Em decisão rechaçada pela Igreja e pelos conservadores, o Parlamento espanhol aprovou em definitivo, ontem, uma lei que autoriza a eutanásia e o suicídio assistido, permitindo que pacientes incuráveis recebam ajuda para morrer. Apresentada pelo governo do socialista Pedro Sánchez, a permissão entrará em vigor em três meses. Porém uma batalha judicial já está anunciada: o partido Vox anunciou que vai protocolar uma contestação no Tribunal Constitucional.
Com a aprovação do projeto no Congresso, a Espanha se tornará o quarto país europeu a permitir a morte assistida, depois de Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Na eutanásia, profissionais da saúde administram a substância letal nos doentes, enquanto no suicídio o próprio paciente se encarrega de tomar a dose prescrita.
O texto teve o respaldo de 202 parlamentares de partidos de esquerda, de centro e regionalistas, duas abstenções e 141 votos contra, principalmente da direita e da extrema direita. Logo após a proclamação do resultado, aplausos ressoaram na Câmara Baixa por vários minutos.
“Hoje, somos um país mais humano, mais justo e mais livre. Obrigado a todas as pessoas que lutaram incansavelmente para que o direito de morrer dignamente fosse reconhecido na Espanha”, tuitou o presidente do governo, o socialista Pedro Sánchez. “É um dia importante para aquelas pessoas que estão em uma situação de doença grave e também para suas famílias”, celebrou, por sua vez, a ministra da Saúde, a socialista Carolina Darias.
Os conservadores lamentaram. “Forçar a eutanásia nas pessoas mais vulneráveis (...) é um vergonhoso ato de abandono social que esconde a negação para uma melhor assistência social e sanitária”, reagiu José Ignacio Echániz, deputado do Partido Popular (PP, direita).
Critérios
A nova lei prevê que seja dada a oportunidade para qualquer pessoa com “doença grave e incurável” ou “crônica e incapacitante” solicitar ajuda para morrer, evitando assim “sofrimentos intoleráveis”. Entretanto, são impostas condições estritas para o pedido.
Necessariamente, a pessoa terá que ter nacionalidade espanhola ou ser residente legal. Ao fazer o pedido, a pessoa terá que comprovar ser capaz e estar consciente. O requerimento deve ser apresentado por escrito “sem pressão externa” e repetido 15 dias depois.
Fazer a solicitação não será garantia de atendimento. O médico poderá rejeitar o pedido, se considerar que os requisitos não são cumpridos. Além disso, a demanda deverá ser aprovada por um segundo profissional e receber sinal verde de uma Comissão de Avaliação.
Qualquer profissional da saúde poderá alegar “objeção de consciência” para se recusar a participar do procedimento, pago pela rede pública de saúde. Essa regulamentação foi recebida com entusiasmo por organizações que defendem o direito de morrer com dignidade e que travam um combate de décadas para assegurar esse benefício.
O caso mais emblemático foi o de Ramón Sampedro, um galego tetraplégico que passou 29 anos reivindicando o direito ao suicídio assistido. Sua história foi narrada no filme Mar adentro, dirigido por Alejandro Amenábar e estrelado por Javier Bardem. O longa ganhou um Oscar em 2005.
“É vitória para pessoas que podem se beneficiar e também para Ramón”, afirmou Ramona Maneiro, a amiga que ajudou na morte de Sampedro, ouvida pela agência de notícias France-Presse. Ela foi detida, mas não foi levada a julgamento por falta de provas.
Outros casos tiveram forte impacto na Espanha nas últimas décadas, como o de Luis Montes, anestesista acusado de provocar a morte de 73 pacientes em estado terminal em um hospital de Madri e que foi dispensado por um tribunal em 2007. Mais recentemente, em 2019, Ángel Hernández foi preso e aguarda julgamento por ajudar sua esposa a morrer. Ela vivia imobilizada por esclerose múltipla.
As pessoas que sofrem “são forçadas a tomar a solução mais rápida, que é a morte”, contrapôs-se Polonia Castellanos, da associação Advogados Cristãos, em um protesto antieutanásia, erguendo um cartaz que criticava o “Governo da Morte”.
A medida é rejeitada pela Igreja Católica, e sua aplicação levanta questões em alguns setores médicos. “(A eutanásia) É sempre uma forma de homicídio, pois implica que um homem mata outro”, afirmou a Conferência Episcopal Espanhola (CEE) em campanha nas redes sociais. “Um médico não quer que ninguém morra. É o DNA do médico”, disse a vice-presidente da Organização Médica Colegiada, Manuela García Romero, ao expressar dúvidas sobre a implementação da lei.
“Hoje, somos um país mais humano, mais justo e mais livre. Obrigado a todas as pessoas que lutaram incansavelmente para que o direito de morrer dignamente fosse reconhecido na Espanha”
Pedro Sánchez, presidente do governo espanhol
“Forçar a eutanásia nas pessoas mais vulneráveis (...) é um vergonhoso ato de abandono social que esconde a negação para uma melhor assistência social
e sanitária”
José Ignacio Echániz, deputado do Partido Popular
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