre o Iêmen é “inoportuno” e “ineficaz”. Segundo ele, embora os EUA sejam o principal fornecedor de armas da Arábia Saudita, não são o único. “A curto prazo, a retirada do apoio de Washington à guerra saudita no Iêmen terá pouco efeito. Em longo prazo, os EUA abrirão mão de um papel influente no Golfo e serão substituídos por países com menos padrões morais. Simbolicamente, Biden mostrou a toda a coalizão saudita que apoia o domínio regional iraniano.”

Orkabi lembra que, desde 2015, os americanos trabalham com a Arábia Saudita e com os Emirados Árabes Unidos para golpearem a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) e outros grupos extremistas no sul da Arábia. “A condução da campanha militar saudita tem sido ineficaz, em parte por causa do terreno intransponível, no norte do Iêmen; em parte, porque o governo iemenita no exílio, liderado por Mansur Hadi, limitou a legitimidade em seu próprio país.”

Morador de um vilarejo na província iemenita de Hajjah (norte), Abd Al-Razzaq Al-Neami avaliou o fim do apoio de Biden à guerra como “um bom começo”. “Se os EUA querem recuperar a dignidade, devem parar de apoiar regimes criminosos no Oriente Médio e levantar o bloqueio aéreo, terrestre e marítimo ao Iêmen. Esperamos que a diplomacia de Biden seja positiva em relação ao Iêmen e incorpore o fim da agressão ao meu país”, disse à reportagem.

Dissuasão

Para Nick Reynolds, especialista em Guerra Terrestre do Instituto Royal United Services para Estudos de Defesa e Segurança (Rusi, em Londres), as tropas americanas, na Alemanha, são parte crucial da dissuasão convencional da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “A Rússia tem se comportado mais agressivamente na Europa nos últimos anos, e tem sido vista como um adversário pela Otan. Um grande meio para a Rússia promover suas metas políticas é a ameaça da força militar. Uma presença militar da Otan robusta e capaz na Europa é essencial para coibir uma agressão. Como a maioria dos membros da Otan subinvestiram em suas capacidades militares, os EUA ainda fornecem a espinha dorsal das forças da Otan na Europa, e a presença das tropas é fundamental para uma dissuasão crível da aliança ocidental”, explicou ao Correio.

» Pontos de vista

Por Asher A. Orkaby

Efeito nocivo

“A decisão de Biden terá efeito prejudicial sobre os iemenitas. A aliança tribal Huthi, aliada do Irã, será encorajada a empreender apostas militares e políticas mais ambiciosas, com pouco incentivo para retornar à mesa de paz. A Arábia Saudita e aliados do Golfo Pérsico ficarão alarmados com a decisão de Biden de retirar o apoio à ofensiva no Iêmen. A decisão terá ramificações perigosas para a região. A infuência dos EUA sobre a Arábia Saudita estará perdida.” Analista do Instituto Transregional da Universidade de Princeton e autor de Yemen: what everyone neeeds to know (“Iêmen: o que todo mundo precisa saber”).

Por Nick Reynolds

Medida óbvia

“A reversão da decisão de retirar as tropas americanas da Alemanha é uma medida óbvia para o Biden. Ela servirá à meta de reengajar-se com os aliados dos EUA na Europa. Em relação às tropas designadas por Trump para serem transferidas para a Itália e a Bélgica, a permanência na Alemanha poupará despesas com realocação, a qual teria poucos benefícios militares para a Otan ou os EUA. A decisão envia mensagem clara à Otan sobre o compromisso renovado dos Estados Unidos com a aliança militar ocidental.” Analista sobre Guerra Terrestre do Instituto Royal United Services para Estudos de Defesa e Segurança (Rusi, em Londres).

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Trump não vai ao "tribunal"

 (crédito: Mandel Ngan/AFP)
crédito: Mandel Ngan/AFP

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump descartou testemunhar no processo sobre as acusações de incitar simpatizantes a invadirem o Capitólio. O magnata republicano começará a ser julgado pelo Senado na próxima terça-feira. Se considerado culpado, Trump corre o risco de perder os direitos políticos e de ficar inabilitado, de forma vitalícia, a disputar novo mandato. “O presidente não testemunhará em um processo inconstitucional”, declarou à agência France-Presse Jason Miller, o principal assessor de Trump.

Os congressistas democratas que desempenharão o papel de promotores durante o julgamento de Trump, no Senado, pediram ao magnata que testemunhasse. “Escrevo para convidá-lo a nos entregar um testemunho sob juramento, seja antes ou durante o processo no Senado, em relação à sua conduta em 6 de janeiro de 2021”, disse o deputado democrata Jamie Raskin, que comanda a delegação da Câmara de Representantes que apresentará as acusações ao Senado.

O processo contra o ex-presidente republicano acusado de “incitamento à insurreição” começa na próxima terça-feira, no Senado, depois que a Câmara aprovou, em 13 de janeiro, submetê-lo a um segundo processo de “impeachment” — este último com o objetivo de sua desabilitação para as eleições de 2024. Raskin fez este pedido depois que os advogados de Trump, por escrito, negaram as acusações de que o então presidente encorajou o ataque violento que deixou cinco pessoas mortas no Capitólio.

Desculpas

“Desta forma, você tentou questionar fatos críticos, apesar das evidências claras e esmagadoras de seus crimes constitucionais”, disse Raskin. O congressista propôs que o ex-presidente testemunhasse e fosse questionado entre 8 e 11 de fevereiro em “data e local de conveniência mútua”. Antes da recusa feita pelo principal assessor, Raskin acrescentou que Trump teria poucas desculpas para evitar o depoimento, pois não poderia usar o argumento de que está muito ocupado governando, como fez no processo contra ele quando ainda era presidente em 2020. “Portanto, antecipamos sua disponibilidade para testemunhar”, disse ele.

O congressista avisou que, caso Trump se recusasse a prestar testemunho, os promotores poderiam citar tal atitude como prova de culpa. Na carta, Raskin tinha dado a Trump um prazo até as 17h de hoje (19h em Brasília) para responder. No entanto, o ex-presidente decidiu fazê-lo com um dia de antecedência.

Cota de refugiados aumenta a 125 mil

 (crédito: John Moore/AFP)
crédito: John Moore/AFP

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a intenção de multiplicar por oito o número de refugiados que podem ser admitidos no país, em comparação com o mínimo histórico imposto por Donald Trump ao fim de seu mandato. Durante a campanha eleitoral, Biden estabeleceu a cota anual de refugiados que podem ser admitidos sob o programa de reassentamento em 125 mil — no ano orçamentário atual, são 15 mil. “Nós enfrentamos uma crise de mais de 80 milhões de deslocados que sofrem em todo o mundo”, declarou o democrata, ao anunciar um decreto presidencial que permite “aumentar as admissões de refugiados a 125 mil para o primeiro ano fiscal completo” do novo governo, que começará em 1º de outubro.

Em seu governo, Trump transformou em prioridade a luta contra a imigração, tanto legal quanto ilegal. Durante a Presidência do também democrata Barack Obama, os EUA recebiam, em média, 100 mil refugiados por ano. Biden enfatizou que o programa de reassentamento protegerá, também, os integrantes da comunidade LGBTQIA+. “Nós garantimos a promoção dos direitos dessas pessoas, lutando contra a criminalização e protegendo os refugiados e os solicitantes de asilo”que pertencem a essa comunidade”, disse Biden durante discurso no Departamento de Estado.

Filippo Grandi, alto comissário da ONU para os Refugiados, elogiou o anúncio da Casa Branca. “A ação do presidente Biden salvará vidas, é simples assim. Isso também mostra que a força se baseia na compaixão”, declarou. Diretor da Faculdade de Programas de Política e Direito Imigratório da Universidade de Cornell, Stephen Yale-Loehr disse ao Correio que levará tempo para que os EUA realmente admitam 125 mil refugiados por ano. “Mas isso envia uma mensagem simbólica de que o país apoia uma política robusta para refugiados. Também faz parte do tom mais amigável de Biden em relação aos imigrantes”, afirmou.

Segundo Loehr, Biden já tomou várias decisões importantes sobre a imigração, como o fim da proibição de viagens aos muçulmanos e aos africanos, a suspensão temporária das deportações e a criação de uma força-tarefa para reunir famílias separadas. “A reforma do sistema de imigração falido exigirá a ajuda do Congresso dos Estados Unidos.”

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