O anúncio foi feito por Andy Slavitt, conselheiro da Casa Branca para a resposta à pandemia da covid-19. “Os Estados Unidos vão liberar 60 milhões de doses da AstraZeneca para outros países assim que elas estiverem disponíveis”, escreveu, em seu perfil no Twitter. “A todos aqueles que, de forma compreensível, dizem que ‘era hora’ ou que questionam ‘o que estávamos esperando’, afirmou que, neste momento, ainda são poucas (as doses) disponíveis. Nenhum tempo real foi perdido”, acrescentou. A decisão de partilhar as doses ocorre em meio a críticas de que os EUA retêm doses, enquanto várias nações precisam desesperadamente do imunizante. Uma funcionária do governo Joe Biden revelou a repórteres que as primeiras 10 milhões de doses podem ser disponibilizadas “nas próximas semanas”. Tudo depende de uma inspeção de qualidade da FDA, o órgão regulador de medicamentos dos EUA similar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Há cerca de 50 milhões de doses adicionais que estão em vários estágios de produção e podem ser concluídas em fases ao longo de maio e junho.”
Do outro lado do Atlântico, a AstraZeneca também é alvo de polêmica: a União Europeia decidiu processar a farmacêutica anglo-sueca por atraso na entrega de doses. “Nós acreditamos que qualquer litígio é desprovido de mérito e saudamos esta oportunidade para resolver esta disputa o mais breve possível”, reagiu a companhia, em nota oficial. Segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), a audiência em um tribunal de primeira instância francófono de Bruxelas está agendada para amanhã.
Marc Lipsitch — epidemiologista e diretor do Centro de Dinâmica de Doenças Transmissíveis da Universidade de Harvard — disse ao Correio que a decisão de Biden de partilhar as vacinas “é a coisa certa a ser feita”. “É claro que 60 milhões de doses, por si só, não vão resolver o problema do resto do mundo. Mas, isso vai ajudar, e é apropriado que os Estados Unidos compartilhem as vacinas”, afirmou. Até o fechamento desta edição, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) contabilizava 141 milhões de pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina contra a covid-19 nos EUA, incluindo 95,9 milhões totalmente imunizadas.
A Casa Branca não divulgou quais países teriam prioridade para receber as doses da AstraZeneca. A julgar pela conversa telefônica que o preisdente Joe Biden manteve, ontem, com o primeiro-ministro Narendra Modi, a Índia é um dos principais candidatos. “O presidente prometeu apoio resoluto ao povo da Índia, impactado pelo recente aumento dos casos da covid-19. Em resposta, os EUA fornecerão uma variedade de assistência emergencial, incluindo suprimentos de oxigênio, materiais para vacinas e terapêuticos. O premiê Modi agradeceu a forte cooperação entre os países”, afirma nota. Ontem, a Índia registrou mais de 300 mil casos de infecção pela covid-19.
Ação judicial
Stella Kyriakides, comissária europeia para a Saúde, justificou a decisão de acionar na Justiça a AstraZeneca. “Nossa prioridade é garantir que as entregas de vacinas contra a covid-19 ocorram para proteger a saúde da União Europeia. Por isso, a Comissão Europeia decidiu, juntamente com todos os Estados-membros, apresentar uma ação judicial contra a AstraZeneca. Cada dose da vacina conta. Cada dose da vacina salva vidas”, escreveu em uma rede social. Um porta-voz da Comissão Europeia (órgão executivo da UE) disse à agência France-Presse que “os termos do contrato não foram respeitados, e a empresa não está em condições de aplicar uma estratégia confiável para garantir as entregas no prazo fixado”. Segundo o porta-voz, a ação judicial “foi tomada em nome dos 27 países-membros, que concordam, de forma unânime”, com a decisão.
A AstraZeneca, por sua vez, assegurou que “honrou totalmente” o contrato com Bruxelas e culpou entraves técnicos pelo atraso. “Vacinas são difíceis de fabricar. (…) Estamos avançando para atender aos desafios técnicos e nossa produção está melhorando”, explicou o laboratório.
Professor da Universidade Católica de Lovaina (em Louvain-la-Neuve, na Bélgica) e advogado especializado em litígios contratuais , Geert Van Calster afirmou ao Correio que muitos especialistas veem a decisão da União Europeia contra a AstraZeneca como uma “escalada”. “Isso pode ser interpretado como um relaxamento do imbróglio. Ao levar o caso aos tribunais, a União Europeia sinaliza que se trata simplesmente de um contrato que precisa ser cumprido, tal como qualquer contrato”, lembrou. “A Comissão Europeia tenta fazer com que as Cortes belgas confirmem o que sugere serem claras implicações do contrato, em particular em relação a uma parte proporcional das vacinas fabricadas fora da UE, que, segundo ela, precisam ser exportadas para o bloco.”
Demora sem explicação
Em contrato, a farmacêutica AstraZeneca comprometeu-se a entregar à União Europeia (UE) 300 milhões de doses de vacina contra a covid-19 até o fim de junho. Até 31 de março, a companhia tinha fornecido somente 30 milhões e entregaria mais 70 milhões no prazo combinado. Com isso, apenas 100 milhões das 300 milhões de doses acordadas seriam repassadas ao bloco. No primeiro trimestre, a promessa da AstraZeneca era de enviar 120 milhões de doses; no segundo trimestre, outras 180 milhões de doses. O contrato da UE com a AstraZeneca, cuja versão censurada foi tornada pública, é um documento regido pela lei belga, no qual o laboratório, a Comissão e os países do bloco se comprometem a resolver eventuais litígios “perante a jurisdição exclusiva dos tribunais estabelecidos em Bruxelas”.
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“Os tribunais belgas aplicarão um rápido procedimento que somente discutirá as claras implicações do contrato firmado entre a União Europeia e a farmacêutica AstraZeneca. É claro que isso pode ser apelado mais tarde. Vencer a primeira etapa é importante, e isso pode ser feito em sete a 10 semanas. Posteriormente, o processo de apelação levará muito mais tempo.” Geert Van Calster, advogado belga especializado em litígios contratuais.
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