EUA

Caminho aberto para o julgamento de Trump

Com os votos de seis republicanos, Senado declara constitucional o processo contra o ex-presidente, acusado de ter incitado apoiadores a ocupar o Capitólio. Para analistas, entretanto, o placar de 56 votos evidencia que, dificilmente, ele será condenado

Correio Braziliense
postado em 09/02/2021 21:56
 (crédito: Win Mcnamee/AFP)
(crédito: Win Mcnamee/AFP)


Dezenove dias depois de deixar a Casa Branca, Donald Trump voltou ao centro da cena política norte-americana com o início do julgamento de seu segundo impeachment, declarado constitucional, ontem, por 56 senadores, sendo seis republicanos. A defesa do ex-presidente tentou, em vão, argumentar que o processo não poderia avançar, uma vez que o magnata — acusado de “incitamente à insurreição” por seu papel no violento ataque ao Capitólio no início do ano — não está mais no poder.
Como aconteceu no primeiro julgamento, porém, Trump deverá ser absolvido, segundo analistas. Para a condenação política, são necessários os votos de pelo menos 67 senadores. Alcançar esse patamar só seria possível com a adesão 17 republicanos às acusações feitas pelos democratas.
O placar de ontem evidenciou que essa conta dificilmente fechará.
Os seis senadores republicanos que votaram a favor da constitucionalidade do processo foram Bill Cassidy, Susan Collins, Lisa Murkowski, Mitt Romney, Ben Sasse e Pat Toomey. No total, 44 parlamentares se posicionaram pelo impedimento do julgamento.
Com o policiamento do Capitólio reforçado pela Guarda Nacional, os congressistas democratas que atuam como promotores no processo, cruzaram, em silêncio, os mesmos corredores que foram alvo dos manifestantes pró-Trump. Em uma situação inédita, os 100 senadores que atuam como jurados foram testemunhas e vítimas do atentado. Depois de uma oração, eles tomaram seus lugares.

Evidências

Jamie Raskin, o democrata que lidera a acusação, disse que o ex-presidente deve ser condenado pelos fatos “claros e sólidos” que o relacionam ao episódio do mês passado. Em seguida, exibiu um vídeo de 10 minutos para argumentar que Trump encorajou a invasão do Capitólio, que deixou cinco mortos.
O vídeo mostrou trechos das cenas de caos e declarações ferozes de Trump a seus apoiadores, reunidos em um comício em Washington pouco antes do Congresso se reunir para certificar formalmente a vitória de seu rival democrata Joe Biden na eleição presidencial. “Lutem como o demônio”, disse Trump, pouco antes do tumulto.
Em seguida, Raskin lembrou que duas horas após o ataque, Trump tuitou um vídeo no qual dizia que as eleições foram uma “fraude” e, embora tenha pedido aos manifestantes que voltassem para casa, acrescentou: “Amamos vocês”.
“Se esses acontecimentos não são passíveis de acusação, então, nada é”, concluiu o legislador.
“Como todos vocês, fui evacuado quando esta multidão violenta forçou a abertura das portas do Capitólio”, acrescentou o democrata Joe Neguse, outro dos promotores. “Os presidentes não podem inflamar uma insurgência em suas últimas semanas (no cargo) e depois sair como de costume”, insistiu.
Enquanto democratas apontavam as provas como “avassaladoras”, a defesa de Trump classificava a acusação de “absurda”, dando o tom dos debates que serão travados a partir de hoje. Para os advogados David Schoen e Bruce Castor, não há cabimento julgar um político que deixou o cargo, algo inédito na história norte-americana. “Isso deixará o país muito mais dividido e prejudicará seriamente nossa posição no mundo”, ressaltou Schoen.
Pressa

O certo é que os dois lados têm pressa na conclusão do julgamento. Os republicanos não pretendem prolongar uma situação que divide suas fileiras. Os democratas porque querem que o Senado possa se concentrar rapidamente na aprovação das nomeações e projetos de Joe Biden. Portanto, uma votação final pode ocorrer na próxima semana.
O ex-presidente, que concluiu o mandato em 20 de janeiro e agora reside na Flórida, não comparecerá para testemunhar. Ele também se negou a depor no primeiro processo, em que foi absolvido da acusação de pressionar a Ucrânia a investigar Hunter Biden, filho do atual presidente americano.
Também Joe Biden adotou uma postura discreta em relação ao processo. Na segunda-feira, ao ser perguntado sobre o impeachment do antecessor, o presidente foi evasivo. “Deixemos o Senado resolver isso”, limitou-se a dizer.
Ontem, enquanto os debates transcorriam no Legislativo, o chefe da Casa Branca cumpriu agenda normal. Para ele, a mensagem é clara: três semanas após chegar ao poder, sua atenção está voltada para a pandemia (que já deixou mais de 465 mil mortos nos Estados Unidos) e as consequências econômicas que atingem dezenas de milhões de cidadãos.
“(O processo) é obviamente uma grande história no país, sem dúvida, mas o presidente está se concentrando nos empregos dos americanos e na pandemia”, afirmou Jen Psaki, porta-voz de Biden, minutos antes da abertura dos debates no Senado.
A sessão teve início às 13h (horário de Washington) e quase ao mesmo tempo, a Casa Branca agendou uma reunião de trabalho sobre o plano de ajuda à economia. Participaram a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e um grupo de empresários, entre eles, Jamie Dimon (JPMorgan Chase), Doug McMillon (Walmart) e Sonia Syngal (Gap).
Desde que assumiu, o 46º presidente dos Estados Unidos raramente se refere a Trump pelo nome e, muitas vezes, responde o mais rápido possível a perguntas relacionadas a ele.
Também Donald Trump, confinado em Mar-a-Lago desde sua saída de Washington, optou pela discrição. É verdade que não dispõe mais do Twitter, do qual foi expulso dias antes de terminar seu mandato. No entanto, poderia ter escolhido outros canais de comunicação, inclusive os vídeos pré-gravados dos quais se tornou fã nos últimos períodos à frente da Casa Branca.
Ao mesmo tempo, silenciar e deixar seus advogados sob os holofotes, segundo analistas também tem suas vantagens: se uma absolvição parece quase clara (a grande maioria dos senadores republicanos apoiou uma tentativa de impedir o processo), uma comunicação inadequada poderia fazer a máquina desandar.
Além disso, de acordo com alguns de seus assessores ouvidos pelo site Politico, Trump pode ter percebido as vantagens de falar menos, após um mandato em que ocupou todo o espaço sem descanso. “Ele, finalmente, entendeu que menos é mais”, explicou um deles.

“Isso deixará o país muito mais dividido”
David Schoen, defensor de Donald Trump

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ONU condena violência policial

 (crédito: AFP)
crédito: AFP

A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou, ontem, o uso da força para reprimir os protestos contra o golpe de Estado em Mianmar. Nos últimos dias, centenas de milhares de birmaneses foram às ruas para desafiar a junta militar que derrubou o governo, em um país com um longo passado de um rígido controle das Forças Armadas. Também o governo americano reagiu à violência contra os manifestantes e pediu respeito à liberdade de expressão.
“Condenamos de forma enérgica a violência. Todas as pessoas em Mianmar têm direito à liberdade de expressão, associação, reunião pacífica, inclusive com fins de protesto pacífico”, disse Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado. Washington renovou o apelo aos militares para que renunciem o poder e libertem o presidente deposto, Win Myint, a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, líder do LDN (o maior partido do país) e outras autoridades presas no golpe.
Segundo testemunhas, a polícia atirou balas de borracha e jatos d’água contra os manifestantes em Naipidau, a capital birmanesa, e em outras cidades. Os militares vêm intensificando sua repressão. Ontem, as forças de ordem usaram indiscriminadamente balas de borracha, gás lacrimogêneo e água pressurizada, deixando pelo menos duas pessoas gravemente feridas.
“Parem a ditadura militar”, gritava a multidão, segundo imagens transmitidas ao vivo na televisão. A maioria dos manifestantes usa vermelho, a cor do LDN, pedindo a libertação de Suu Kyi e realizando o agora emblemático aceno de mãos com três dedos para cima, em sinal de resistência, diante dos militares.
Esse tipo de protesto não era registrado em Mianmar desde a revolta popular de 2007, conhecida como “revolução do açafrão”, liderada por monges e que foi violentamente reprimida pelo exército.
A junta impôs restrições à liberdade de reunião e tentou um apagão da internet. “O uso de força desproporcional contra os manifestantes é inaceitável”, disse Ola Almgren, coordenador residente das Nações Unidas em Mianmar, em um comunicado.
Passados nove dias da derrubada do governo, o LDN acusou a junta militar de atacar e saquear sua sede. Desde 1º de fevereiro, mais de 150 pessoas — deputados, autoridades locais, ativistas — foram detidos, segundo a Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos com sede em Yangon.
Mianmar viveu quase 50 anos sob governo militar após sua independência em 1948. A ação do início do mês, que acabou com um breve intervalo democrático, ocorreu porque militares consideraram fraudulentas as eleições realizadas em novembro passado, das quais o LND saíram vitoriosos com expressiva folga.

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