Politica

Doutor Afridi, o bode expiatório na morte de Bin Laden no Paquistão

O papel exato do médico na identificação de Bin Laden não está claramente estabelecido. Mas ele foi detido pelas autoridades paquistanesas poucas semanas depois

Agência France-Presse
postado em 28/04/2021 11:31 / atualizado em 28/04/2021 11:31
 (crédito: MOHAMMAD RAUF)
(crédito: MOHAMMAD RAUF)

Considerado um herói nos Estados Unidos, mas criticado como um traidor no Paquistão, o doutor Shakeel Afridi pagou um preço elevado por seu papel na morte de Osama Bin Laden. Dez anos depois, seu sofrimento está longe do fim.

Ao organizar uma campanha falsa de vacinação contra a hepatite, este médico paquistanês ajudou a CIA a localizar Bin Laden em Abbottabad, norte do Paquistão, onde o líder da Al-Qaeda foi morto pelas forças especiais americanas em 2 de maio de 2011.

Detido desde então, o doutor Afridi está isolado em uma prisão da província de Punjab. E nada indica que um dia será absolvido pela justiça paquistanesa.

"Sejamos claros: Afridi pagou o maior preço pelo ataque contra Bin Laden", explica à AFP Michael Kugelman, diretor adjunto para a Ásia do Wilson Center de Washington.

"Ele virou o bode expiatório", completa.

A AFP reconstituiu a vida diária de Afridi graças a entrevistas com seu irmão e seu advogado, pois o médico não está autorizado a falar com ninguém, exceto parentes e sua equipe de defesa.

Para manter a forma física, ele caminha pela cela (dois metros de comprimento por dois metros de largura) e faz abdominais, de acordo com a família. Ele tem um exemplar do Corão, mas não tem direito a nenhum outro livro.

Algumas vezes por semana ele faz a barba na presença de um guarda, mas não está autorizado a ter qualquer contato com os demais detentos.

Os integrantes da família podem visitá-lo duas vezes por mês, mas devem permanecer atrás de uma grande de metal e não podem conversar com ele em pashtun, seu idioma materno.

'Dar o exemplo'


"As autoridades penitenciárias afirmaram que não podemos falar de política, nem da situação na prisão", conta o irmão Jamil Afridi.

Natural das zonas tribais do noroeste do Paquistão, o médico estava bem posicionado, com seu conhecimento do pashtun, para ajudar a CIA, que se aproximava do esconderijo de Bin Laden.

A agência de inteligência americana precisava apenas de uma prova material da presença em Abbottabad do cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001. Por isto solicitou a Shakeel Afridi que iniciasse uma campanha falsa de vacinação para obter uma amostra de DNA de uma pessoa que morava na residência.

O papel exato do médico na identificação de Bin Laden não está claramente estabelecido. Mas ele foi detido pelas autoridades paquistanesas poucas semanas depois.

Nunca foi condenado por uma acusação relacionada à morte de Bin Laden. Mas recebeu uma pena de 33 anos de prisão por ter financiado um grupo extremista, com base em uma lei obscura da era colonial.

Os sucessivos governos dos Estados Unidos protestaram contra a situação. Uma eventual troca de prisioneiros foi contemplada, mas um acordo não foi alcançado.

"Hoje é mantido na prisão para dar o exemplo a cada paquistanês de não cooperar com uma agência de inteligência ocidental", afirmou à AFP Husain Haqqani, que era embaixador do Paquistão nos Estados Unidos em 2001.

Esquecido 


"Ao invés de falar a verdade sobre a presença de Bin Laden no Paquistão, as autoridades transformaram o doutor Afridi em um bode expiatório", completa.

O 10º aniversário da morte de Bin Laden acontece poucas semanas depois de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmar a retirada completa do Afeganistão das tropas americanas até 11 de setembro.

Ao justificar a retirada, Biden citou a morte de Bin Laden como a prova, na sua opinião, de que o país cumpriu há muito tempo o objetivo inicial da invasão do Afeganistão.

Como era de esperar, ele não mencionou o nome de Shakeel Afridi.

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