Primeiro líder da Igreja Católica a visitar o Iraque, o papa Francisco desembarcou ontem em Bagdá protegido por um forte esquema de segurança, mas se apresentando imediatamente como um peregrino em busca de paz. Que calem as armas”, pediu o pontífice na saudação à minoria cristã que permaneceu no país, dizimado por guerras e perseguições.
“Chega de violência, de extremismos, de facções, de intolerâncias”, enfatizou o papa argentino. Pediu ainda um basta à corrupção, que levou centenas de milhares de iraquianos a protestarem no fim de 2019, bem como o fim da repressão a seus jovens que pedem mudanças.
“É preciso construir a justiça”, destacou Francisco, em uma das declarações dadas ao longo do primeiro dos três dias da visita inédita. Os desabafos do papa, em todos os momentos, ocorreram diante das principais autoridades do país, entre eles o presidente Barham Saleh, que lhe enviou o convite oficial para a viagem sem precedentes, e o primeiro-ministro Mustafa al-Khadimi.
Ao discursar no palácio presidencial, localizado na superprotegida Zona Verde de Bagdá, o papa Francisco condenou os interesses estrangeiros que desestabilizaram o país e toda a região. “O Iraque sofreu os efeitos desastrosos das guerras, o flagelo do terrorismo e os conflitos sectários muitas vezes baseados em um fundamentalismo incapaz de aceitar a coexistência pacífica de diferentes grupos étnicos e religiosos”, criticou.
Inclusão
Na etapa política da viagem, também clamou que nenhum iraquiano seja considerado “um cidadão de segunda classe”, sobretudo os cristãos — 1% da população do país, majoritariamente muçulmano — e os yazidis, minoria perseguida pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI) que vendeu milhares de suas mulheres em “mercados de escravos”.
O pontífice não deixou de denunciar “uma barbárie insensata e desumana” promovida no Iraque, a antiga Mesopotâmia. “O berço da civilização”, exaltou. E destacou “a muito antiga presença de cristãos nessa terra”, onde, segundo a tradição, nasceu Abraão. Francisco defendeu a participação da minoria cristã na vida pública, como “cidadãos que desfrutam plenamente de direitos, liberdade e responsabilidade”.
No fim do dia, o papa iniciou a ambiciosa e intensa agenda espiritual da viagem, com uma oração na catedral católica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no centro de Bagdá. Em 2010, a igreja foi palco da tomada de reféns mais mortal contra os cristãos no Iraque (53 mortos).
Diante de um grupo reduzido de pessoas, ele lembrou os “irmãos e irmãs que morreram no atentado terrorista (...) e cuja beatificação está em processo” e agradeceu ao clero iraquiano pela sua presença e proximidade com os cristãos.
Para cumprir toda a programação, com passagens pelas cidades de Najaf, Ur, Erbil, Mossul e Qaraqosh, Francisco percorrerá mais de 1,4 mil quilômetros em três dias. Em cada etapa, por causa da pandemia e da violência, verá apenas algumas centenas de fiéis, com exceção da missa de domingo em um estado do Curdistão, que contará com a presença de milhares de fiéis.
Um dos momentos mais aguardados acontece hoje, em Najaf. Pela primeira vez na história, o papa será recebido na cidade sagrada pelo grande aiatolá Ali Sistani, um homem de saúde frágil de 90 anos que nunca foi visto em público. O papa também participará em Ur, terra natal de Abraão, pilar das três religiões monoteístas, em uma oração com representantes xiitas, sunitas, yazidis e sabeus.
Além da escalada de violência, com vários ataques a alvos americanos registrados nos últimos dias, Francisco enfrenta a pandemia da covid para realizar a viagem. Por isso, estará praticamente o tempo todo de máscara, com apertos de mãos reduzidos. Bagdá garantiu que adotou todas as medidas de segurança terrestres e aéreas”.
» Via crucis estilizada
Ao desembarcar em Bagdá, o papa Francisco foi presenteado com a cópia estilizada de uma das estações da via crucis, inspirada na obra incrustada nas paredes de uma igreja em Bagdá. A pequena placa de bronze, feita sob encomenda para a ocasião, foi entregue pelo presidente iraquiano, Barham Saleh. Yaser Hikmat, filho do escultor iraquiano Mohammed Ghani Hikmat (falecido em 2011), autor da peça original, supervisionou pessoalmente a partir de Beirute o processo da reprodução. “Meu pai era um artista muçulmano que contou a paixão de Cristo na escultura, que representa o fato de que não há discriminação entre os diferentes componentes do Iraque”, ressaltou.
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