Em 1940, Hattie McDaniel se tornou a primeira pessoa negra a ser indicada e vencer um Oscar, ela ganhou o prêmio de Melhor atriz coadjuvante pelo papel de Mammy em ...E o vento levou. Considerando que esta vitória foi há mais de 80 anos, é possível pensar que muitos profissionais negros do cinema já venceram o prêmio, mas, infelizmente, a integração do artista negro é lenta e árdua. Aos poucos, os resultados dessa luta aparacem.
Filmes dirigidos, escritos e interpretados por pessoas negras estão recebendo espaço, não só em premiações, mas também em bilheteria. É o que atesta Pantera Negra, o primeiro longa de super-herói com um protagonista negro e uma crítica ao colonialismo e ao racismo, que é a maior bilheteria da história dos Estados Unidos, e uma das maiores do planeta. Arrecadando mundialmente mais de US$ 2 bilhões, fez sucesso levando quatro estatuetas no Oscar.
Para Sabrina Fidalgo, diretora do curta Alfazema, premiado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, todo o aumento da representatividade negra no cinema dos EUA é fruto de um processo antigo de luta pelos direitos. “Estados Unidos têm um histórico de diversidade muito mais potente, muito mais antigo. Até por conta de todas as lutas, desde os anos 1960 com a questão dos Panteras Negras e dos direitos civis. A questão da diversidade e da inclusão lá vem de muito antes”, afirma a diretora em entrevista ao Correio.
A diretora afirma que é um grande avanço ter profissionais negros concorrendo e sendo premiados no meio audiovisual norte-americano. Para ela, toda visibilidade também é fruto de uma conquista de espaço e de poder. “A diversidade também é muito sobre estar nesse lugar de poder atrás das câmeras. Porque, se tiver gente preta, indígenas, mulheres atrás das câmeras, há muito mais possibilidade de ter à frente das câmeras, é um efeito colateral óbvio”, pontua.
Investimento
O Brasil está mais longe ainda de uma representatividade negra ideal nas telas. “A gente ainda não tem nada, nem uma diretora negra que tenha realizado um longa de ficção depois de Adélia Sampaio, que foi, até agora, a primeira e única mulher negra a ter um filme de ficção longa-metragem com distribuição nos cinemas, sendo que o filme é de 1984”, analisa Sabrina Fidalgo. “O que falta no Brasil é investimento, é realmente a branquitude entender o racismo estrutural e se entender nesse lugar de privilegiados e de racistas”, acrescenta.
A cineasta, no entanto, afirma que a cobrança vem. “Todas as pessoas não brancas, que formam a grande maioria do Brasil, estão cansadas e querem se ver. Não se aguenta mais essa reprodução de um padrão estético estabelecido, que não tem nada a ver com a nossa realidade”, pontua Sabrina. No entanto, a diretora acredita que há uma luz no fim do túnel. “Eu consigo, apesar de tudo, ser otimista. Acho que, aos poucos, estamos avançando. Mas acho que algo que depende muito menos de quem faz o cinema, mas, sim, de quem detém o capital, de quem banca”, avalia.
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Ainda menos representados
Recentemente, três filmes chamaram a atenção nas plataformas de streaming, Fuja e Crip Camp: Revolução pela inclusão, na Netflix, e Som do silêncio, na Amazon Prime Video. Os três tratam de um tema em comum, mostrar histórias de pessoas com deficiência (PcD). O fato levantou a discussão de como essas pessoas têm sido representadas no cinema.
Fuja é um thriller com personagens cadeirantes, Som do silêncio conta a história de um músico que entra em processo de surdez e Crip Camp é um documentário que destaca a luta por igualdade de jovens com deficiência em um movimento que marcou a história. Para Isabela Albuquerque, ativista PcD que faz postagens de conscientização nas redes sociais, Crip Camp ter recebido tanta notoriedade e até concorrer ao Oscar é muito importante. “Muitas vezes, o preconceito nos atinge de forma tão forte que somos levados a pensar que nossas aspirações devem ser limitadas. Essas indicações ao Oscar, e o fato de nos vermos na telona, é uma prova de que podemos chegar a qualquer lugar”, reflete Isabela.
“Acredito que é um momento de mudança muito importante, algo nunca visto antes. Crip Camp transpôs diversas barreiras de uma única vez. A escolha da temática, e a forma em que ele foi produzido, é um marco na história do cinema. É a primeira vez em que vimos pessoas com deficiência contarem a própria história, com seus próprios parâmetros e sem filtros”, afirma ativista. “Ver uma figura histórica para as PCDs como Judy Heumann em sua cadeira de rodas, atravessando o tapete vermelho como uma estrela de cinema foi memorável.”, completa.
Entretanto, Isabela pontua que ainda há muito capacitismo, preconceito com pessoas com deficiência, na indústria cinematográfica. “Em algum nível, reflete a sociedade como um todo, e atualmente, o capacitismo ainda é muito forte. É um ciclo vicioso, onde a indústria não insere pessoas com deficiência em seu nicho, porque as consideram menos competentes; e não as inclui em suas histórias, porque não as consideram interessantes o suficiente”, comenta Albuquerque.
A ativista também vê como problemático o fato de Som do silêncio e tantos outros filmes usarem atores sem deficiência para interpretar pessoas com deficiência. “O problema é o fato de que existem atores com deficiência altamente qualificados, e apesar disso, os produtores escolhem pessoas sem deficiência para esses papéis”. Ela adiciona explicando que isso pode ser considerado um tipo de capacitismo, o cripface. “O cripface tem origem em um outro mais conhecido, o blackface — quando, no passado, personagens negros eram interpretados por pessoas brancas com os seus rostos pintados. Atualmente, o blackface é considerado uma forma de racismo e não é mais admitido”, explica Isabela.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira