ORIENTE MÉDIO / 

Aceno aos palestinos e retirada do Iraque

Estados Unidos anunciam a retomada da ajuda à Faixa de Gaza e à Cisjordânia e liberam US$ 250 milhões. Israel adverte que auxílio financeiro contribui com a perpetuação do conflito. Washington e Bagdá acertam remoção de tropas

» RODRIGO CRAVEIRO
postado em 07/04/2021 20:52
 (crédito: Said Khatib/AFP)
(crédito: Said Khatib/AFP)

Foram 958 dias desde que o republicano Donald Trump anunciou a suspensão do repasse de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,12 bilhão) aos palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, aproximou-se de Israel e ficou mais distante de um acordo de paz entre judeus e árabes. Ontem, a administração do presidente democrata, Joe Biden, decidiu reverter essa política e abrir os horizontes para a possibilidade de costurar o fim do conflito Oriente Médio. “Os EUA têm o prazer em anunciar que, trabalhando com o Congresso, planejamos retomar a ajuda econômica, de desenvolvimento e humanitária para o povo palestino”, declarou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, por meio de uma comunicado.
“Isso inclui US$ 75 milhões (R$ 420 milhões) em assistência econômica e de desenvolvimento; US$ 10 milhões (R$ 56 milhões) em programas de construção da paz, por meio da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid) e US$ 150 milhões (R$ 841 milhões) em ajuda humanitária à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA)”, disse o chefe da diplomacia dos EUA. Em conversa com o rei Abdullah II da Jordânia (leia abaixo), Biden reiterou o compromisso com uma solução para o conflito baseada em dois Estados.
Os palestinos também receberão US$ 15 milhões (R$ 84 milhões) para combater a pandemia da covid-19 e a insegurança alimentar. Em outra decisão importante, os governos dos EUA e do Iraque acordaram a retirada de todas as tropas de combate norte-americanas do país. Apenas um pequeno contingente de treinamento permanecerá em território iraquiano. “As partes confirmaram que a missão dos Estados Unidos e as forças da coalizão entraram em uma transição focada no treinamento e aconselhamento, permitindo assim a redistribuição de quaisquer tropas de combate restantes no Iraque, para o qual o cronograma será estabelecido em um diálogo técnico”, anunciaram os países em um comunicado conjunto após uma reunião virtual.
O governo de Israel advertiu a Casa Branca que a decisão de retomar a ajuda aos palestinos “somente ajudará a perpetuar o conflito”. “A posição de Israel é que a organização, em sua forma atual, perpetua o conflito e não contribui para sua resolução. A renovação da ajuda à UNRWA, portanto, deve ser acompanhada por mudanças substanciais e necessárias na natureza, nos objetivos e na conduta da organização”, advertiu o Ministério das Relações Exteriores israelense.

Embaixador

Em entrevista ao Correio, Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília (leia Duas perguntas para), disse acreditar que a retomada das negociações para um acordo de paz no Oriente Médio depende exclusivamente da vontade da classe política israelense. “Israel vive os efeitos do terremoto político que levou o país a quatro eleições consecutivas. Se a classe política não resolver e não enfrentar o problema com objetividade e seriedade, esse ciclo vicioso continuará. Israel cumprirá com os compromissos como ente internaiconal ou não? É problema que devem resolver”, comentou. O diplomata aposta que Biden, a comunidade internacional e aliados de Israel podem fazer muito para convencer este Estado “a aterrissar, colocar os pés nos chão e ver as coisas no seu tamanho e dimensão”. “A paz é direito de todos, palestinos e israelenses”, lembrou Alzeben.
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, o iraquiano Alon Ben-Meir classificou como “sábia” a decisão do governo Biden de renovar o apoio financeiro aos palestinos. “Independentemente da posição dos palestinos, privá-los de ajuda financeira não faz nada além de agravar ainda mais suas relações com Israel. Ao reiterar o compromisso com uma solução para o conflito baseada em dois Estados, Biden sinaliza com um gesto bem-vindo. Eu espero que esta mensagem seja ouvida, em alto e bom som, pelos israelenses”, disse ao Correio.
Sobre a retirada do Iraque, Ben-Meir considera a medida “atrasada”. “Nos últimos anos, as tropas norte-americanas no país diminuíram de tamanho e não foram mais úteis, especialmente depois da derrotra do Estado Islâmico (EI). Embora isso possa agradar ao Irã, no geral a decisão de remover os militares é inteligente, pois sua presença na região não mais se mostra necessária”, explicou.

» Duas perguntas para

Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília

Como o senhor recebeu a notícia da retomada de ajuda dos EUA aos palestinos?
Nós recebemos com satisfação o gesto da gestão norte-americana. Corrigir um erro é sabedoria. A administração anterior (Trump) submeteu o povo palestino a castigos e pressões que afastaram a possibilidade de uma solução (do conflito). O gesto que aplaudimos corrige um erro e abre as portas às esperanças de que a solução pacífica do conflito e o fim da ocupação são viáveis e possíveis.

Há mais otimismo em relação a uma reaproximação com os EUA?
Sou otimista sempre. Nunca perdemos o otimismo nem a esperança. Esperamos que os EUA priorizem a solução para o conflito. A nova administração pode fazer muito, entrando pela porta principal: o fim da ocupação de seis décadas. Não adianta pular o muro ou entrar entrar pelo buraco, como Trump fez. O senhor Biden tem tudo para entrar na história, com apoio e dedicação da comunidade internacional, cansada de tanto derramamento de sangue. (RC)

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"Sedição acabou",diz rei da Jordânia

 (crédito: YOUSEF ALLAN/AFP)
crédito: YOUSEF ALLAN/AFP

O rei Abdullah II da Jordânia declarou, ontem, que a “sedição” supostamente liderada pelo meio-irmão, o príncipe Hamza, acabou e que o príncipe se encontra “sob sua proteção”, no Palácio Real. “Posso garantir que a sedição foi cortada pela raiz. O desafio desses últimos dias não foi o mais perigoso para a estabilidade do país, mas foi o mais doloroso para mim”, afirmou, em mensagem lida em seu nome na televisão pública. “O príncipe Hamza se comprometeu com a família (hashemita) a seguir o caminho de seus pais e avós, a ser fiel à sua mensagem e a colocar o interesse da Jordânia, de sua Constituição e de suas leis acima de qualquer outra consideração”, diz o texto.
O confuso incidente semeou surpresa e especulação dentro e fora da Jordânia, um país excepcionalmente tranquilo na problemática região do Oriente Médio. Em sua primeira intervenção desde o surgimento do caso, o monarca afirmou: “As partes envolvidas nesta sedição eram de nossa casa e do exterior” — sem especificar se falava de fora da família real ou da Jordânia. Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, telefonou para Abdullah II e prestou solidaridade ao aliado-chave.
Por meio de um comunicado, a Casa Branca informou que o democrata “expressou forte apoio dos EUA à Jordânia e sublinhou a importância da liderança do rei Abdullah II para os Estados Unidos e a região”. “Eles discutiram os fortes laços bilaterais entre a Jordânia e os EUA, o papel importante da Jordânia na região, e o fortalecimento da cooperação bilateral em múltiplos temas políticos, econômicos e de segurança”, afirma a nota.
O vice-primeiro-ministro da Jordânia, Ayman Safadi, disse no domingo que as investigações permitiram “vigiar intervenções e contatos com partes estrangeiras que buscam desestabilizar a segurança da Jordânia”, sem entrar em detalhes. Cerca de 20 pessoas estão presas, entre elas Basem Awadallah, ex-chefe do gabinete real, apreciado por grande parte da população, e Cherif Hasan Bin Zaid, que foi emissário especial do rei na Arábia Saudita. O monarca indicou que os resultados da investigação seriam tratados de forma “transparente”.

Tensão no Mar Vermelho

O governo do Irã confirmou, ontem, que o “Saviz”, um de seus “navios comerciais”, foi avariado por uma explosão de origem indeterminada. As informações da imprensa apontam para um ataque de “represália”, ocorrido no Mar Vermelho, perto da costa do Djbuti, às 6h (hora local) de terça-feira. O Ministério das Relações Exteriores do Irã e a agência de notícias iraniana Tasnim divergiram sobre a função do Saviz. Segundo a chancelaria, a embarcação era “civil” e buscava garantir “segurança marítima”. Por sua vez, a Tasnim divulgou que trata-se de um navio utilizado pelas Forças Armadas do Irã.
Porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Said Khatibzadeh informou que o navio ficou “levemente danificado”. “O acidente não causou vítimas, e estão sendo feitas investigações técnicas para determinar as circunstâncias e a origem, e o nosso país tomará todas as medidas necessárias por intermédio das autoridades internacionais a este respeito”, afirmou o porta-voz. A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu “moderação máxima”.
Fundador do Conselho Nacional Iraniano-Americano, Trita Parsi afirmou ao Correio que o incidente no Mar Vermelho é “muito perigoso”. “Os israelenses fazem essas manobras de forma deliberada, com a intenção de aumentar as tensões, minar a diplomacia americana e levar a uma guerra. O governo Biden deve mostrar a habilidade de colocar um fim aos esforços de sabotagem de Israel”, defendeu.
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, explicou que o cargueiro atacado era um navio espião. “Estava ancorado lá havia algum tempo para coletar informações sobre a Arábia Saudita, o Iêmen e Israel. Por isso, os israelenses decidiram que era hora de atacar .” (RC)

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