Até a última quarta-feira, os Estados Unidos tinham aplicado 130,4 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 — o equivalente a 77% dos 169 milhões de doses adquiridas. Cerca de 2,5 milhões de norte-americanos são imunizados por dia. Enquanto no Brasil 12 milhões de pessoas foram vacinadas (5,6% da população), os EUA administraram a primeira dose do imunizante em 26% da população (85,5 milhões) e a segunda dose em 14% (46 milhões). Os números impressionantes parecem longe de satisfazer Joe Biden. Em sua primeira entrevista coletiva, o presidente norte-americano avisou que dobrará a meta de vacinação para os primeiros 100 dias de governo. Até 30 de abril, o democrata prometeu aplicar 200 milhões de doses. “Sei que é ambicioso, o dobro do nosso objetivo inicial. Mas nenhum outro país do mundo se aproximou, nem mesmo chegou perto, do que estamos fazendo, e acredito que podemos conseguir”, declarou.
“É uma meta ambiciosa e que vale a pena. O estilo de Biden é diferente do antecessor Donald Trump. O democrata tenta aproximar as pessoas e parece que está indo bem no combate à pandemia”, admitiu ao Correio o infectologista norte-americano Robert C. Gallo, cofundador e diretor do Instituto de Virologia Humana (IHV) da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, conselheiro científico da Rede Global de Vírus (GVN) e um dos médicos que isolaram o HIV — vírus causador da aids — na década de 1980. Gallo acredita que Biden se foca na inclusão para lutar contra a covid-19. “Ele mostra mais interesse em reunir os EUA com os aliados. Espero que seja o caso, em particular, do Brasil e das Américas do Sul e Central.”
Para William Hanage, professor de epidemiologia da Universidade de Harvard, a meta prevista por Biden é “alcançável” e “digna” para ajudar os EUA a se livrarem da pior fase da pandemia. “Grande parte da vacinação depende, agora, de cada estado. O governo federal apenas determina o quanto de doses eles recebem. Por isso, há sérias desigualdades no acesso às vacinas”, afirmou ao Correio. “Tanto os contágios quanto as mortes estão com índices melhores do que na ausência das vacinas. Mas as novas infecções começam a aumentar em muitos lugares, mesmo que na presença de pessoas imunizadas. Para evitar tal fenômeno, uma proporção enorme da população precisa receber as duas doses. O patamar de 200 milhões não nos levaria a esse cenário, mas nos aproximaríamos dele.”
Política e diplomacia
Durante a entrevista coletiva na Casa Branca, Biden confirmou que pretende ser candidato à reeleição em 2024. “Meu plano é me apresentar à reeleição. Essa é a minha expectativa”, declarou o democrata, que espera uma nova chapa com a ex-senadora e atual vice-presidente, Kamala Harris. “Fui contratado para resolver problemas, não para criar divisões”, lembrou, ao mencionar a aprovação pelo Congresso do gigantesco plano de ajuda à economia americana de US$ 1,9 trilhão (ou R$ 10,7 trilhões).
A crise migratória na fronteira com o México, cujo gerenciamento está a cargo de Kamala, foi abordada pelo democrata. Biden considerou “sem precedentes” a onda de imigrantes ilegais e revelou o desejo de reconstruir o sistema de imigração. Também prometeu remover “imediatamente” milhares de crianças mantidas nos centros de detenção do Texas, depois de terem sido separadas dos pais na travessia. Ele classificou de “totalmente inaceitáveis” as condições em que os menores se encontram nessas instalações.
A política externa teve destaque na entrevista. No dia seguinte ao lançamento de foguetes pelo regime de Pyongyang, ele advertiu que os Estados Unidos vão responder a uma escalada de tensões da Coreia do Norte. “Estamos consultando nossos sócios e aliados. Haverá resposta se optarem por uma escalada”, ameaçou. Biden condicionou a diplomacia com Pyongyang à desnuclearização. Ontem, o regime de Kim Jong-un anunciou o lançamento de um novo “projétil tático guiado” com motor de combustível sólido.
Biden reafirmou que não busca um “confronto” com a China, apesar de defender a responsabilização de Pequim por abusos ligados ao comércio e aos direitos humanos. O presidente considerou inexequível o prazo para a retirada de tropas do Afeganistão: até 1º de maio. “Vamos embora; a pergunta é quando iremos”, comentou. Ao ser questionado se prevê que os soldados americanos seguirão no país em 2022, Biden respondeu: “Não posso imaginar que este seja o caso”.
» Duas Perguntas para:
Robert C. Gallo, cofundador e diretor do Instituto de Virologia Humana (IHV) da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland; cofundador e conselheiro científico da Rede Global de Vírus (GVN). Foi um dos infectologistas que descobriram e isolaram o HIV, vírus causador da aids, em 1984.
O senhor acredita que a imunização contra a covid-19 já surte efeito na redução de hospitalizações e óbitos nos Estados Unidos?
A vacinação já começa a melhorar a situação. É prematuro tentar determinar porcentagens, mas não há dúvidas de que a imunização surtirá efeito com o passar do tempo. Dito isso, estou preocupado com as variantes e o tempo necessário para que as vacinas forneçam proteção. Precisamos continuar vigilantes. Também é importante que não superestimemos o impacto imediato das vacinas. Devemos continuar a manter as medidas de saúde pública, como máscaras, distanciamento social e higiene frequente das mãos, pelo menos no futuro próximo.
Que tipo de comparação é possível fazer entre Biden e Trump no combate à pandemia?
É prematuro dizer. Por um lado, Biden conta com a vantagem da vacina. Por outro lado, não fiquei impressionado com o papel do governo no início da pandemia. Biden traz mais pessoas para suas decisões, o que é positivo. Ele dá um exemplo de como as pessoas devem praticar medidas de saúde pública durante uma pandemia. Trump não liderou pelo exemplo, mas avançou no financiamento das vacinas.
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