CLIMA PESADO PARA O BRASIL
Os EUA são um país tão senhor de si que não respeitam quem rasteja em sua direção. Sua elite no poder percebe logo o aliado com futuro extraviado. E, como país duro na guerra, é impiedoso na sutileza do recado e da inflexão diplomática. A Cúpula do Clima foi um cala a boca para o governo do Brasil.
Sinal do esfacelamento da elite oficial brasileira aos olhos da diplomacia mundial e da evidência de que o governo não tem mais interlocução internacional, a Cúpula Virtual do Clima foi o mais duro recado que o Brasil já recebeu publicamente. Não há nenhum indicador comparativo que nos coloque em 20º lugar na hierarquia das nações como ocorreu. Nem se conhece desfeita tão ostensiva como o fato de o anfitrião se retirar na hora do discurso do convidado. Com autoridade sem credibilidade, não tem conversa. O Brasil foi tratado como intruso.
Noves fora a dificuldade que os EUA têm em fazer mea-culpa — por canais abertos — por terem dado corda para a pirotecnia político-judicial que hoje sufoca o Brasil, a Cúpula de Líderes para o Clima deixa claro que o mundo já se livrou de Trump e o Brasil segue deslocado do prumo. Mesmo entre a quase unanimidade de opinião de que a mudança na chefia do Itamaraty tirou o órgão do fundo do poço, há quem diga que o chanceler Carlos França não estaria talhado para a tarefa por ser mais afeito à área do cerimonial. Pois bem, foi o cerimonialista-chanceler que os EUA escolheram para explicar ao presidente do Brasil o que de fato aconteceu. Geopolitica se faz, também, em termos simbólicos, especialmente na estrutura dessa virtual cúpula onde quase tudo é cerimonial. Logo, ele deve, rapidamente, interpretar muito bem a mensagem de “chega para lá” que foi enviada ao Planalto.
Biden abriu o evento com a cúpula de sua diplomacia, fazendo com que Kamala Harris — por tudo o que ela representa e para o que está sendo preparada — falasse antes dele. Em seguida, ouviu de pronto o secretário-geral da ONU e os representantes dos dois maiores povos do planeta (China e Índia). Depois, honrou o Reino Unido — já fora da União Europeia — ao qual se somaram os outros dois aliados principais, Japão e Canadá. Dali pra frente, ouviu o restante dos Brics (menos, ostensivamente, o Brasil), mais os três maiores países da União Europeia.
Ouviu também a Indonésia, país que caminha para 300 milhões de habitantes e com problemas florestais parecidos com os do Brasil. Por último, ouviu o presidente das Ilhas Marshall, um território independente associado que conta com menos de 60 mil habitantes e sofre, desproporcionalmente, com a mudança climática que eleva o nível dos oceanos.
Nesse momento — de um modo entre o brusco e o jocoso — é informado que Biden se ausentará da sala, mas retornará.
Começa, então, a segunda classe de participações. Iniciada simbolicamente pela Argentina, país com menos de um quarto da população brasileira e um presidente herdeiro de tradição política que incomoda parte dos EUA por sua não submissão à hegemonia americana. Cavalheiros, leiam que a Argentina é, hoje, a melhor combinação entre importância e respeitabilidade na América Latina.
Depois de mais dois expositores, Bolsonaro leu sua mensagem — sem ser ouvido por Biden — entre representantes de dois regimes sui generis: Arábia Saudita e Butão. Falou após o rei saudita — a autocracia com a qual os EUA mantêm a relação mais paradoxal possível por razões de petróleo e guerra. País de importância geopolítica, mas que se os EUA cumprirem suas metas a favor do clima e dos direitos humanos, precisará se reinventar. Teve, inclusive, que dar a palavra ao rei Salman, já que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que de fato governa o país, está queimado, inclusive por se envolver em assassinato de jornalista dissidente.
A maldade principal é o enquadramento. Colocar na mesma foto a Arábia Saudita, como a cara do problema do CO2 por conta do petróleo, e o Brasil, como a cara do problema do metano por conta da agropecuária e do desmatamento, é um claro alerta de risco econômico monumental.
Não é por falta de aviso. É injusto com o Brasil? É. Mas o governo colhe o que planta. Afinal, quem achou que bastava hastear uma bandeira americana na frente do Planalto, se meter na eleição de lá para achincalhar a democracia brasileira e fazer o que dá na telha, ia acabar falando sem ser ouvido. Por enquanto, o nível é do cerimonial. Para o mercado de aventureiros, não tem importância, mas são de não-importâncias assim que o país vai perdendo o seu maior mercado, seu capital material e imaterial.
Paulo Delgado, sociólogo
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