Protagonistas da mais adiantada campanha de imunização contra a covid-19, os israelenses vão às urnas, nesta terça-feira, para eleger os novos integrantes do Parlamento, a Kneset. A eleição legislativa será a quarta em menos de dois anos, e há sinais de que, após a contagem dos votos, o clima de instabilidade política não seja superado (Veja arte). O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aposta nas medidas de enfrentamento à pandemia para alcançar a maioria e, depois de três pleitos, formar o governo. Mas, segundo analistas, pesam contra os planos do premiê o distanciamento dos Estados Unidos, a aproximação com integrantes da extrema-direita e os processos por corrupção e peculato.
As pesquisas indicam que o partido de Netanyahu, o Likud, deve obter entre 27 e 30 cadeiras das 120 na Kneset. Seria a formação mais votada, mas sem representantes suficientes para alcançar a maioria (61 deputados). Após as últimas eleições, em março de 2020, Netanyahu tentou em vão formar um governo estável, prometendo que anexaria áreas da Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967, um desafio crucial para grande parte dos eleitores da direita.
A pandemia, porém, mudou os rumos da estratégia. “Desta vez, a Pfizer tirou o lugar da anexação”, avalia a analista política Dahlia Scheindlin, referindo-se à ênfase dada pelo primeiro-ministro à ampla campanha de vacinação anticovid iniciada em dezembro graças a um acordo com a farmacêutica americana. Em troca dos dados sobre os efeitos da vacina na população, Israel obteve um fornecimento rápido do fármaco e conseguiu comprovar sua eficácia em larga escala. Os israelenses estão retomando as atividades cotidianas com mais da metade da população tendo recebido duas doses da vacina e um índice de proteção contra o vírus de 95%. Netanyahu aposta que os bons resultados se repitam nas urnas.
Professor de ciências políticas na Universidade Hebraica de Jerusalém, Gideon Rahat não acredita em um efeito tão direto. “Claramente, a vacina continua sendo seu trunfo eleitoral, ele (o premiê) fala das vacinas todos os dias, quer que as pessoas falem sobre isso. Para ele, trata-se de ‘vacinas, vacinas, vacinas’, a ponto de que poderíamos pensar que foi ele que vacinou a população”, avalia. Netanyahu tem se apresentado como o melhor candidato para comandar uma possível recuperação econômica pós-covid .“Somos os primeiros do mundo (a sair progressivamente da pandemia), emergimos vitoriosos”, afirmou, na semana passada.
Porém, para Gideon Rahat, o descontentamento da população e, inclusive, de parte do partido do premiê com os processos na Justiça pode atrapalhar os planos de Netanyahu. Há 12 anos no poder de forma ininterrupta, o líder conservador de 71 anos foi acusado, em novembro de 2019, de corrupção, fraude e quebra de confiança em três casos, um evento sem precedentes para um presidente-executivo israelense em pleno mandato.
Divisão política
A forte divisão política no país pode ser outro dificultador. Nas últimas três campanhas eleitorais, Netanyahu teve como principal rival o ex-comandante do Exército Benny Gantz, um político de centro-direita. Depois de três confrontos sem um vencedor claro, os dois decidiram formar um governo de união, que durou apenas alguns meses. No final, a estrela política de Benny Gantz se apagou.
Agora, Netanyahu apresenta-se como o único candidato da “verdadeira direita” para vencer os principais adversários: Yair Lapid, o líder da oposição de centro; Gideon Saar, ex-militante do Likud que formou o partido conservador Nova Esperança; e o grande nome da direita radical Naftali Bennett. “Netanyahu é muito bom para fazer campanhas negativas contra um candidato, mas ter diante dele vários adversários deixa as coisas muito mais difíceis”, avalia Gideon Rahat.
A aproximação com Itamar Ben Gvir, herdeiro político de um dos rabinos mais radicais da história de Israel, o polêmico Meir Kahane, foi uma das apostas do premiê para vencer essa dificuldade. O rabino é fundador do partido antiárabe Kach, classificado como terrorista após o assassinato, em 1994, de 29 palestinos em Hebron, na Cisjordânia. Se há pouco tempo Gvir representava a extrema-direita, com a qual não era bem-visto estabelecer alianças, nos últimos meses, a situação mudou.
Segundo analistas, o primeiro-ministro empurrou os partidos nanicos da direita radical para uma aliança com o Otzma Yehudit, partido de Ben Gvir, para que, juntos, consigam chegar ao Parlamento e apoiar uma coalizão de direita após as eleições legislativas. A dupla não nega a manobra. “Somente Ben Gvir pode salvar Bibi”, afirmam cartazes eleitorais do partido, utilizando o apelido do primeiro-ministro conservador.
Mas os possíveis desdobramentos da parceria preocupam. Há, por exemplo, especulações de que Ben Gvir receberá, em troca, um cargo no governo. O premiê nega, mas reconhece que o polêmico apoiador integrará sua coalizão. Membros da direita, incluindo figuras do partido de Netanyahu, como Yuval Steinitz, consideram que seria “impuro” aceitar um político dessa linha em um futuro governo. A oposição também critica a parceria. “É uma vergonha”, disse o centrista Yair Lapid. “Se Netanyahu vencer (…), será um governo extremista, homofóbico, chauvinista e antidemocrático”, advertiu.
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Protestos não param
Às vésperas das eleições legislativas, os israelenses dão continuidade às manifestações pela renúncia de Benjamin Netanyahu. Ontem, milhares de pessoas concentraram-se em frente à residência oficial do primeiro-ministro. A polícia urgiu aos habitantes de Jerusalém que se mantenham longe do local da manifestação e das ruas ao redor, alegando a importância do distanciamento em função da pandemia. Desde junho de 2020, são frequentes protestos em Jerusalém contra o primeiro-ministro.
Distante de Joe Biden
A nova relação com os Estados Unidos, considerados um cabo eleitoral de peso, é um desafio enfrentado por Benjamin Netanyahu nas atuais eleições legislativas. Nas disputas anteriores, o premiê se gabava da proximidade com Donald Trump, a quem o chamou de “melhor amigo” que teve na Casa Branca. Agora, embora Washington defenda Israel, o governo de Joe Biden busca manter a maior distância do pleito israelense, segundo analistas.
“A presença do governo dos EUA é mínima”, avalia Tamar Hermann, professor de ciência política da Universidade Livre de Israel. “Até recentemente, Netanyahu ainda dizia para seus seguidores: ‘Olhem, quando quero, só tenho que bater na porta da Casa Branca e a porta se abre’”, lembra.
Depois de assumir o poder, em 20 de janeiro, Biden esperou um mês para se reunir com Netanyahu. “Boa conversa”, resumiu o presidente americano. Conversa “calorosa” e “amigável”, comentou o premiê. Os dois políticos se conhecem há décadas, e o relacionamento entre eles sofreu um revés quando Biden era vice-presidente de Barack Obama, que tentou convencer Israel a suspender a colonização da Cisjordânia ocupada.
“Não há amor por Netanyahu no governo (Biden) ou nas elites democratas”, diz Shibley Telhami, especialista em política externa dos Estados Unidos da Universidade de Maryland. Mas, segundo ele, para os democratas, “o problema é que as alternativas (a Netanyahu) são quase tão ruins” quanto ele.