ORIENTE MÉDIO

Papa vai ao Iraque em meio a ataques

No mesmo dia em que foguetes foram lançados contra base militar dos EUA, Francisco confirma viagem inédita, amanhã, de um líder da Igreja Católica ao país. O pontífice vai se reunir com a minoria cristã e com a maior autoridade do islamismo xiita

Correio Braziliense
postado em 03/03/2021 19:59
 (crédito: Saban Arar/AFP)
(crédito: Saban Arar/AFP)

A despeito do recrudescimento da violência no Iraque, o Vaticano confirmou, ontem, a visita de três dias que o papa Francisco fará ao país, a partir de amanhã. Será uma visita histórica — é a primeira vez que um líder da Igreja Católica estará no território iraquiano para confortar a minoria cristã dizimada pelos conflitos e as dificuldades da vida e estender a mão ao islamismo xiita, em um gesto considerado espetacular.
Também será uma visita extremamente delicada, repleta de cuidados, especialmente pelo momento em que ocorre. Ontem, 48 horas antes do desembarque do pontifice, houve um novo ataque contra uma base militar que abriga tropas americanas no oeste do país. Ao menos 10 foguetes atingiram o local, causando a morte de um empreiteiro americano por ataque cardíaco.
Os Estados Unidos, que têm cerca de 2,5 mil soldados posicionados no Iraque como parte da luta anti-jihadista, frequentemente acusam as facções armadas pró-Irã iraquianas de tais ofensivas. O ataque de ontem, o mais recente de vários do mesmo tipo cometidos nas últimas semanas, não foi reivindicado.
A situação mostra a dificuldade logística de organização da visita de Francisco, mas não altera os planos “Depois de amanhã (sexta-feira), se Deus quiser, irei ao Iraque para uma peregrinação de três dias. Há muito tempo que quero encontrar com estas pessoas que sofreram tanto”, confirmou o papa Francisco, 84 anos, durante a audiência semanal.

Promessa

Com a viagem, a primeira que o papa argentino fará desde o início da pandemia da covid-19, Francisco deseja cumprir a promessa feita pelo polonês João Paulo II, que teve que desistir em 1999 de uma visita ao Iraque depois de negociações infrutíferas com Saddam Hussein. É uma visita extremamente aguardada por uma minoria cristã diversa, mas minimizada, em meio a uma população de 40 milhões de iraquianos exaustos após 40 anos de guerras e crises econômicas.
“Peço a vocês que acompanhem essa viagem com suas orações (...). O povo iraquiano está nos esperando. Não se pode decepcionar pela segunda vez esse povo”, assinalou o chefe da Igreja Católica. Na véspera, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, explicou que Francisco se deslocará em um veículo blindado durante sua visita ao Iraque, que será encerrada na segunda-feira. “A segurança é sempre responsabilidade do país que o hospeda”, disse Bruni.
Além disso, o papa não se encontrará com multidões. Praticamente nenhum evento do papa nos três dias de visita reunirá mais de 100 pessoas. A única exceção será uma missa em um estádio de Erbil, no Curdistão iraquiano, onde serão disponibilizadas aos fiéis 10 mil entradas ao local, que tem capacidade para o triplo.
“A melhor forma de interpretar esta viagem é que é um ato de amor”, disse Bruni, ao reiterar que o pontífice deseja que “as pessoas vejam que o papa está ali e está perto delas”.

Agenda ambiciosa

Em três dias, o papa viajará cerca de 1.650km, principalmente de avião. Ao longo de seu trajeto, foram expostas mensagens de boas-vindas e apelos de coexistência. As estradas receberam pavimentação, postos de segurança foram instalados e houve obras de renovação em locais que até agora nunca tinham estado nos programas oficiais de visita.
A agenda é tão ambiciosa quanto a viagem é histórica: até segunda-feira, o pontífice visitará uma catedral que foi palco da tomada de reféns, em 2010,em Bagdá; cidade de Ur, no deserto do sul do Iraque; Najaf e igrejas destruídas pelo grupo terrorista Estado Islâmico (EI) em Mossul (norte).
No berço do Cristianismo, que as guerras deixaram em sangue e que ainda é marcado pela violência dos extremistas do EI, Francisco se encontrará com a mais alta autoridade religiosa de uma parte do mundo xiita, o grande aiatolá Ali Sistani, em Najaf, ao sul de Bagdá.
“A mensagem do papa é dizer que a Igreja (Católica) está do lado daqueles que sofrem”, disse o arcebispo caldeu católico de Mossul e Aqra, Najeeb Michaeel, ouvido pela agência de notícias France-Presse (AFP). “O papa enviará uma mensagem forte mesmo aqui, onde crimes contra a humanidade e genocídio foram perpetrados”, acrescentou o prelado, que teve que fugir dos jihadistas em Mossul.

“O povo iraquiano está nos esperando. Não se pode decepcionar pela segunda vez esse povo”

Papa Francisco

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Crimes de guerra

Numa iniciativa fortemente criticada pelo governo de Benjamin Netanyahu, a procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, anunciou, ontem, a abertura de uma investigação ampla sobre supostos crimes de guerra nos territórios palestinos. Em comunicado, ela ressalta que há “motivos razoáveis” para acreditar que membros das forças israelenses, do Hamas e de grupos armados palestinos cometeram delitos durante a guerra de Gaza em 2014.

Ao contrário da Palestina, Israel não aderiu ao TPI e se opõe totalmente à abertura de qualquer investigação judicial sobre o episódio. Para Netanyahu a decisão reflete “a própria essência do antissemitismo e da hipocrisia”. “Defenderemos cada soldado, cada oficial, cada civil, e prometo a vocês que lutaremos pela verdade até que essa decisão escandalosa seja anulada”, declarou, em um discurso televisionado.

Os Estados Unidos se manifestaram contra a investigação. “Nos opomos firmemente e estamos decepcionados com o anúncio da procuradora do TPI”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price. Em fevereiro, quando essa possibilidade foi praticamente dada como certa, Washington foi contrário a que Israel fosse investigado por não ser membro da corte.

A Autoridade Palestina, por sua vez, acolheu a decisão do TPI, e seu Ministério das Relações Exteriores destacou, em nota, que a investigação é “necessária e urgente”. A chancelaria palestina pediu ainda que o assunto não seja poliltizado, comprometendo-se a fornecer “toda a assistência” necessária ao TPI.

Em seu anúncio, Fatou Bensouda declarou que a investigação será conduzida “com total independência e objetividade, sem medo e sem tomar partido” de quem quer que seja. Esse será o primeiro grande teste para o novo procurador-chefe do TPI, Karim Khan, advogado britânico nomeado em fevereiro para substituir Bensouda, que deixará o cargo em junho.

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