A americana Hayley Arceneaux tinha 10 anos de idade quando foi diagnosticada com osteossarcoma, um tipo de câncer ósseo. Depois de um longo tratamento, que incluiu quimioterapia e cirurgia, ela não apenas se curou da doença, mas também descobriu sua vocação: ajudar outras crianças na mesma situação.
Hoje, aos 29 anos, Arceneaux trabalha como assistente médica e trata de crianças com leucemia e linfoma no Hospital St. Jude Children's Research, em Memphis, no Tennessee, o mesmo onde ficou internada na infância.
Com sua história de superação, Arceneaux foi escolhida para representar o hospital em uma missão espacial prevista para o último trimestre deste ano, a primeira em que nenhum dos tripulantes será um astronauta profissional. Ela se tornará a americana mais jovem a viajar ao espaço.
A surpresa ao ter sido a eleita para a vaga, que era reservada a um profissional de saúde que representasse esperança, foi acompanhada por empolgação com o desafio.
"Eu ri e disse 'O que? Você está falando sério?'", conta. "E respondi 'Sim, sim, obrigada. Por favor me mande para o espaço'."
Arceneaux e outros três tripulantes deverão decolar do Complexo 39 de lançamento do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, a bordo do foguete Falcon 9, da SpaceX, empresa de Elon Musk. Eles irão orbitar a Terra durante três dias na cápsula Dragon antes de reentrar na atmosfera terrestre e pousar na costa dos EUA.
Tripulação
A missão será comandada pelo bilionário Jared Isaacman, de 38 anos, que é fundador e executivo-chefe da empresa de tecnologia para processamento de pagamento integrado Shift4 Payments. Ele também é um piloto experiente, com voos tanto de aeronaves comerciais quanto militares.
Isaacman comprou os quatro lugares a bordo da missão, batizada de Inspiration4 (Inspiração4) e que, segundo ele, será baseada em quatro pilares: liderança, esperança, generosidade e prosperidade. Ele vai ocupar uma das vagas e oferecer as outras três gratuitamente.
"A Inspiration4 é a realização de um sonho de uma vida inteira e um passo em direção a um futuro no qual qualquer um poderá se aventurar e explorar as estrelas", diz Isaacman.
A vaga para a qual Arceneaux foi indicada, que simboliza esperança, era reservada a um profissional médico escolhido pelo St. Jude. Isaacman destinou uma segunda vaga ao St. Jude, que será preenchida pelo vencedor de um sorteio em uma campanha de arrecadação de fundos para o hospital.
O empresário espera arrecadar US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,15 bilhão) para o hospital, que é reconhecido pela pesquisa em câncer infantil e oferece tratamento, deslocamento, acomodação e alimentação sem custos a famílias que não têm como pagar. O próprio Isaacman se comprometeu a doar US$ 100 milhões (cerca de R$ 576 milhões).
A quarta vaga será preenchida pelo vencedor de uma competição entre empreendedores que utilizam a nova plataforma de comércio eletrônico Shift4Shop, que faz parte da empresa de Isaacman. A seleção será feita por um painel de jurados independentes.
Diagnóstico e tratamento
Arceneaux acredita que sua experiência como sobrevivente de câncer vai ajudá-la a se preparar para os desafios da missão.
"(A doença) me ensinou a esperar o inesperado e seguir em frente. Também acho que ter tido câncer me deixou mais resistente", afirma.
Ela conta que, aos 10 anos de idade, treinava para receber a faixa preta em taekwondo quando um de seus joelhos começou a doer. O médico da escola disse que podia se tratar de uma torção.
Mas, meses mais tarde, quando a menina estava mancando, sua mãe, Colleen, suspeitou que o problema era mais grave. Colleen conta que entrou em pânico quando viu um tumor "do tamanho de um ovo" acima da parte interna do joelho da filha.
Exames revelaram que se tratava de osteossarcoma. Arceneaux teve de ser internada e iniciar tratamento com quimioterapia.
A cirurgia para retirar o tumor também removeu grande parte do fêmur, e a menina recebeu implante de hastes metálicas na perna. Com isso, Arceneaux será também a primeira pessoa com uma prótese a viajar ao espaço.
Ela passou por meses de fisioterapia até conseguir voltar a caminhar por conta própria. Ainda durante a internação, transformou-se em uma espécie de embaixadora do St. Jude, compartilhando sua história com outros pacientes infantis e divulgando o trabalho de pesquisa do hospital.
Depois de ter alta, Arceneaux voltou diversas vezes ao St. Jude, inicialmente como paciente, para consultas de acompanhamento e, em 2013, como estagiária do programa de Educação em Oncologia Pediátrica. Ela se formou em 2016 e passou a trabalhar como assistente médica.
"Acho que saber que eu também sou uma sobrevivente ajuda as famílias (de crianças com câncer)", afirma.
Preparação
Arceneaux adora viajar. Ela já percorreu vários países e tinha como objetivo conhecer todos os continentes antes de completar 30 anos.
Mas a jovem que na infância havia visitado a Nasa com a família e sonhado em viajar ao espaço achava que, diante do histórico de câncer e do fato de ter uma prótese na perna, jamais seria astronauta.
As exigências médicas para os astronautas da Nasa, a agência espacial americana, são rígidas e impossibilitariam que Arceneaux viajasse ao espaço. Mas as missões espaciais civis, patrocinadas por indivíduos privados, abriram essa possibilidade para pessoas como ela.
Os participantes desse tipo de missão costumam pagar caro. Quando decidiu doar três dos quatro lugares na missão, Isaacman disse que queria que não apenas bilionários tivessem a oportunidade de participar.
O empresário diz que Arceneaux "é tudo o que nós queremos que nossa equipe represente".
"Ela tem interesse no mundo ao seu redor, é dedicada a cuidar dos outros e tem esperança de um futuro melhor para todos nós", afirma.
"Ela já me inspira, e estou certo de que vai inspirar muitos outros à medida que passarão a conhecê-la no curso de nossa missão."
Arceneaux já visitou o complexo da SpaceX em Hawthorne, na Califórnia, onde conheceu as instalações e teve suas medidas tiradas para o traje espacial. Os tripulantes passarão por um treinamento que inclui simulações da missão e exercícios para lidar com situações de emergência e gravidade zero.
Arceneaux espera que sua participação nessa missão histórica possa servir de inspiração para as crianças que lutam contra o câncer.
"Eles poderão ver uma sobrevivente de câncer no espaço, alguém como eles", afirma. "Espero que possam ver que tudo é possível."
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