A despeito da pressão internacional, começou a valer, ontem, a lei iraniana que restringe as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) às atividades nucleares no país. Ao anunciar o início da vigência, o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohamad Javad Zarif, destacou, de qualquer forma, que a cooperação de Teerã com o órgão das Nações Unidas prosseguirá num primeiro momento. O Reino Unido, a França e a Alemanha, porém, lamentaram a iniciativa, oficialmente comunicada na semana passada.
Em nota, os três países europeus criticaram “a natureza perigosa” da entrada em vigor da lei iraniana. Teerã adotou as limitações depois que o prazo estipulado para a suspensão de todas as sanções americanas ao país expirou. “Solicitamos ao Irã parar e reverter todas as medidas que reduzem a transparência e que coopere plenamente com a AIEA”, assinalaram os chefes da diplomacia dos três países, cossignatários do acordo de 2015 com Rússia, China e Estados Unidos, que abandonaram o pacto em 2018.
O texto promulgado pelo Parlamento iraniano, em dezembro do ano passado, obriga a limitar certas inspeções da AIEA a instalações não nucleares, incluindo áreas militares suspeitas, caso fossem mantidas as sanções restabelecidas pela administração do então presidente dos EUA, Donald Trump, que se retirou unilateralmente do acordo.
Concluído em Viena, entre o Irã e o grupo 5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU), o pacto prevê o levantamento gradual das sanções em troca de uma garantia de que o Irã não adquirirá armas nucleares. Apesar de suas negativas, a República Islâmica é acusada de querer adquirir armas nucleares, principalmente por Israel.
Em resposta à atitude de Washing-ton, desde 2019 Teerã vem derrubando, progressivamente, várias contenções que havia concordado fazer em relação a seu programa nuclear em troca de uma flexibilização das medidas punitivas impostas.
Empossado há pouco mais de um mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu endossar novamente o acordo de Viena, mas com a condição de que Teerã volte a honrar os seus compromissos o quanto antes.
Controle reduzido
No domingo, o governo iraniano e a agência nuclear da ONU estabeleceram um acordo “temporário” para manter um controle reduzido das atividades nucleares, enquanto começam as negociações diplomáticas entre as partes integrantes do pacto internacional de 2015.
O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, afirmou que a agência da ONU continua “sendo capaz de manter o nível necessário de vigilância e constatação” após as conversas com funcionários iranianos. “O acesso será reduzido, não vamos nos enganar, mas seremos capazes de manter o nível necessário de vigilância e verificação”, disse Grossi, acrescentando: “Isso salva a situação imediata.”
Em contrapartida, o porta-voz de Teerã, Ali Rabii, elogiou o acordo “eficaz e tranquilizador” com Grossi. Segundo Rabii, o acerto evitaria “prejudicar as relações, a confiança mútua e a cooperação positiva entre Irã e AIEA”.
Ao abrigo desse “acordo técnico bilateral”, com duração de três meses, mas que pode ser suspenso a qualquer momento, o número de inspetores não muda e continuam a ser possíveis verificações sem aviso prévio. “O núcleo desse acordo é que as imagens gravadas por câmeras sobre nosso programa nuclear (...) serão mantidas e não serão disponibilizadas para a agência”, disse Zarif. Segundo a Organização de Energia Atômica do Irã, as imagens serão “retiradas” se as sanções não forem “totalmente levantadas em três meses”.
O aceno do Irã à comunidade internacional desagradou forças internas. O presidente do Parlamento, Mohammed Ghalibaf, criticou duramente o presidente Hassan Rouhani, que se vê numa encruzilhada a seis meses de deixar o cargo. “A Assembleia Consultiva Islâmica (Parlamento) está determinada a pôr fim ao Protocolo Adicional, limitar o acesso (às instalações nucleares iranianas) e observar todas as questões relevantes”, disse Ghalibaf, em nota.
Preocupação
Apesar do clima amistoso, a AIEA está “profundamente preocupada” com a possível presença de matéria nuclear secreta em um laboratório iraniano não declarado, de acordo com um relatório consultado, ontem, pela agência de notícias France-Presse (AFP). No documento, inspetores também observaram que o país tem estoques de urânio enriquecido 14 vezes acima do limite autorizado pelo acordo nuclear de 2015.
Na segunda-feira, em meio às negociações, o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, alertou que o país poderia enriquecer urânio até 60%. “O limite de enriquecimento do Irã não será de apenas 20%. Atuaremos de acordo com nossas necessidades (...)”, disse o aiatolá, a maior autoridade do país, em nota publicada em sua página oficial.