Um dos segredos mais cobiçados dos Estados Unidos está prestes a ser revelado — pelo menos parcialmente. A Suprema Corte dos Estados Unidos negou, ontem, o último pedido de Donald Trump para impedir que suas declarações de impostos sejam entregues ao promotor Cyrus Vance, de Nova York. A decisão encerra uma longa batalha judicial, iniciada antes mesmo de o republicano ter sido eleito presidente dos EUA, em 2016.
“Essa investigação é a continuação da maior caça às bruxas política na história do nosso país”, afirmou Trump, em um comunicado, valendo-se do mesmo termo usado na nota divulgada quando foi absolvido no segundo processo de impeachment, no último dia 13. “A Suprema Corte não deveria jamais ter permitido essa ‘expedição de pesca’ (de Vance)”, enfatizou.
A despeito de não haver mais recursos possíveis, Trump advertiu que não se deu por vencido. “Seguirei lutando, como venho fazendo nos últimos cinco anos, apesar de todos os crimes eleitorais que foram cometidos contra mim. Eu ganharei”, garantiu.
“O trabalho continua”, reagiu, por sua vez, Cyrus Vance, em uma breve nota divulgada após a publicação da decisão. A Suprema Corte não deu detalhes sobre a forma como os magistrados votaram.
Em julho do ano passado, o tribunal já havia considerado justificado o pedido do promotor de Nova York, um democrata que cobra do escritório de contabilidade de Trump, Mazars, os impostos do ex-presidente de 2011 a 2018. Porém, os advogados de Trump apelaram da decisão. Desta vez, a Mazars informou que obedecerá a decisão da Suprema Corte.
Ficou na promessa
Durante a campanha presidencial de 2016, Trump havia prometido publicar suas declarações fiscais, mas nunca o fez. Ele foi o primeiro presidente desde Richard Nixon que se recusou a liberar tais informações.
Como a investigação de Vance se baseia em decisão de um grande júri, cujas deliberações são secretas, não se sabe exatamente o que o promotor busca nos documentos. Inicialmente, a apuração se concentrou em pagamentos feitos à atriz pornográfica Stormy Daniels e outra suposta amante de Trump para comprar seus silêncios, em violação à lei de financiamento eleitoral dos Estados Unidos.
Recentemente, no entanto, a acusação deu a entender que a investigação poderia ser mais ampla e se estender ao “possível comportamento criminoso dentro da Trump Organization”, a empresa que reagrupa os negócios do ex-magnata do mercado imobiliário e não está listada na bolsa de valores.
Segundo a imprensa norte-americana, os investigadores questionaram recentemente os funcionários do Deutsche Bank, apoiadores financeiros de Trump e sua holding durante anos, bem como funcionários de sua seguradora, Aon.
Promotores também teriam entrevistado o ex-advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, que está em prisão domiciliar. Cohen disse ao Congresso que Trump e sua empresa inflaram ou reduziram artificialmente o valor de seus ativos para obter empréstimos bancários ou reduzir impostos.
Prisão
De acordo com especialistas, se as suspeitas forem confirmadas e Trump for indiciado, o caso pode culminar na prisão do ex-presidente. “Há 200 anos, um grande jurista de nosso tribunal estabeleceu que nenhum cidadão, nem mesmo o presidente, está categoricamente acima do dever comum de apresentar provas quando solicitadas em processos criminais”, disse o presidente da Suprema Corte, John Roberts, na decisão de julho passado.
Trump também tentou apelar em um tribunal federal de apelações no estado de Nova York, alegando que Vance está agindo “de má fé”, mas em agosto seus argumentos foram rejeitados.
Ao contrário dos crimes federais, os delitos estaduais não podem receber anistia presidencial, se o presidente Joe Biden quiser fazer isso para unificar o país.
Em setembro do ano passado, uma investigação do jornal New York Times, que obteve informações sobre duas décadas de impostos de Trump e de suas empresas revelou que o ex-presidente sofreu pesadas perdas, tem grandes dívidas e evitou pagar imposto de renda federal em 11 dos 18 anos examinados. Em 2016 e 2017, conforme o Times, ele pagou apenas US$ 750 (em torno de R$ 4,1 mil) em impostos.
Além de Vance, a procuradora democrata Letitia James, também do estado de Nova York, está investigando alegações de fraude bancária e de seguro em um processo civil. O ex-presidente, de 74 anos, enfrenta outros processos, a maioria deles na esfera civil.
Trump, que fixou residência na Flórida após o fim do mandato presidencial, também enfrenta uma investigação criminal por promotores na Geórgia sobre suas tentativas de subverter o resultado da eleição presidencial no estado, depois de ligar para um alto funcionário e lhe pedir para “encontrar” votos.
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Basta ao extremismo
Indicado pelo presidente Joe Biden para o cargo de procurador-geral, o juiz Merrick Garland disse, ontem, em uma audiência no Senado dos Estados Unidos, que a luta contra o extremismo interno será uma prioridade de sua gestão, em alusão à invasão ao Capitólio. Magistrado em um tribunal de apelações de Washington, ele afirmou que a ameaça do radicalismo de direita, hoje, é pior do que quando ele investigou o atentado a bomba em um prédio federal em Oklahoma, em 1995, que deixou 168 mortos.
Na audiência para se tornar secretário do Departamento de Justiça, Garland considerou o momento atual mais “perigoso”. Para ele, a tomada da sede do Congresso, em 6 de janeiro, por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, foi o “ataque mais flagrante ao processo democrático” que já testemunhou. Ele alertou ainda que não se trata, necessariamente, de um evento isolado.
“Posso garantir que essa será minha prioridade máxima”, disse o juiz, pouco mais de uma semana depois de Trump ser absolvido em um processo de impeachment, acusado de “incitar a insurreição” no episódio. Perguntado se investigaria os “líderes e cúmplices” do ataque, Garland afirmou, sem mencionar o ex-presidente: “Vamos seguir as pistas onde quer que nos levem.”
O magistrado, de tendências progressistas moderadas, jurou manter a política fora de seu departamento, após as constantes acusações de interferência durante o governo Trump.
Garland enfatizou ainda que é uma tarefa urgente garantir a igualdade de acesso à Justiça para as minorias, em uma aparente referência ao movimento antirracista Black Lives Matter. “A Lei dos Direitos Civis de 1957 criou a Divisão de Direitos Civis do departamento com a missão de defender os direitos civis e constitucionais de todos os americanos, em particular dos membros mais vulneráveis da sociedade”, observou.