RÚSSIA

Da punição ao diálogo

Estados Unidos impõem sanções financeiras a 32 entidades e a cidadãos russos e expulsam 10 diplomatas de Washington. Medida é resposta a suposta interferência nas eleições de 2020 e à pirataria cibernética. Joe Biden diz que "chegou a hora da desescalada"

» RODRIGO CRAVEIRO
postado em 15/04/2021 20:59 / atualizado em 16/04/2021 22:19
Complexo do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, em Moscou: chancelaria  convocou embaixador americano; cúpula entre líderes é dúvida -  (crédito: Alexander nemenov/AFP)
Complexo do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, em Moscou: chancelaria convocou embaixador americano; cúpula entre líderes é dúvida - (crédito: Alexander nemenov/AFP)

No jargão popular, foi praticamente a tática do “morde e assopra”. Horas depois de os Estados Unidos anunciarem um pacote de sanções financeiras contra a Rússia (veja o quadro), além da expulsão de 10 diplomatas da embaixada russa em Washington, o presidente Joe Biden enviou um recado ao homólogo russo, Vladimir Putin: o democrata disse ao líder russo que “chegou a hora da desescalada”. Ele qualificou as medidas como “uma reação medida e proporcional” ao que classificou de ações hostis de Moscou. A ordem executiva assinada por Biden visa a “imposição de custos por atividades estrangeiras prejudiciais do governo russo”. O presidente considerou que uma comunicação direta com Putin pode levar a uma “relação mais efetiva”. Washingto aposta em uma cúpula entre os dois chefes de Estado, que deve ocorrer no verão boreal na Europa e seria uma chance para “lançar um diálogo de estabilidade estratégica”.
As sanções atingem “32 entidades e indivíduos que realizam tentativas dirigidas pelo governo russo para influenciar a eleição presidencial dos EUA em 2020 e outros atos de desinformação e de interferência”. Segundo a Casa Branca, as medidas também são uma resposta a “atividades cibernéticas maliciosas contra os Estados Unidos e seus aliado” — referência direta ao ataque contra a companhia americana Starwinds, o qual tornou vulneráveis a hackers os sistemas de computação do governo dos EUA no ano passado. Instituições financeiras dos Estados Unidos ficarão proibidas de comprarem títulos em rublo russo depois de 14 de junho.
Na tarde de ontem, autoridades do Executivo norte-americano admitiram que a gestão Biden busca uma “relação previsível e estável” com a Rússia. “Não buscamos, não desejamos uma espiral descendente. Podemos e devemos evitar isso. Mas, também, deixamos claro que defendemos nossos interesses nacionais e imporemos custos às ações do governo russo que buscarem prejudicar nossa soberania”, afirmaram. Eles acrescentaram que as sanções “enviam um claro sinal” de que os EUA não aceitarão o “comportamento desestabilizador” da Rússia.
Mais cedo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, sublinhou que as novas sanções “não favorecem” a realização da cúpula entre Biden e Putin. Não ficou claro, no entanto, se o russo desistiu do encontro. A chancelaria russa também convocou o embaixador dos Estados Unidos em Moscou, John Sullivar, para esclarecimentos.

Moderação

Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), afirmou ao Correio que o pacote de sanções dos EUA era esperado. “Essas medidas são uma punição pelas alegadas inteferências da Rússia nas eleições norte-americanas de 2020; pelos ataques de hackers às instituições dos Estados Unidos; pelo suposto pagamento de recompensas pelo assassinato de soldados dos EUA no Afeganistão; e pelo envenenamento de (Alexei) Navalny”, explicou. A estudiosa admite que o conjunto de sanções, apesar de parecer “sólido”, é “bastante moderado”. “Biden tenta não fechar as portas para o diálogo com Putin. A sanção mais desagradável me parece aquela que proíbe a compra de notas do tesouro russo”, disse Shevtsova.
Por sua vez, Andrey Kortunov — diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (em Moscou) — avalia as medidas anunciadas por Washington como “uma manifestação típica das táticas ‘empurra e puxa’ dos Estados Unidos. Biden ofereceu uma reunião com Putin. Agora, precisa demonstrar à opinião pública que pode ser firme e decisivo em relação à Rússia”, observou.
Um dos mais renomados especialistas em Rússia e em relações internacionais das ex-repúblicas soviéticas, Robert Legvold disse à reportagem que as sanções “não são meramente simbólicas”. “Elas devem surtir efeitos, mas não são o passo mais severo que os Estados Unidos poderiam ter dado. Ao mesmo tempo, a Casa Branca espera que as tensões não aumentem significativamente, pois Biden leva a sério um relacionamento construtivo com a Rússia em áreas onde existe a necessidade de cooperação mútua, como o controle das armas nucleares”, afirmou o professor de ciência política da Universidade de Colúmbia em Nova York.
De acordo com Legvold, o governo norte-americano quer que os russos entendam que Washington leva a sério os dois lados da política com a Rússia. “Por um lado, responsabilizar Moscou pelo comportamento problemático. Por outro lado, genuinamente Biden se mostra desejo de cooperar, sempre que possível.”

» As principais retaliações

Conheça o pacote de sanções contra Moscou anunciado ontem pela Casa Branca:

Sanções de dívidas
» O Tesouro proibiu as instituições financeiras dos EUA de comprarem, diretamente, títulos emitidos pela Rússia depois de 14 de junho. A medida deverá surtir impacto limitado. A Rússia tem apenas dívidas e reservas limitadas de mais de US$ 180 bilhões, graças às exportações de hidrocarbonetos.
Expulsão de diplomatas
» O Departamento de Estado expulsou dez funcionários da embaixada russa em Washington, alguns dos quais são acusados de serem membros dos serviços de inteligência de Moscou.

Medidas contra empresas
de biotecnologia
» Seis empresas de biotecnologia russas foram sancionadas, acusadas de apoiar atividades de inteligência cibernética de Moscou, em particular o ataque à empresa SolarWinds, o qual comprometeu milhares de redes informáticas do setor privado e do governo dos Estados Unidos. O Departamento do Tesouro dos EUA também mirou em 32 organizações e indivíduos que supostamente “tentaram influenciar nas eleições presidenciais americanas de 2020”.

Crimeia
» Em parceria com o Canadá, o Reino Unido e a Austrália, o governo dos Estados Unidos impôs sanções a oito indivíduos e organizações vinculadas à “contínua ocupação e repressão russa na Crimeia”.

» Pontos de vista

Por Andrey Kortunov
Castigo aguardado

“Nós, russos, sabíamos que as sanções econômicas eram iminentes. Apenas espero que tenham feito o dever de casa e que as repercussões sejam limitadas. Ainda é prematuro determinar o impacto dessas medidas. Elas são, em grande parte, simbólicas. Muito dependerá, agora, das respostas do governo de Vladimir Putin. Eu acredito que Moscou não escalará as tensões, ainda que possa estar errado.”

Diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (em Moscou)


Por Lilia Shevtsova
Danos limitados

“No momento, o anúncio das sanções levou o rublo russo a uma queda não significativa. O golpe teria sido mais sério se os Estados Unidos obrigassem os não residentes a venderem toda a dívida soberana russa. Isso não ocorreu. Portanto, o dano financeiro é limitado. Os EUA e a Rússia estão em meio a uma longa crise. Biden convidou Putin a uma cúpula. Mas, com as sanções, a Rússia terá que responder com ações ‘simétricas’.”

Chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou)

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Ucrânia acusa Moscou de querer sua destruição

 (crédito: AFP)
crédito: AFP

Na véspera de uma cúpula trilateral com França e Alemanha para debater a escalada de tensões, após a concentração de tropas russas na fronteira, a Ucrânia acusou a Rússia de tentar “destruí-la”. “Ameaçam abertamente a Ucrânia com uma guerra e com a destruição do Estado ucraniano”, declarou o ministro das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba. Moscou mobilizou dezenas de milharfes de soldados próximo à Ucrânia, um indicativo de invasão militar iminente. Kuleba advertiu o Kremlin que a Rússia “sofrerá”, caso cruze a fronteira. Moscou garante que “não ameaça ninguém” e que a concentração de forças faz parte de “exercícios militares” em resposta a “ações ameaçadoras da Otan (Organização do Tratado do Atântico Norte)”.

Diretor de pesquisa da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), o ucraniano Olexiy Haran disse ao Correio que vê a ameaça da Rússia como “muito perigosa”. “Estamos assistindo à maior mobilização militar na fronteira desde a anexação da Península da Crimeia, em 2014”, advertiu. Ele atribui a manobra à tentativa do presidente russo, Vladimir Putin, de aumentar a própria popularidade às vésperas das eleições do Duma (parlamento) da Rússia, em 19 de setembro, obtendo uma pequena vitória. “O Kremlin também quer testar a habilidade do colega norte-americano Joe Biden em manter uma parceria. Também tenta intimidar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que firmou compromissos com a paz e buscou restabelecer um processo de negociação com Putin”, explicou.

Segundo Haran, generais russos comandam “tropas aliadas” da Rússia que atuam em território ucraniano. “Putin tenta obter concessões políticas de Zelensky, apesar dos passos dados por Kiev para negociar com Moscou. Putin pretende mostrar alguma força”, avaliou. O estudioso entende que uma guerra em larga escala não interessa ao Kremlin. “As perdas das forças russas na Ucrânia seriam contraproducentes para Putin”, disse. O especialista vê, como possíveis exigências de Moscou, a remoção das sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia contra a Rússia.
Para Andrey Kortunov, diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (em Moscou), existe o risco de um agravamento inadvertido das tensões. “Ninguém realmente quer uma guerra, mas a situação pode ficar fora do controle de ambos os lados”, advertiu. Por sua vez, Lilia Shevtsova — chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou) — afirmou que Rússia e Ucrânia estão em “estado de guerra não declarada”. “O cessar-fogo, vistoriado por França e Alemanha, foi rompido pelos russos em março. Agora, o Kremlin aumenta a tensão, ao forçar os ucranianos a aceitarem o seu modelo de solução de paz, o Acordo de Minsk.

» Eu acho...

“Ninguém esperava que, em 2014, a Rússia fosse ocupar a Crimeia. Nem que um míssil russo na região de Donbass derrubariam o Boeing 777-200ER que fazia o voo MH17. É mais provável que Putin tente fazer uma ataque direcionado, como a captura de alvos estratégicos no Mar Negro, no Mar de Azove ou em Donbass.” Olexiy Haran, diretor de pesquisa da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev) A Ucrânia não pode fazê-lo, sob pena de se tornar um satélite da Rússia.”

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