Conexão diplomática

DestaqueParceiros externos assistem atônitos à movimentação dos mais diversos atores no vácuo deixado pela diplomacia de governo

por Silvio Queiroz
postado em 05/03/2021 19:56 / atualizado em 05/03/2021 19:56

Não bastam os governadores

Os reveses do país na corrida por vacinas e insumos têm desdobramento inevitável no ritmo da imunização, dolorosamente lento e inconstante no momento em que a pandemia atinge novo pico. Além das desigualdades estruturais e de outras mazelas da sociedade, o conjunto da obra desnuda a ausência de estratégia na esfera federal. E, como vem ocorrendo nesses já 12 meses de assédio da covid, os parceiros externos do Brasil assistem, algo atônitos, à movimentação dos mais variados atores políticos — e outros — no vácuo deixado pela diplomacia de governo.
Desde o início, coube aos governos de estado tomar a dianteira das medidas sanitárias, diante da renitência das autoridades federais até a reconhecer a gravidade da crise. Logo adiante, foram também os governadores que inciaram movimentos para garantir a aquisição de vacinas. Até mesmo o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) chegou a fazer as vezes da diplomacia, tratando de contornar os mal-estares cultivados com a China — fornecedora de imunizantes e insumos — pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo.
Na semana que se encerra, o fórum estabelecido pelos governadores para coordenar esforços contra a pandemia jogou a toalha. Em carta aberta, cobrou do governo federal que assuma seu papel e entre em campo para negociar na frente externa o abastecimento necessário para que a vacinação finalmente deslanche no país.
No mesmo dia, o presidente, falando a correligionários, mencionou “idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, (dizendo) ‘vai comprar vacina’”.

Agora ou nunca

Na avaliação de quem acompanha de fora o drama brasileiro, declarações como a do diretor-geral da OMS podem ser uma janela de oportunidade. Ontem, Tedros Adhanom qualificou como “muito preocupante” a situação do Brasil. Diplomatas familiarizados com o país acreditam que a urgência de estancar aquele que é hoje foco principal e “criadouro” de variantes do coronavírus pode favorecer a posição do país na fila da vacina.
Um ingrediente, porém, é considerado indispensável: que o Planalto e o Itamaraty demonstrem interesse e tomem a frente.

Barrados no baile

A alguns dias de se completar um ano desde que a OMS proclamou oficialmente a pandemia da covid, o Brasil divide com a África do Sul a segunda posição no ranking dos países mais “indesejados” no tráfego aéreo internacional. Segundo levantamento da Iata, entre 150 países analisados, 17 proíbem a chegada de voos com origem em cidades brasileiras ou sul-africanas, ou vetam o desembarque de passageiros que tenham estado entre nós.
O líder da rejeição é o Reino Unido, barrado em 25 países. Os três “patinhos feios” viveram picos de contaminação em período recente e foram plataforma para novas — e mais perigosas — cepas do coronavírus.

Pé na estrada

A sequência de recordes quebrados nos números diários e médias de mortes e casos registrados de covid no Brasil coincide com a viagem do chanceler a Israel, o país que lidera o ranking da vacinação, no quesito da porcentagem da população coberta. Ernesto Araújo embarca hoje para acertar a participação em testes com um spray nasal para tratamento precoce da doença.
Agro é popO titular do Itamaraty deve conviver neste ano com marcação mais cerrada por parte do Congresso. Ao menos no Senado, que passa a ter Katia Abreu (PP-TO) como presidente da Comissão de Relações Exteriores. Embora o partido se alinhe com o governo Bolsonaro, a senadora tem criticado duramente a política externa — chegou a classificar como “contrária aos produtores”.
Ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e ministra da pasta no governo Dilma, ela questiona a hostilidade à China, cliente preferencial do agronegócio. Também faz cara feia para a aproximação com Israel em detrimento do mundo árabe, responsável por uma fatia respeitável das receitas com a exportação de frango.

Na sandália

Entre preocupações com a pandemia e com a violência incessante, o papa Francisco desembarcou em Bagdá para a primeira visita de um pontífice ao Iraque. Nos dias que antecederam a viagem, sucederam-se ataques a alvos relacionados com os EUA, inclusive a embaixada americana. A escalada é vista como revide ao bombardeio inaugural da Presidência de Joe Biden, que teve como alvo milícias pró-iranianas na fronteira entre Iraque e Síria.
Embora aconselhado pela cúpula do Vaticano a adiar a visita, Francisco optou mais uma vez por encarnar o papa russo do romance As sandálias do pescador, do australiano Morris West. Nas trama da ficção, escrita nos anos críticos da Guerra Fria, o religioso elevado a cardeal quando ainda preso político na União Soviética aceita, nos primeiros dias de pontificado, interceder em uma crise para evitar a confrontação bélica entre Washington e Moscou.

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