A linha da evolução humana começa a ser traçada por Charles Darwin em 1871, quando o cientista inglês especula que o homem originou na África de algum ancestral diferente de qualquer espécie que hoje habita a Terra. Por muito tempo, desde então, as muitas bifurcações desse caminho que está longe de ser reto foram adicionadas com a descoberta de fósseis e objetos, que não apenas sugerem possíveis antepassados, mas a forma como viviam e se relacionavam uns com os outros.
Nos anos 1940, a técnica da datação do carbono, método empregado ainda hoje para estimar idades de materiais que contêm o elemento químico (Leia Para saber mais), levou o estudo das origens do homem para um patamar além do especulativo. Porém, ainda que um grande avanço científico, a abordagem tem limitações, incluindo as incertezas sobre amostras com mais de 40 mil anos. Sem contar, é claro, que o cálculo do tempo de decaimento de carbono não diz nada sobre conexões genéticas entre espécies. Agora, contudo, novas tecnologias permitem ir muito além do conhecimento acumulado até as décadas passadas e começam a dar uma nova interpretação à história da humanidade.
Graças a esses avanços, peças que estavam, há tempos, dentro de gavetas dos museus começam a ser estudadas, trazendo à luz informações que, até então, jaziam sob montes de poeira. É o caso de conchas e cascas de ovo de avestruz, um material amplamente encontrado nos “lixões” de sítios arqueológicos da África, mas que, pela fragilidade de métodos anteriores, não haviam rendido grandes descobertas. Esses resquícios são muito comuns, mas impossíveis de serem estudados com precisão pelo carbono-14.
Na semana passada, geocronologistas (cientistas da Terra especializados em determinar a idade de objetos) da Universidade da Califórnia, câmpus de Berkeley, publicaram um artigo na revista Pnas descrevendo descobertas feitas nesses materiais graças a uma técnica desenvolvida por eles. Segundo os pesquisadores, foi possível determinar com precisão quando o Homo sapiens começou a adaptar sua dieta na costa africana, em resposta a alterações na flora e na fauna.
Eles descobriram que, há pelo menos 120 mil anos, o homem moderno (que surgiu há aproximadamente 200 mil anos) ocupava áreas próximas ao mar onde hoje é a Cidade do Cabo, consumia recursos marinhos e ovos de avestruz e tinha familiaridade com comportamentos adaptativos complexos. A técnica também permitiu datar três dentes de hominídeos encontrados próximos ao lixo, composto pelos restos de conchas e cascas. Descobriu-se que os fósseis de Homo sapiens são os mais antigos já recuperados no sul da África — no continente, existem exemplares da espécie bem mais velhos que isso, porém esses se encontram no norte e nordeste.
A técnica empregada no lixão a 4m do nível do solo — conhecido como Ysterfontein 1 — utiliza a datação por urânio-tório, aliada a um tipo de laser e à espectrometria de massa. “A razão pela qual isso (a descoberta) é empolgante é que esse local não poderia ser datado por radiocarbono porque é muito antigo”, diz Elizabeth Niespolo, pesquisadora de pós-doutorado, observando que há muito mais sítios desse tipo em torno da África, em particular, nas áreas costeiras da África do Sul.
“Esse é o primeiro corpo de dados publicado que mostra que podemos obter resultados realmente coerentes para coisas bem fora da faixa de radiocarbono, cerca de 120 mil anos atrás, no nosso caso”, diz o arqueólogo Graham Avery, coautor do estudo. Resolvido o problema da idade do material, o cientista explica o que a tecnologia revelou. “Podemos, agora, dizer que, nessa época e nesse local, o Homo sapiens desenvolvia comportamentos complexos, como territorialidade e competição intergrupal, bem como cooperação entre grupos não parentes. Essas mudanças podem ser em razão do fato de que os grupos estavam em transição de caçadores-coletores para populações assentadas, graças a fontes estáveis de proteína de alta qualidade, moluscos e mamíferos marinhos, além dos ovos de avestruz.”
Arqueogenética
Se houve avanços nas tecnologias de datação que apostam no tempo de decaimento de elementos químicos, o mesmo tem ocorrido com os métodos baseados em DNA. A pesquisa bioarqueológica em restos humanos e em animais escavados por arqueólogos tem se tornado cada vez mais importante nas últimas décadas — um número significativo de exames de biologia molecular é empregado, hoje, nessa área. Um dos campos mais importantes do tipo é a arqueogenética, pois o estudo do antigo material genético pode ajudar a entender melhor tanto a evolução humana quanto questões históricas sobre as populações de períodos arqueológicos posteriores.
As primeiras pesquisas arcaicas de DNA (aDNA) começaram na década de 1980, mas os verdadeiros avanços metodológicos vieram após a virada do milênio, quando métodos de sequenciamento de última geração permitiram, por exemplo, conhecer mais de 60% do genoma do Neandertal, preservado no núcleo celular. Porém, essas análises podem destruir o material estudado, o que é preocupante do ponto de vista da conservação do patrimônio. Agora, uma equipe internacional de pesquisadores das universidades de Viena e de Harvard desenvolveu vários novos métodos para minimizar os danos aos fósseis associados à amostragem.
A pesquisa mais recente do grupo foi publicada na revista Genome Research. Segundo os autores, o novo método reduz significativamente a extensão dos danos nos materiais usados para as descobertas científicas. A tecnologia consiste em dissolver o conteúdo de DNA do fragmento da raiz do dente, rico em cemento celular, por imersão em uma solução especial. A qualidade da amostra é a mesma que a obtida pela técnica de perfuração e pulverização óssea.
A principal vantagem é que o dente sofre danos mínimos, deixando sua estrutura intacta não só morfologicamente, mas também histologicamente, enquanto sua composição química inalterada permite a realização de testes isotópicos subsequentes (por estrôncio ou C14). “A única mudança perceptível é o desbotamento ou o branqueamento da cor da raiz do dente”, diz Tamas Hajdu, chefe do grupo de pesquisa húngaro e professor-assistente no Departamento de Antropologia da Universidade Eötvös Loránd.
A importância do novo método de amostragem, portanto, reside em seu efeito destrutivo mínimo, afirma Hadju. “Isso pode ser particularmente importante nos casos em que apenas alguns dentes remanescentes foram preservados de um determinado período e local, que pode ter dezenas de milhares de anos, e a amostragem destrutiva deles impediria completamente a análise subsequente”, defende o cientista.
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Foco nos resíduos
O radiocarbono presente nas moléculas de dióxido de carbono atmosférico entra no ciclo biológico do carbono: é absorvido do ar pelas plantas e, em seguida, passado aos animais por meio da cadeia alimentar.
Ele se decompõe lentamente em um organismo vivo, e a quantidade perdida é continuamente reabastecida, desde que se inspire ar ou se alimente. Quando o organismo morre, porém, ele deixa de absorver o carbono-14, de modo que a quantidade do isótopo em seus tecidos diminui constantemente.
O carbono-14 tem meia-vida de 5.730 — ou seja, metade da quantidade do radioisótopo presente em qualquer momento sofrerá desintegração espontânea durante os 5.730 anos seguintes. Como o carbono-14 se decompõe a essa taxa constante, uma estimativa da data em que um organismo morreu pode ser feita medindo-se a quantidade de seu radiocarbono residual.