O pai de Kanwal Jeet Singh morreu na semana passada em uma ambulância enquanto era transportado de um hospital para outro. Niranjan Pal Singh tinha 58 anos e foi recusado ??por quatro hospitais por falta de leitos.
"Foi um dia de partir o coração", ele me disse ao telefone de sua casa na cidade de Kanpur, no estado de Uttar Pradesh, um dos mais afetados no país pela pandemia.
- Como o Vietnã conseguiu vencer o coronavírus, apesar do sistema de saúde precário
- Entenda a situação em Mianmar, onde manifestantes são massacrados enquanto militares golpistas festejam
"Se ele tivesse recebido tratamento na hora certa, teria sobrevivido. Mas ninguém nos ajudou, a polícia, as autoridades de saúde ou o governo."
Com um total de 851.620 infecções e 9.830 mortes desde o início da pandemia no ano passado, Uttar Pradesh não se saiu muito mal durante a primeira onda que devastou muitos outros estados. Mas a segunda o deixou à beira do abismo.
As autoridades afirmam que a situação está sob controle, apesar das imagens perturbadoras de centros de testes superlotados, hospitais recusando pacientes e piras funerárias ardendo 24 horas por dia na capital Lucknow e em outras cidades importantes, como Varanasi, Kanpur e Allahabad.
Com 240 milhões de habitantes, Uttar Pradesh é o estado mais populoso da Índia. Lar de um em cada seis indianos, se fosse um país separado, seria o quinto maior em população do mundo, atrás apenas da China, Índia, Estados Unidos e Indonésia — e maior do que o Paquistão e o Brasil.
Também é politicamente o mais importante da Índia — com o maior número de deputados (80) no Parlamento, incluindo o primeiro-ministro Narendra Modi. Mas essa influência política trouxe pouco desenvolvimento.
Uttar Pradesh tem milhares de novas infecções relatadas diariamente, embora os números reais sejam considerados muito maiores, e isso colocou a precária infraestrutura de saúde no centro das atenções.
Entre os enfermos estão o ministro-chefe do Estado, Yogi Adityanath, vários de seus colegas de gabinete, dezenas de funcionários do governo e centenas de médicos, enfermeiras e outros profissionais de saúde.
Nos últimos dias, conversei com dezenas de pessoas em todo o estado e ouvi histórias terríveis.
Vídeos compartilhados por um jornalista local em Kanpur mostram um homem doente deitado no chão no estacionamento do hospital Lala Lajpat Rai, administrado pelo governo. A pouca distância dali, um senhor idoso está sentado em um banco. Ambos têm covid-19, mas o hospital não tem leitos para acomodá-los.
Do lado de fora do hospital Kanshiram, que também é do governo, uma jovem chorou ao dizer que dois hospitais se recusaram a admitir sua mãe doente.
"Eles estão dizendo que ficaram sem leitos. Se você não tem uma cama, coloque-a no chão, mas pelo menos dê a ela um tratamento. Há muitos como ela. Já vi várias pessoas sendo rejeitadas. O ministro-chefe disse que há camas adequadas, por favor, mostre-me onde elas estão. Por favor, trate minha mãe", disse ela, soluçando inconsolável.
'Ninguém veio'
A situação em Lucknow é terrível. Sushil Kumar Srivastava foi fotografado sentado em seu carro, usando um cilindro de oxigênio, enquanto sua família desesperada o levava de um hospital para outro. Quando encontraram uma cama para ele, era tarde demais.
Um bilhete escrito à mão pelo juiz aposentado Ramesh Chandra pedindo ajuda depois que as autoridades não conseguiram remover o corpo de sua esposa de sua casa viralizou nas redes sociais.
"Minha mulher e eu estamos positivo para corona. Desde ontem de manhã, liguei para os números da linha de ajuda do governo pelo menos 50 vezes, mas ninguém veio entregar medicamentos ou nos levar ao hospital. Por causa da negligência do governo, minha esposa morreu esta manhã."
Pessoalmente, não é nenhuma surpresa para mim que Uttar Pradesh esteja tendo dificuldades para lidar com a pandemia, dadas as precárias instalações médicas do estado, onde fica minha aldeia-natal.
Conheço as dificuldades para encontrar um médico ou uma ambulância, mesmo em tempos normais. Com uma pandemia tão violenta, isso se tornou ainda mais difícil.
Na cidade sagrada de Varanasi, Vimal Kapoor perdeu a mãe de 70 anos, Nirmala, por causa da covid-19. Ele diz que a situação é "bhayavah" — assustadora.
"Vi muitas pessoas morrendo em ambulâncias. Os hospitais estão recusando pacientes, porque não há leitos, as farmácias ficaram sem remédios essenciais para a covid-19, e o oxigênio é escasso."
Kapoor disse que quando levou sua mãe para o local de cremação, ele encontrou uma pilha de corpos.
O custo da madeira para a pira subiu três vezes e a espera por um local para cremação, que era de 15 a 20 minutos em média, hoje leva 5 ou 6 horas.
"Nunca vi nada parecido antes. Para onde quer que se olhe, você vê ambulâncias e corpos", disse ele.
Histórias de mortes e de famílias devastadas pela covid-19 são abundantes enquanto as infecções continuam a crescer a galope.
Ativistas e políticos da oposição dizem que os dados oficiais não refletem a realidade. Eles acusam o estado de tentar reduzir a contagem de casos e mortes ao não testar o suficiente nem incluir os dados de laboratórios privados.
Parece haver mérito nessa acusação. Muitas pessoas com quem conversei disseram que não conseguiram fazer o teste ou que seus resultados positivos não foram registrados no site do governo estadual.
Ajay Singh, de 62 anos, enviou-me o relatório do teste positivo de sua mulher, que não é mencionado nos registros públicos.
E nem Niranjan Pal Singh, que morreu em Kanpur, nem Nirmala Kapoor, que morreu em Varanasi, foram incluídos na contagem do Estado de vítimas fatais da pandemia. Seus atestados de óbito não mencionavam a covid-19 como a causa da morte.
A mídia indiana também questionou os dados do governo, diante dos relatos de incompatibilidade entre o número oficial de mortes e os corpos nos crematórios em Lucknow e Varanasi.
Anshuman Rai, diretor do Heritage Hospitals, grupo privado de hospitais no estado, descreve a situação como "extraordinária".
"A razão pela qual os serviços estão colapsando é porque muitos profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiras, enfermeiras e técnicos de laboratório estão adoecendo. Devíamos estar trabalhando a 200%, mas não conseguimos nem 100%."
Os críticos, no entanto, culpam o estado e o governo federal por não terem previsto a segunda onda.
Eles dizem que houve uma calmaria entre setembro e fevereiro, quando os serviços de saúde e a infraestrutura poderiam ter sido ampliados, e Uttar Pradesh poderia ter criado bancos de oxigênio e estocado medicamentos.
E, com o vírus se espalhando rapidamente, as coisas não devem melhorar tão cedo.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.