Santiago e Marcelo são dois dos pelo menos 24 mortos durante os protestos que tomaram as ruas da Colômbia na última semana e deixaram cerca de 800 feridos.
Ambos eram jovens, estavam prestes a concluir o ensino médio e entrar para a universidade.
E foram atingidos por disparos da polícia em meio à onda de manifestações registradas na Colômbia desde 28 de abril contra o projeto de reforma tributária do governo Iván Duque.
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O presidente já retirou o projeto, e o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, apresentou seu pedido de demissão na segunda-feira (03/05).
Os pais dos dois jovens exigem justiça. Um pedido que visa não só a polícia, mas também as Forças Armadas e o próprio presidente Duque.
Injustiça
Marcelo decidiu sair às ruas para protestar contra a reforma tributária "cansado de tanto abuso", conta seu pai, Armando Agredo, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
A família mora em Cali, capital do Vale do Cauca (no sudoeste do país) que foi o grande epicentro das manifestações.
"Marcelo tinha 16 anos quando foi baleado. Meu filho não tinha absolutamente nada na mão, nenhuma arma. Ele não era uma ameaça. Como podem tirar a vida de uma pessoa indefesa? Por isso, pedimos justiça", desabafa o pai .
Agredo conta que o filho deu um pontapé em um policial que se aproximava do grupo de manifestantes e isso fez com que ele sacasse a arma.
"Não se justifica. Um pontapé não justifica atirar para matar um rapaz saudável, desarmado. Um pontapé não é para tirar a vida de um ser humano", acrescenta.
La familia de Marcelo es oriunda de Barbacoas, Nariño, y vive en Cali. En redes sociales, Marcelo demostraba su afición por los deportes. Familiares y amigos han expresado sus condolencias por la partida del joven. Aún no hay pronunciamiento de las autoridades en Cali. pic.twitter.com/rZlTfBlBkG
— Cuestión Pública (@cuestion_p) April 29, 2021
Segundo ele, "é infame que matem jovens desarmados".
"É um abuso de autoridade de uma pessoa que tinha um revólver quando meu filho não tinha absolutamente nada", conclui.
Por sua vez, Miguel Murillo, pai de Santiago, tampouco encontra justificativa para o tiro no peito que acabou com a vida de seu filho em Ibagué, capital do departamento de Tolima (a oeste do país).
"O meu filho já estava indo para casa, não estava em nenhuma passeata. As testemunhas me contaram que passou um tanque perto delas, alguém atirou uma pedra e os policiais saíram. Não sei porque reagiram dessa forma para atingir Santiago com uma bala", diz ele.
O pai descreveu o ocorrido como um episódio "cruel" e acrescentou que, mesmo que não tivesse ocorrido com seu filho, merecia todo repúdio.
"Eles não têm o direito de fazer o que fazem. O pior é que nesse país você vê isso o tempo todo. Há muitos crimes semelhantes que já foram cometidos, matar jovens causa muita dor nas famílias", declara.
No relatório da Defensoria Pública sobre as causas das mortes, consta que tanto Marcelo quanto Santiago perderam a vida por armas de fogo.
Onze das mortes confirmadas oficialmente durante os protestos ocorreram em Cali, mas também foram registrados óbitos nas cidades de Bogotá, Ibagué, Madrid, Medellín, Neiva, Pereira, Soacha e Yumbo. A maioria dos mortos e feridos são jovens.
'Terroristas'
O governo Duque tratou as manifestações contra a reforma tributária e outros problemas que assolam a Colômbia como uma "ameaça terrorista".
Foi o que sugeriu na segunda-feira o ministro da Defesa, Diego Molano, que culpou dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército da Libertação Nacional (ELN) pelos "atos premeditados".
"Estes grupos terroristas têm planos de assassinar nossos policiais, já mataram o capitão Jesús Alberto Solano, em Soacha. Deram ordem para queimá-los", declarou a autoridade governamental.
Molano destacou ainda a atuação do Esquadrão Móvel Antimotim (ESMAD), unidade policial criticada nos últimos anos pelo uso excessivo da força em suas operações e que é apontada como responsável pelos mortos e feridos nos últimos dias.
Por sua vez, o presidente Iván Duque reafirmou no domingo que não retiraria os policiais armados das áreas ainda afetadas pelo que ele chama de "atos de vandalismo".
Tenemos un grito desgarrado clavado en el corazón, el grito de la mamá de Santiago Andres Murillo, el jovencito de 19 años asesinado por la policía en Ibagué, "era mi único hijo, mátenme a mi también".
— Jose Guarnizo (@JoseGuarnizoA) May 2, 2021
Quién puede dormir después de eso. pic.twitter.com/zahJArvd66
Ao mesmo tempo, diferentes organizações que participam dos protestos anunciaram que não sairão das ruas apesar da decisão do governo de retirar a proposta de reforma tributária.
História que se repete
Dilan Cruz morreu em novembro de 2019 aos 18 anos, também em meio a uma onda de protestos e nas mãos da polícia.
Da noite para o dia, seu rosto estava por toda parte: cartazes, faixas, paredes... e se tornou uma das bandeiras dos manifestantes colombianos, muitos dos quais voltaram às ruas na última semana.
O caso dele é visto pelos manifestantes como símbolo da impunidade supostamente desfrutada pelas forças de segurança colombianas que foram acusadas, por exemplo, de estuprar menores, executar civis e fazê-los passar por guerrilheiros.
Por isso, os pais de Santiago e Marcelo afirmam que não vão desistir de tentar fazer justiça para seus filhos.
"Muitos meninos foram mortos e isso tem que parar. É preciso aplicar punições e mudar o treinamento dos policiais para prevenir esses crimes", avalia Miguel Murillo.
O pai de Santiago acrescenta que o presidente Duque "deveria se colocar no lugar das vítimas".
"Ele também deve ter filhos e por isso deveria colocar um freio em tanta violência que deixa tantos mortos. O governo tem tudo nas mãos. Se não houver punição, os policiais vão continuar matando sem medo", afirma.
Armando Agredo, pai de Marcelo, também defende que os protestos sociais não podem mais levar à morte de jovens.
"Estamos falando de massacres e não deveria ser assim. Tem que haver justiça, e os responsáveis ??têm que ir para a cadeia. O quanto antes", conclui.
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