O aguardado veredito da Justiça de Mineápolis contra o ex-policial branco Derek Chauvin, condenado pelo assassinato do segurança negro George Floyd, gerou uma onda de esperança entre os afro-americanos no avanço da luta antirracista. Mas depois da satisfação inicial, muitas vozes não tardaram em apontar que esse processo continua sendo um evento isolado. E as mortes de mais uma adolescente negra pela polícia, em Columbus (Ohio), e de um homem na Carolina do Norte foram encaradas como um exemplo de que o caminho ainda é longo.
Menos de 24 horas após a condenação de Chauvin, que poderá pegar uma pena de até 40 anos de prisão por ter asfixiado Floyd até a morte, manifestantes retornaram às ruas. Só que, agora, para cobrar investigações sobre as circunstâncias do assassinato de Ma’Khia Bryant, de 16 anos, que, aparentemente, atacava outra pessoa com uma faca. O crime ocorreu cerca de uma hora antes do anúncio do veredito de Mineápolis.
De acordo com o chefe de polícia de Columbus, Michael Woods, houve uma ligação de emergência, na terça-feira à tarde, de uma pessoa que temia ser atacada com uma arma branca. Foi divulgada parte da gravação da câmera usada pelo agente que matou a adolescente. Pensamos que era importante compartilhar com a comunidade, sermos transparentes sobre esse incidente”, declarou Woods.
As imagens mostram os policiais chegando a um local onde acontece uma briga, enquanto algumas pessoas observam, Uma adolescente ataca outra com o que parece ser uma faca, tiros são ouvidos e a jovem cai no chão.
O prefeito Andrew Ginther classificou a morte da jovem como uma situação “horrível e de comoção” e “um dia trágico para a cidade de Columbus”. Ginther, porém, considerou que o policial, cujo nome não foi divulgado, “atuou para proteger a outra jovem de nossa comunidade”.
Em Elizabeth City, na Carolina do Norte, Andrew Brown Jr. foi morto, ontem, por um policial que lhe entregava uma ordem de revista. Segundo a imprensa local, que cita testemunhas, Brown, 40 anos e pai de 10 filhos, levou um tiro enquanto se afastava dos policiais em seu carro. A família afirma que ele estava desarmado.
Antes mesmo desses dois episódios, causava clamor no país a recente morte de Daune Wright, um afro-americano de 22 anos, morto após ser baleado por um policial branco durante uma blitz de trânsito. O episódio ocorreu nos arredores de Mineápolis, em meio ao julgamento de Chauvin, o que elevou a tensão na cidade. O funeral de Wright está marcado para hoje.
Excessos investigados
Ontem, numa iniciativa percebida como desdobramento da condenação de Chauvin, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou que abrirá uma investigação civil sobre a polícia de Mineápolis. Separada do inquérito em andamento sobre o assassinato de George Floyd, a nova apuração examinará se a polícia municipal aplica uma política sistemática de força excessiva, mesmo durante protestos legais.
“Devemos continuar lutando por todas as minorias marginalizadas que perderam suas vidas para a brutalidade policial”, tuitou Ben Crump, advogado da família Floyd.
Para o presidente dos EUA, Joe Biden, o desfecho do processo judicial pode marcar “um grande passo à frente no caminho em direção à justiça nos Estados Unidos” e levar a mudanças significativas. “Os negros americanos, principalmente os homens negros, foram tratados neste país como se não fossem homens”, afirmou a vice-presidente Kamala Harris, ao lado de Biden durante pronunciamento na Casa Branca.
“Precisamos reformar o sistema”, insistiu ela, a primeira mulher e também afro-americana a ocupar o cargo. Biden e Harris pediram aos parlamentares que agissem mais rápido. Contudo, não será tarefa tranquila no Congresso. Republicanos e democratas ainda parecem longe de qualquer ação comum.
“Sabemos que a verdadeira justiça exige muito mais do que um único veredicto em um único julgamento”, ressaltou o ex-presidente Barack Obama, pedindo a continuação da luta para combater o racismo e a violência policial. “Não podemos parar por aí”, exortou o primeiro político negro a comandar a Casa Branca.
Nações Unidas
A condenação de Chauvin repercutiu nas Nações Unidas. Ao comentar o julgamento, Michelle Bachelet, alta comissária para os Direitos Humanos, ressaltou que qualquer veredito diferente da condenação do ex-policial “teria sido uma negação da justiça”. “Para inúmeras vítimas afro-americanas e suas famílias, nos Estados Unidos e em todo o mundo, a luta pela justiça continua. A batalha para conseguir levar à Justiça esses casos de uso excessivo da força ou de assassinato por parte da polícia e, ainda mais, ganhá-los, está muito longe de acabar”, acrescentou, em um comunicado.
Bachelet considerou que a impunidade dos policiais que matam e violam os direitos humanos deve acabar. Ela enfatizou ainda que medidas mais enérgicas devem ser tomadas para evitar “mais assassinatos arbitrários”. De modo mais geral, ela acredita que o caso Floyd demonstra “o quanto resta fazer para que o racismo sistêmico que afeta as vidas dos afrodescendentes diminua”.
“Como infelizmente constatamos nos últimos dias e semanas, as reformas das forças de segurança através dos Estados Unidos não são suficientes para impedir que as pessoas de origem africana sejam assassinadas”, afirmou Bachelet.
A morte de Floyd, há 11 meses, gerou protestos não só nos EUA, mas em várias partes do mundo. Causou indignação e revolta o vídeo que registrou Chauvin mantendo o joelho por mais de nove minutos sobre o pescoço de Floyd que implora: “Por favor, não consigo respirar”.
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