Duas semanas após a votação em primeiro turno, os equatorianos descobriram quem seguirá na disputa pela Presidência do país. O economista Andrés Arauz, 36 anos, enfrentará o ex-banqueiro Guillermo Lasso, 65 anos, que superou o líder indígena Yaku Pérez em uma votação apertada. Alegações de fraude no pleito e o embate entre candidatos com perfis distintos — o herdeiro político do esquerdista Rafael Correa versus o ex-banqueiro que planeja pôr fim ao socialismo no país — devem agitar os próximos dias de campanha.
Arauz, herdeiro político do socialista que ficou no poder durante 10 anos, de 2007 a 2017, venceu com 32,72% dos votos, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Lasso e Pérez tiveram 19,74% e 19,39%, respectivamente. O líder alega que é vítima de uma fraude e afirmou que apresentará pedido de impugnação de “milhares de atas eleitorais”. Também ontem, Pérez deu início a uma marcha, composta por indígenas e outros apoiadores, que devem chegar, amanhã, a Quito para defender a sua permanência no pleito.
A Controladoria do Equador apura supostas irregularidades na votação e comunicou ao CNE que examinará seu sistema digital. A medida foi tomada “garantir a necessária transparência, segurança jurídica, legitimidade, uso adequado dos recursos públicos e contribuir para a geração de um ambiente de confiança”, informa nota do órgão. Segundo a carta assinada pelo controlador-geral, Pablo Celi, a medida foi motivada por “diversas reclamações de cidadãos”, e a apuração deverá ser concluída antes do segundo turno — a divulgação de um relatório está previsto para 20 dias.
Paralelamente, o Ministério Público ordenou a retirada da base de dados do servidor informático que se encontra nas instalações da CNE. A intenção é recolher informações sobre as pessoas que tiveram acesso ao sistema e corroborar a anotação dos resultados nas atas da província de Guayas, território em que o líder indigenista tinha a vantagem dos votos, mas amargou uma reviravolta ao longo da apuração.
Em nota, Lasso comemorou o resultado do pleito. “Hoje a democracia venceu, vamos com coragem e otimismo para esse segundo turno”, afirmou. Arauz indicou que respeita “as objeções de todos os atores políticos, desde que não alterem o calendário eleitoral” e exigiu que a data do segundo turno — previsto para 11 de abril — seja respeitada. “Não se deve mover (a data) e exigimos que todas as funções do Estado se pronunciem publicamente”, escreveu em sua conta do Twitter. A lei do país estabelece que, após a proclamação, haja uma fase de contestação dos resultados do pleito, do qual participaram 16 candidatos.
Alianças
O resultado da apuração, além do confronto entre a esquerda e a direita, é um embate entre o correísmo e o anticorreísmo. Para o cientista político Esteban Nichols, da Universidade Andina Simón Bolívar de Quito, Lasso, que concorre ao cargo pela terceira vez, “enfrenta sua eleição mais difícil e deve buscar alianças com antagonistas”. Terá, por exemplo, que buscar apoio do centrista Xavier Hervas, que ficou em quarto lugar, com 15,68% dos votos.
Segundo Nichols, também há a possibilidade de o ex-banqueiro contar com o apoio de Pérez, embora não seja uma tarefa fácil, considerando a atual postura do candidato indígena de não reconhecer o resultado do segundo turno. O especialista lembra, porém, que Lasso e Pérez são adversários um do outro, mas ambos do correísmo.
Os demais candidatos à Presidência — incluindo a oficial Ximena Peña, única mulher — conquistaram um apoio que chega a 2%. Nas eleições de 7 de fevereiro, também foram nomeados os 137 membros da Assembleia Nacional, sem que nenhum partido tivesse alcançado a maioria. Nessa configuração, o correísmo será a principal força, com cerca de 50 assentos.
Emblemáticos
Caçula de 11 irmãos de uma família de classe média, Lasso tornou-se um banqueiro de sucesso sem diploma universitário. Se derrotar Arauz, retornará o poder à direita após 32 anos. “Viraremos a página do socialismo no século 21 e entraremos em uma etapa de plena democracia, de liberdade”, diz o candidato conservador, que se define como “tolerante” e “democrático” e se orgulha de trabalhar desde os 15 anos de idade.
A vitória de Arauz também será emblemática: o economista de esquerda pode se tornar o presidente mais jovem do Equador em quatro décadas. Ele apresenta-se como um aluno aplicado e reconhece prontamente a reputação de seu mentor, o político mais influente do país neste século. A justiça impediu Correa de concorrer à vice-presidência, devido a uma pena de oito anos por corrupção, mas Arauz o tem como um conselheiro — talvez o principal de seu eventual governo. O vencedor sucederá Lenín Moreno, cujo mandato terminará em 24 de maio.
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Força política
Os indígenas representam 7% dos 17,4 milhões de habitantes do Equador e têm forte participação política no país. Em outubro de 2019, por exemplo, lideraram protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis, obrigando o governo a revogar a medida. Também participaram de revoltas populares que derrubaram três presidentes entre 1997 e 2005.