Arsenal ampliado contra a enxaqueca

O uso de abordagens alternativas para combater as crises de cefaleia tem resultados eficientes em testes com pacientes que não respondem ao tratamento tradicional. A exposição controlada à luz verde, por exemplo, pode reduzir a intensidade da dor em até 60%

» Vilhena Soares
postado em 17/04/2021 22:41
 (crédito: Kris Hanning)
(crédito: Kris Hanning)

A enxaqueca é um dos tipos de dores de cabeça mais recorrentes na população mundial. Tem como principal característica uma dor pulsante que pode durar mais de quatro horas e se tornar, inclusive, incapacitante. Alguns medicamentos ajudam a aliviar esse sofrimento, mas nem todos os pacientes respondem bem a esse tipo de terapia. Para ajudar esses indivíduos, pesquisadores internacionais têm se dedicado a encontrar novas alternativas terapêuticas. A exposição à luz verde, a acupuntura e a prática regular de exercícios físicos são algumas das abordagens que se mostraram eficazes em pesquisas recentes. Os especialistas defendem também a continuidade de investigações para expandir o leque de práticas efetivas.


É consenso entre os neurologistas que ter hábitos saudáveis pode ajudar a prevenir as crises de enxaqueca, mas pouco se sabe, até agora, sobre o nível de proteção gerado por esses cuidados. Pesquisadores da Universidade de Washington, nos EUA, resolveram avaliar, de forma minuciosa, o efeito dos exercícios físicos em pessoas que sofrem constantemente com crises dessa cefaleia.


Para isso, a equipe pediu a 4.647 voluntários com diagnóstico de enxaqueca que respondessem a um questionário sobre as características das crises, sono, depressão, estresse, ansiedade e quantidade de exercícios de moderados a vigorosos (duração de duas horas e meia) praticados a cada semana. Corrida, caminhada rápida, limpeza pesada e ciclismo são exemplos desse tipo de atividade. A análise mostrou que 1.270 pessoas, 27% dos participantes, relataram praticar esses exercícios regularmente e que esse grupo apresentou uma frequência menor de crises de enxaqueca, quando comparado aos demais.


Os cientistas também observaram uma taxa menor de desencadeadores da cefaleia incapacitante, como estresse, depressão e problemas de sono, no grupo que se exercitava regularmente. “Vimos, por exemplo, que problemas de sono foram relatados por 77% das pessoas no grupo sem exercícios, em comparação com 61% no grupo dos exercícios intensos”, detalha o autor do estudo, que foi apresentado durante a 73ª Reunião Anual da American Academy of Neurology, em fevereiro.


Luciano Talma, neurologista responsável pelo Ambulatório de Cefaleia do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB), enfatiza que as terapias não medicamentosas têm importância fundamental no tratamento profilático do problema. “Para o paciente com enxaqueca crônica refratária (em que as terapias tradicionais não funcionam), será a combinação de tratamentos medicamentosos e não medicamentosos que vai contribuir com a redução das crises e a melhora da qualidade de vida.”
O médico lembra que o ideal é que o paciente entenda o que provoca as crises de dores de cabeça, pois isso o ajudará a utilizar as melhores opções de prevenção. “Ele precisa reconhecer e evitar os fatores desencadeantes, como o estresse emocional, a privação de sono, o jejum prolongado e alguns itens alimentares, café e chocolate, por exemplo”, ilustra.

Menos sinais elétricos

Também se mostrou eficaz no tratamento da enxaqueca a cromoterapia, técnica que utiliza a exposição a luzes coloridas para tratar problemas de saúde. Os resultados foram obtidos em uma pesquisa americana e divulgados, em setembro, na revista The British Medical Journal. Os cientistas selecionaram um grupo de 29 pessoas que tiveram enxaqueca episódica ou crônica e não alcançaram respostas positivas com terapias tradicionais. O grupo foi exposto à luz branca por uma a duas horas por dia, durante 10 semanas. Após um intervalo de duas semanas, foi exposto à luz verde por 10 semanas. Ao longo do tratamento experimental, os analisados responderam a questionários criados para monitorar o número e a intensidade (usando uma escala de 0 a 10) das dores de cabeça, além de detalhes relacionados à rotina.


A exposição à luz verde resultou em redução de 60% na intensidade da dor relatada pelos participantes (de 8 para 3,2). Também encurtou a duração das dores de cabeça e melhorou a qualidade do sono e a disposição para a realização de tarefas cotidianas. “O benefício médio geral foi estatisticamente significativo, e a maioria dos analisados ficou extremamente feliz”, enfatiza Mohab Ibrahim, autor principal do estudo e professor-associado da Universidade do Arizona.


Segundo os cientistas, com a luz verde, os sinais elétricos gerados pela retina e por áreas cerebrais, como o tálamo e o córtex cerebral, foram menores, quando comparados à exposição à luz branca. Esse abrandamento é essencial para evitar as dores, pois a enxaqueca está ligada a um cérebro hiperexcitável. A equipe lembra que a luz usada nos experimentos não pode ser reproduzida em casa. “Tem que ter a intensidade e a frequência certas, o tempo de exposição e os métodos corretos. Assim como com medicamentos, há um ponto ideal com a luz”, afirma Ibrahim.


Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), avalia que, ainda que significativo, o resultado do estudo é preliminar. “Só vamos ter certeza de que ele funcionará quando forem feitas mais pesquisas. É preciso frisar também que todo um protocolo foi montado pelos cientistas. As pessoas não podem repetir em casa achando que vão ter o mesmo resultado. Tudo isso ainda é muito novo, mas, ainda assim, é algo animador”, reforça.


No caso do uso da acupuntura, um estudo chinês mostra redução na quantidade de crises semanais. Foram selecionados 147 pacientes com histórico de enxaqueca e que não haviam realizado a abordagem alternativa anteriormente. Todos foram instruídos a não tomar analgésicos ou iniciar qualquer outro tratamento durante a pesquisa, que durou 12 semanas. Metade dos voluntários recebeu 20 sessões de acupuntura, e outra parte, 20 sessões de acupuntura simulada, que não atingiu os pontos específicos do corpo.


“Vimos que a prática resultou em redução dos dias da semana em que houve crise de enxaqueca (de três para dois dias), além de diminuição na intensidade da dor sentida pelos participantes”, relata, em comunicado, Shabei Xu, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Medicina Hubei. “A melhora foi tímida, mas, ainda assim, defendemos essa atividade como uma terapia auxiliar para quem sofre com esse tipo de dor.”

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Busca por novos medicamentos

Os remédios orais são as terapias mais utilizadas para tratar a enxaqueca. Mas o resultado pode ser frustrante, e o incômodo se manter. Nas últimas décadas, muitos cientistas têm buscado drogas mais eficazes. Peter Goadsby, professor de neurologia da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, seguiu por esse caminho e conquistou uma vitória importante recentemente.


Em sua pesquisa iniciada em 2008, o cientista americano identificou o papel da molécula calcitonina, ou CGRP, como desencadeadora da enxaqueca. Em parceria com outros especialistas, Goadsby observou que o nervo trigêmeo, presente no rosto e com função motora e sensitiva, libera a CGRP durante um ataque de enxaqueca. A partir de 2016, alguns medicamentos começaram a ser desenvolvidos para conter a liberação dessa molécula. Graças a esse efeito, o pesquisador recebeu, no mês passado, o prêmio Brain 2021, concedido a cientistas que se destacam na área neurológica (Leia Palavra de especialista).


Segundo o neurologista Luciano Talma, a descoberta abriu as portas para o surgimento de mais pesquisas sobre enxaqueca. “Estamos vivenciando um importante avanço no tratamento desse problema pelo advento das primeiras medicações desenvolvidas especificamente para essa finalidade. São medicações injetáveis, chamadas anti-CGRP, que são utilizadas uma vez ao mês e têm poucos efeitos adversos. Os remédios orais tradicionalmente usados, além de não serem específicos, costumam provocar mais danos colaterais”, explica o médico responsável pelo Ambulatório de Cefaleia do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB).


Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, conta que essa nova classe de medicamentos está disponível no Brasil, mas tem um custo alto, o que é uma barreira a ser superada. “Vivemos, com certeza, uma nova era em que não precisamos mais usar medicamentos de outra classe, como antidepressivos ou antiepilépticos, para tratar a enxaqueca. Agora, temos uma molécula que altera os mecanismos relacionados à enxaqueca e que pode ser a primeira de outras que surgirão e deverão também ser mais acessíveis.” (VS)

Palavra de especialista

Rumo à terceira geração

“À medida que entendemos como usar da melhor forma esses novos medicamentos anti-CGRP, aprenderemos a desenvolver remédios de terceira geração com, talvez, características diferentes em termos de absorção e distribuição no corpo. Vamos ter outras estratégias ainda mais eficientes para esse público. Também sou otimista quanto às terapias complementares. A acupuntura tem sido bastante estudada e parece ser uma opção eficaz para muitas pessoas, mas precisamos entender o porquê isso ocorre. Temos pesquisas feitas com a cannabis que, no começo, se mostraram promissoras, mas, agora, vemos já algumas evidências de que ela pode até piorar a crise em alguns pacientes. São temas muito interessantes, mas que precisamos ter cuidado ao apresentar. É necessário aguardar o surgimento de mais dados.”

Peter Goadsby, professor de neurologia da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia e ganhador do prêmio Brain 2021

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