Qual é o peso do presidente?
A semana que começa vai marcar algo mais que o primeiro encontro — ainda que remoto — entre o presidente Jair Bolsonaro e o colega dos Estados Unidos, Joe Biden. A participação do Brasil na cúpula global sobre meio ambiente, convocada pela Casa Branca, vai começar a responder o enigma proposto pela troca de comando no Itamaraty. O chanceler Carlos França, promovido a embaixador — o “general” da diplomacia — quando servia no Palácio do Planalto, fará praticamente sua estreia no encontro.
Quem acompanha a política externa brasileira concentrará as atenções, na quinta-feira, no esforço de decifrar a coreografia — se houver alguma — executada pelo Planalto e pelo Itamaraty. A pergunta a responder é qual será o peso específico do chefe de Estado e do ministro na formulação e (sobretudo) na execução da estratégia para a inserção do país na cena internacional.
Quando escolheu Ernesto Araújo para o comando da diplomacia, Bolsonaro indicou claramente um rumo e delegou a condução prática do setor a um diplomata que, a despeito da trajetória também limitada, jamais foi discreto quanto às próprias convicções. Mais reservado, Carlos França estará sob a atenção de parceiros e observadores que tratam de compreender como ficará o equilíbrio relativo entre Planalto e Itamaraty nos próximos dois anos.
Estado ou governo
No que diz respeito mais especificamente às relações com os EUA, a cúpula ambiental de quinta-feira tende a propiciar uma recolocação do governo Bolsonaro em relação ao aliado escolhido como preferencial. Na campanha vitoriosa pela presidência, em 2018, o capitão fez alarde da opção por reorientar a política externa de modo a priorizar o acerto de passo com Washington.
Mesmo depois de subir a rampa, porém, o presidente brasileiro manteve — aos olhos dos círculos diplomáticos — o comportamento “de palanque”. Tomou partido público pela reeleição de Donald Trump, na eleição de novembro passado. Compartilhou o entusiasmo por estratégias de combate à covid que colocaram os dois países, até hoje, nos primeiros postos do ranking de mortes e infecções causadas pela pandemia.
A derrota de Trump para o adversário democrata, que tomou posse em janeiro, foi um dos elementos que debilitaram a posição de Ernesto Araújo, um “bolsonarista ideológico” que tinha o aval do “guru” Olavo de Carvalho.
Clima seco
De uma perspectiva mais imediata, a interação entre Bolsonaro e Biden poderá dar indicações sobre as relações bilaterais. Não faltou quem calculasse, diante da derrota de Trump e da associação do presidente brasileiro a ele, que a troca de guarda na Casa Branca ameaçava o país com uma espécie de “quarentena”.
Afora as raízes profundas cultivadas com os EUA, o Brasil tem a seu favor o peso específico, que se faz sentir nos cenários global e hemisférico. Negócios fluem com impulso entre as duas partes. Mas a política ambiental, algo “escanteada” nos últimos quatro anos, volta a uma posição de destaque na agenda global de Washington na administração Biden.
Antes até das medidas concretas, a posição política assumida na cúpula de quinta-feira poderá facilitar a reaproximação.
Tijolo com tijolo
O ambiente virtual, com Biden como anfitrião, será também ocasião para aferir a disposição e a capacidade do governo Bolsonaro para algum tipo de realinhamento, em especial pensando na eleição de 2022. É de esperar, nos próximos dias, um acirramento das polêmicas entre Washington e Pequim na agenda climática.
Tomar distância do Brics, uma construção diplomática da era Lula-Amorim, tem sido um dos eixos centrais da estratégia externa traçada entre Planalto e Itamaraty desde 2019. Observadores europeus, que acompanham de um ponto de vista próprio as conversações, estudam as opções de alinhamento político com americanos e chineses. Contemplam a possibilidade de o Brasil se tornar uma espécie de fiel da balança entre os blocos, mas admitem que esse lugar é bem mais modesto que o ocupado na primeira década e meia do século.
Portunhol
Segue algo difícil a comunicação política e diplomática de Bolsonaro com a vizinhança imediata, em especial com a Argentina. A proliferação da chamada “variante brasileira” ou “amazônica” do coronavírus, associada a uma nova onda pandêmica na América do Sul, recoloca o país na berlinda.
Com fronteiras fechadas ou quase para boa parte dos destinos internacionais, o presidente brasileiro reagiu com o fígado à decisão do colega Alberto Fernández de reimpor medidas rígidas de restrição à circulação de pessoas na Argentina. Acusado por Bolsonaro de colocar “o exército na rua” para “manter o povo em casa”, Fernández ridicularizou a comparação com o estado de sítio e “receitou” a Bolsonaro: “É preciso que expliquem a ele a Constituição argentina”.
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