IRÃ

Restrições a vistorias em usinas nucleares

Entra em vigor lei que limita inspeções da AIEA a áreas militares suspeitas, mas, inicialmente, funcionários das Nações Unidas poderão fazer verificações graças a um acordo válido por três meses. Reino Unido, França e Alemanha criticam "natureza perigosa" da iniciativa

Correio Braziliense
postado em 23/02/2021 21:57
 (crédito: Atta Kenare/AFP)
(crédito: Atta Kenare/AFP)

A despeito da pressão internacional, começou a valer, ontem, a lei iraniana que restringe as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) às atividades nucleares no país. Ao anunciar o início da vigência, o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohamad Javad Zarif, destacou, de qualquer forma, que a cooperação de Teerã com o órgão das Nações Unidas prosseguirá num primeiro momento. O Reino Unido, a França e a Alemanha, porém, lamentaram a iniciativa, oficialmente comunicada na semana passada.
Em nota, os três países europeus criticaram “a natureza perigosa” da entrada em vigor da lei iraniana. Teerã adotou as limitações depois que o prazo estipulado para a suspensão de todas as sanções americanas ao país expirou. “Solicitamos ao Irã parar e reverter todas as medidas que reduzem a transparência e que coopere plenamente com a AIEA”, assinalaram os chefes da diplomacia dos três países, cossignatários do acordo de 2015 com Rússia, China e Estados Unidos, que abandonaram o pacto em 2018.
O texto promulgado pelo Parlamento iraniano, em dezembro do ano passado, obriga a limitar certas inspeções da AIEA a instalações não nucleares, incluindo áreas militares suspeitas, caso fossem mantidas as sanções restabelecidas pela administração do então presidente dos EUA, Donald Trump, que se retirou unilateralmente do acordo.
Concluído em Viena, entre o Irã e o grupo 5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU), o pacto prevê o levantamento gradual das sanções em troca de uma garantia de que o Irã não adquirirá armas nucleares. Apesar de suas negativas, a República Islâmica é acusada de querer adquirir armas nucleares, principalmente por Israel.
Em resposta à atitude de Washing-ton, desde 2019 Teerã vem derrubando, progressivamente, várias contenções que havia concordado fazer em relação a seu programa nuclear em troca de uma flexibilização das medidas punitivas impostas.
Empossado há pouco mais de um mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu endossar novamente o acordo de Viena, mas com a condição de que Teerã volte a honrar os seus compromissos o quanto antes.

Controle reduzido

No domingo, o governo iraniano e a agência nuclear da ONU estabeleceram um acordo “temporário” para manter um controle reduzido das atividades nucleares, enquanto começam as negociações diplomáticas entre as partes integrantes do pacto internacional de 2015.
O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, afirmou que a agência da ONU continua “sendo capaz de manter o nível necessário de vigilância e constatação” após as conversas com funcionários iranianos. “O acesso será reduzido, não vamos nos enganar, mas seremos capazes de manter o nível necessário de vigilância e verificação”, disse Grossi, acrescentando: “Isso salva a situação imediata.”
Em contrapartida, o porta-voz de Teerã, Ali Rabii, elogiou o acordo “eficaz e tranquilizador” com Grossi. Segundo Rabii, o acerto evitaria “prejudicar as relações, a confiança mútua e a cooperação positiva entre Irã e AIEA”.
Ao abrigo desse “acordo técnico bilateral”, com duração de três meses, mas que pode ser suspenso a qualquer momento, o número de inspetores não muda e continuam a ser possíveis verificações sem aviso prévio. “O núcleo desse acordo é que as imagens gravadas por câmeras sobre nosso programa nuclear (...) serão mantidas e não serão disponibilizadas para a agência”, disse Zarif. Segundo a Organização de Energia Atômica do Irã, as imagens serão “retiradas” se as sanções não forem “totalmente levantadas em três meses”.
O aceno do Irã à comunidade internacional desagradou forças internas. O presidente do Parlamento, Mohammed Ghalibaf, criticou duramente o presidente Hassan Rouhani, que se vê numa encruzilhada a seis meses de deixar o cargo. “A Assembleia Consultiva Islâmica (Parlamento) está determinada a pôr fim ao Protocolo Adicional, limitar o acesso (às instalações nucleares iranianas) e observar todas as questões relevantes”, disse Ghalibaf, em nota.
Preocupação

Apesar do clima amistoso, a AIEA está “profundamente preocupada” com a possível presença de matéria nuclear secreta em um laboratório iraniano não declarado, de acordo com um relatório consultado, ontem, pela agência de notícias France-Presse (AFP). No documento, inspetores também observaram que o país tem estoques de urânio enriquecido 14 vezes acima do limite autorizado pelo acordo nuclear de 2015.
Na segunda-feira, em meio às negociações, o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, alertou que o país poderia enriquecer urânio até 60%. “O limite de enriquecimento do Irã não será de apenas 20%. Atuaremos de acordo com nossas necessidades (...)”, disse o aiatolá, a maior autoridade do país, em nota publicada em sua página oficial.

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Relatório vê mentira sobre acidente

A relatora especial das Nações Unidas para execuções extrajudiciais, Agnes Callamard, acusou, ontem, o Irã de mentir sobre a maneira como abateu um avião ucraniano perto de Teerã no ano passado, em um momento de alta tensão com os Estados Unidos. “O mais preocupante é que as explicações das autoridades iranianas sobre o erro ou erros cometidos não batem”, disse Agnes Callamard, ao apresentar os resultados de uma investigação sobre a tragédia.
O voo PS752, da Ukraine International Airlines, caiu logo após decolar de Teerã, a capital iraniana, em 8 de janeiro de 2020. Todas as 176 pessoas a bordo morreram, incluindo 55 canadenses. Três dias depois, a República Islâmica admitiu que suas forças haviam derrubado por engano o Boeing 737-800 com destino a Kiev, após lançar dois mísseis.
No entanto, segundo a funcionária da ONU, a explicação iraniana do ocorrido é cheia de contradições e incompatível com os fatos, conforme evidenciam os relatórios técnicos de vários especialistas”. “Por que o Irã está mentindo?”, questionou Agnes Callamard, frisando que Teerã não respondeu suas perguntas para a investigação.
A especialista assinalou que o Irã não explicou, por exemplo, como seus militares podem ter cometido um erro tão grave como abater um avião comercial com passageiros. Ela afirmou que é possível “matar por engano” e que a Justiça deve determinar se o erro foi cometido de boa fé, mas observou: “Minha conclusão é que, com base no direito internacional, o erro não é uma defesa para o Irã.”
As tensões entre o Irã e os Estados Unidos estavam escalando quando houve o acidente com o voo. ucraniano As defesas aéreas iranianas ficaram em alerta máximo para uma possível resposta de Washington, depois que Teerã lançou mísseis contra uma base militar no Iraque, usada pelas forças da potência norte-americana.
A ofensiva ocorreu em resposta ao assassinato do general iraniano Qasem Soleimani, que chefiava a divisão de operações estrangeiras da Guarda Islâmica Revolucionária, em um ataque com drones dos EUA perto do aeroporto internacional de Bagdá.

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