Em uma votação que durou menos de 20 minutos, o Senado dos Estados Unidos absolveu, ontem à tarde, Donald Trump em seu segundo julgamento de impeachment, no qual era acusado de “incitação à insurreição” pelo violento ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro passado. Como já era esperado, os democratas fracassaram no esforço de convencer republicanos a respaldarem a denúncia contra o ex-presidente, que deixou o cargo há 25 dias. Para a condenação eram necessários 67 votos, mas o placar final marcou 10 a menos do que os dois terços necessários.
Com isso, o magnata republicano conseguiu preservar intacto os seus direitos políticos, mantendo acesa sua pretensão de tentar retornar à Casa Branca nas eleições presidenciais de 2024. Pouco depois do fim da sessão, por meio de um comunicado, Trump deixou evidente a determinação de prosseguir no cenário político norte-americano.
“Nosso movimento magnífico, histórico e patriótico, Make America great again (Faça a América grande novamente), acaba de começar. Nos próximos meses, tenho muito a compartilhar com vocês e estou ansioso para continuar nossa incrível jornada juntos pela grandeza dos Estados Unidos”, assinalou o ex-presidente, quebrando o longo silêncio que vigorou desde que o democrata Joe Biden assumiu a Presidência.
Depois de agradecer a todos os senadores “que orgulhosamente defenderam a Constituição”, Trump denunciou que o julgamento representou “uma nova fase da maior caça às bruxas da história”. “Nenhum presidente foi tratado assim”, enfatizou, repetindo uma frase que usava regularmente ao longo de seu mandato.
Em nenhum momento, o ex-presidente, que foi banido das redes sociais, mencionou os sete republicanos que se uniram aos 50 senadores democratas e votaram a favor de um veredito de culpado. Quarenta e três congressistas foram contra o impeachment. Seria necessária a adesão de mais 10 correligionários de Trump para a condenação.
Tempo recorde
O segundo julgamento do ex-presidente, algo inédito na política dos EUA, ocorreu num tempo recorde de cinco dias, contados desde que o Senado considerou que o processo era constitucional, mesmo tendo ele deixado o cargo. Contribuiu para a celeridade o fato de os parlamentares terem concordado em dispensar o depoimento de testemunhas.
Ontem à tarde, ainda houve um movimento para que a legisladora Jaime Herrera Beutler — que votou a favor do impeachment na Câmara — fosse ouvida. O pedido partiu do congressista democrata Jamie Raskin, que atuou como principal acusador de Trump. Herrera Beutler dissera, em comunicado, que o líder da minoria republicana na Câmara Baixa, Kevin McCarthy, havia relatado a ela que Trump expressou aprovação para a multidão que invadiu o Capitólio.
Com isso, a confusão reinou no Senado por duas horas até que houvesse um consenso para prescindir do depoimento. Um acordo permitiu que a declaração de Herrera Beutler fosse lida no plenário e incluída na ata. A partir daí, o segundo julgamento de Trump se desenrolou rapidamente, com o desfecho já desenhado. Se havia dúvida sobre a absolvição, ela foi dissipada ainda na manhã de ontem, após o vazamento de uma carta do líder da minoria republicana do Senado, Mitch McConnell, indicando que não haveria adesão formal da bancada republicana à acusação.
No entanto, após votar contra a condenação, o próprio McConnell admitiu no plenário que Trump era o responsável “moralmente e na prática” pelos incidentes de 6 de janeiro.
Antes da votação, acusação e defesa fizeram as últimas explanações. Legisladores democratas acusaram Trump de ter traído os Estados Unidos e de “abusar de seu poder ao se aliar aos insurgentes”. Raskin, líder da acusação, afirmou que estava provado que o republicano apoiou as ações da multidão. “No momento em que mais precisávamos de um presidente para nos proteger e nos defender, o presidente Trump nos traiu deliberadamente”, criticou, por sua vez, David Cicilline, que também participou da argumentação final.
A defesa classificou as acusações de absurdas. O advogado Michael Van der Veen, um dos representantes do ex-presidente, ressaltou que, independentemente do horror mostrado nas imagens dos distúrbios no Capitólio e da emoção imbuída nos argumentos, isso não mudava o fato de que o republicano era inocente. “Chegou a hora de acabar com esse teatro político inconstitucional”, concluiu.
Mancha
Apesar da absolvição, analistas e mesmo republicanos consideram que o novo processo de impeachment representou uma nódoa à reputação de Trump, que poderá, até mesmo, frustrar seu projeto político. O magnata se tornou o primeiro ex-presidente a sofrer dois processos políticos. Em fevereiro do ano passado, ele foi absolvido de uma acusação de abuso de poder, por ter feito gestões junto governo ucraniano para que investigasse negócios de Hunter Biden, filho do atual presidente norte-americano.
Causaram impacto os vídeos exibidos durante o julgamento, mostrando que Trump alimentou deliberadamente a tensão política após perder a reeleição para Biden em 3 de novembro com uma campanha de alegações infundadas denunciando fraudes eleitorais massivas.
A tomada do Capitólio, que deixou cinco mortos, ocorreu logo após uma grande manifestação organizada por Trump perto da Casa Branca, durante a qual ele pediu à multidão que marchasse para o Congresso, que se preparava para certificar a vitória de Joe Biden.
O advogado David Schoen, defensor de Trump, zombou do vídeo, chamando-o de “pacote de entretenimento”. Mas o líder democrata do impeachment enfatizou que o ex-presidente vinha encorajando o extremismo mesmo antes do dia das eleições, minando constantemente a confiança pública no processo eleitoral. “Essa insurreição pró-Trump não surgiu do nada. Vocês apostariam o futuro de sua democracia nisso?”, perguntou aos senadores.
A avaliação de analistas é que a absolvição certamente deixará muitos republicanos desconfortáveis de qualquer maneira. Embora tenha voltado a favor de Trump, senador republicano Bill Cassidy reconheceu que as imagens de vídeo eram poderosas.
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