Um dia, a polícia bateu à porta da casa de Sarah* no País de Gales e prendeu o homem com quem ela era casada havia 25 anos por possuir imagens pornográficas de crianças.
"Eu não tinha ideia do que ele estava fazendo até a polícia entrar a nossa casa numa certa manhã enquanto eu me arrumava para ir trabalhar."
O marido dela, que seria preso por cinco anos, ficava repetindo para ela "eu não sou pedófilo".
Ele foi levado para interrogatório, e todos os equipamentos eletrônicos da casa foram confiscados pelos investigadores.
Um pouco mais tarde naquele mesmo dia, Sarah pode falar com seu marido a sós na delegacia, e naquele momento ele confessou que consumia pornografia havia 10 anos, incluindo material ilegal nos últimos dois anos.
"Fiquei completamente em choque e sem palavras", conta ela à BBC. "Quando eu descobri o que meu marido fez, isso acabou nosso casamento na hora. Muitas mulheres optam por continuar com seus parceiros, mas eu sabia que nosso casamento nunca mais poderia ser o mesmo."
Ela iniciou o processo de divórcio também por sentir que nunca mais poderia confiar nele. Sarah também se viu em uma situação complexa em sua carreira enquanto professora, e ainda precisou informar suas filhas que já estavam na universidade.
"Foi horrível ter que contar para elas, ainda mais por telefone, porque estudavam longe de casa", conta. "Eu tinha medo de que, se não agisse rápido, elas poderia descobrir sobre isso pelas redes sociais. A polícia havia chegado em carros e o computador que meu marido usava no trabalho também foi levado, então não sabia quanto as pessoas sabiam sobre isso."
Com o tempo, ambas as filhas conseguiram reconstruir o relacionamento com o pai, mas Sarah, que se casou novamente tempos depois, disse que o ex-marido vive "deprimido" e em situação precária.
Para ela, que diz ter compartilhado sua história a fim de jogar luz sobre o tema, é importante que as pessoas sejam capazes de reconhecer os sinais de uma situação como essa.
Seu marido tinha uma longa história de depressão e baixa autoestima, ele sofria no trabalho e tinha medo constante de ser forçado a deixar o emprego.
Sarah tinha uma certa suspeita de que algo não estava certo e, algumas semanas antes de sua prisão, ligou para o superior dele a fim de expressar suas preocupações.
Ela pensava, de modo equivocado, que suas noites no computador e suas dificuldades para dormir eram porque o então marido estava lendo sobre assuntos de seu interesse, como esportes.
"Eu gostaria de ter sido menos ingênua e mais desconfiada. As crianças abusadas são as verdadeiras vítimas desses crimes."
É possível identificar sinais em casa?
Donald Findlater é diretor da organização sem fins lucrativos Stop it Now! (Pare isso agora, em tradução livre), que criou um serviço por telefone dedicado a prevenir abuso sexual infantil ao apoiar adultos preocupados com seus próprios comportamentos ou pensamentos sexuais ou de pessoas próximas.
Findlater recomenda que qualquer adulto que suspeite que alguém próximo esteja ligado a pornografia infantil procure ajuda. No último ano, a entidade registrou um aumento de 50% na procura por esse serviço.
"Por causa da pandemia, com as pessoas vivendo e trabalhando mais próximas dentro de casa, houve um aumento na procura pelo nosso serviço. As pessoas estão mais atentas a esse problema."
Além disso, segundo Findlater, a pandemia agravou sentimentos de isolamento, estresse e incerteza, o que pode levar a um aumento do consumo de pornografia e ao cometimento de crimes dessa natureza. De todo modo, ele afirma que é difícil identificar sinais, mas eles podem passar por mudanças no comportamento do uso de equipamentos eletrônicos, incluindo se tornar mais reservado sobre o acesso de terceiros ao seu celular ou a navegação em horários inabituais.
No Brasil, a entidade SaferNet oferece um serviço de orientação de forma anônima e sigilosa, em que profissionais especializados orientam sobre formas de prevenção, de denúncia e de atendimento por instituições de saúde e/ou socioassistenciais. O serviço por chat ou email trata de violações de direitos humanos na internet como um todo, incluindo pornografia infantil, cyberbullying e compartilhamento de fotos íntimas sem autorização.
O governo federal brasileiro lançou uma cartilha em 2020 com informações para pais e responsáveis sobre como identificar riscos de abuso sexual, exploração infantil e pedofilia.
Simon Bailey, líder do Conselho Nacional de Chefes de Polícia para a proteção da criança do Reino Unido, afirma: "Qualquer pessoa que esteja tendo pensamentos inadequados sobre crianças, ou qualquer pessoa que acredite que um membro da família possa ter, deve procurar a ajuda de serviços como o Stop It Now!, caso contrário, eles devem esperar um visita de policiais."
*O nome da entrevistada foi modificado para preservar sua identidade
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