Com mais de 1,3 bilhão de habitantes, a Índia enfrenta o período mais crítico da pandemia da covid-19. Há quatro dias consecutivos, o país regista recordes mundiais de infecções — o último balanço mostra 350 mil novos casos em 24 horas —, o aumento acelerado de mortes — 2.767 no mesmo período, o maior valor até então — e relatos cada vez mais dramáticos de hospitais superlotados. O agravamento da crise sanitária é tão grande que países começam a se mobilizar para ajudar o gigante asiático. A comunidade científica, por sua vez, está preocupada também com uma possível maior transmissibilidade de uma cepa do coronavírus identificada na região.
“A devastação do coronavírus continua e não há trégua”, admitiu ontem o chefe do governo da capital, Nova Délhi, Arvind Kejriwaly, que decidiu estender o confinamento na região por mais uma semana. Desde o começo da pandemia, o país que é um dos principais fabricantes de vacinas do mundo registrou 16,9 milhões casos de infecção pelo Sars-CoV-2 e 192 mil mortes, o que o coloca em quarto lugar em número de óbitos, atrás de EUA, Brasil e México.
São da Índia as imagens mais dramáticas da pandemia que circulam atualmente, com hospitais saturados de pacientes, onde um leito é dividido por até três pessoas. A falta de oxigênio e medicamentos tornou-se um problema constante. Shyam Narayan é um dos infectados pelo novo coronavírus que buscou auxílio em um hospital de Nova Délhi, mas sua família percebeu rapidamente que a sobrecarregada equipe médica não poderia ajudá-lo. A busca por assistência em outros centros de tratamento também não surtiu efeito. “Meu irmão tem cinco filhos. O que vou dizer à esposa dele?”, indagou Ram, irmão de Shyam, à Agência France-Presse (AFP) de notícias.
Agravantes
Especialistas acreditam que a nova onda de casos de covid-19 pode ter sido desencadeada por uma variante do Sars-CoV-2 identificada no país. Chamada de b.1 617, a cepa apresenta duas mutações na proteína spike, usada pelo vírus para invadir o organismo humano. Há a possibilidade de essa versão deixar o vírus mais transmissível. Bélgica, Suíça e Grécia já têm registros de infecção com a cepa indiana.
A falta de distanciamento social também é apontada como um agravante da situação do gigante asiático. No início deste mês, o festival religioso hindu Kumbh Mela, que inclui um mergulho em um dos principais rios do país, gerou aglomeração na cidade de Haridwar. De acordo com a imprensa local, o evento reuniu cerca de 2 milhões de pessoas. As autoridades locais não conseguiram conter o público — houve, inclusive, temores de pisoteamento ao longo da cerimônia.
Apoio internacional
Para ajudar a enfrentar a “tempestade”, nas palavras do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, União Europeia (UE), Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos anunciaram apoio. “Equipamentos médicos vitais, incluindo centenas de concentradores de oxigênio e ventiladores, estão, agora, viajando do Reino Unido para a Índia”, declarou ontem o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. A UE anunciou que se preparava para fornecer “assistência”, logo após a chanceler alemã, Angela Merkel, ter mencionado a necessidade de auxiliar os indianos.
Já o governo americano se comprometeu a enviar componentes para a produção de vacinas e equipamentos médicos. “Os Estados Unidos identificaram a origem de matéria-prima específica necessária para a fabricação na Índia de vacinas contra a covid-19 que será fornecida imediatamente àquele país”, indicou um comunicado divulgado pela Casa Branca. Emily Horne, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, declarou que foram separados “suprimentos terapêuticos, kits de teste de diagnóstico rápido, ventiladores e equipamentos de proteção individual que serão disponibilizados imediatamente à Índia”.
Há também um movimento de proteção interna. Várias nações fecharam as portas para viajantes vindos do país asiático, como Itália e Alemanha, exceto para os próprios cidadãos. O Kuwait anunciou, no sábado, a suspensão dos voos comerciais com a Índia. Os EUA, por sua vez, desaconselharam as viagens ao país, e o Canadá suspendeu por 30 dias os voos da Índia e do Paquistão.
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Incêndio em hospital mata ao menos 82
aUm incêndio em um hospital de Bagdá em que estavam pacientes com covid-19 resultou em ao menos 82 mortes e 110 feridos. O centro médico Ibn al-Khatib não tinha equipamentos de segurança, como extintores, o que agravou a tragédia. O caso provocou a suspensão do ministro da saúde iraquiano, Hassan al-Tamimi, e intensificou as críticas quanto ao agravamento da má gestão e da corrupção no país ao longo da pandemia.
O incêndio começou em cilindros de oxigênio “armazenados sem respeitar as condições de segurança”, segundo relatos de funcionários do hospital à Agência France-Presse (AFP) de notícias. “O hospital não tinha sistema de proteção contra incêndios, e os tetos falsos permitiram que o fogo se propagasse para produtos altamente inflamáveis”, declarou a Defesa Civil. Ainda de acordo com o órgão, “a maioria das vítimas morreu porque foi deslocada e privada de respiradores. E outras, sufocadas pela fumaça”.
Testemunhas relataram que a evacuação foi lenta e dolorosa, com pacientes e parentes se empurrando nas escadas de serviço e doentes agonizando quando os ventiladores eram abruptamente retirados. Sob anonimato, um médico do hospital contou que, na unidade de terapia intensiva (UTI) de covid, não havia saída de emergência ou sistema de combate a incêndios. “Funcionários andam fumando pelo hospital onde os cilindros de oxigênio são armazenados. Mesmo na UTI, sempre há dois ou três parentes ao lado do leito do doente”, denunciou a fonte, que garantiu que o cenário se repete em outros hospitais.
Pelo Twitter, o presidente da República, Barham Saleh, reconheceu as falhas: “A tragédia de Ibn al-Khatib é o resultado de anos de enfraquecimento das instituições do Estado por meio da corrupção e da má administração”, escreveu. O primeiro-ministro iraquiano, Mustafa Al Kazimi, anunciou a abertura de “uma investigação imediata”, cujos resultados devem sair em cinco dias.
Orçamento mínimo
Até a década de 1980, o Iraque, um dos países mais ricos em petróleo do mundo, era reconhecido pelo serviço de saúde público gratuito e de alta qualidade. Hoje, o orçamento da pasta não chega a 2%. Os casos de covid, por sua vez, aumentam desde o início do ano em ritmo acelerado. São mais de 1 milhão de infectados e 15 mil mortes, segundo a OMS.