ORIENTE MÉDIO

"A cada bombardeio, nossa casa chacoalha", diz testemunha sobre ataques no Oriente Médio

Confrontos na Esplanada das Mesquitas, o terceiro local mais sagrado do islã, em Jerusalém, deixam 331 palestinos feridos. Após ultimato, Hamas dispara 150 foguetes, e Israel reage com bombardeio na Faixa de Gaza, matando 20 pessoas e ferindo 65

Rodrigo Craveiro
postado em 11/05/2021 06:00
Próximo à Mesquita de Al-Aqsa, árabes correm para se protegerem do gás lacrimogêneo disparado pela polícia de Jerusalém: incidentes repetitivos -  (crédito: Ahmad Gharabli/AFP)
Próximo à Mesquita de Al-Aqsa, árabes correm para se protegerem do gás lacrimogêneo disparado pela polícia de Jerusalém: incidentes repetitivos - (crédito: Ahmad Gharabli/AFP)

Ao lado dos pais e da irmã, Sarah Saftawi, 23 anos, se apegava à fé, em Al Sudanya, bairro da Cidade de Gaza. Passava das 22h10 (16h10 em Brasília), quando Israel bombardeava o norte do enclave palestino. “O céu está repleto de caças F-16. Nós os escutamos o tempo todo. A cada bombardeio, nossa casa chacoalha. A cada 10 minutos, escutamos uma explosão ou o lançamento de foguetes”, contou ao Correio. Até o fechamento desta edição, os ataques aéreos israelenses tinham deixado 20 mortos, incluindo nove crianças, e 65 feridos. Horas antes, Sarah não se conteve ao assistir às imagens dos confrontos na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental, o terceiro local mais sagrado para o islã.

Pelo menos 331 palestinos ficaram feridos depois que a polícia de Israel disparou granadas de efeito moral, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Os árabes lançaram pedras contra os policiais e ergueram barricadas, durante protesto em que exigiam o cancelamento de uma marcha ultranacionalista dos judeus. A tensão coincidiu com o Dia de Jerusalém — data que marca a tomada de Jerusalém Oriental pelo Exército judeu. A marcha teve o roteiro alterado, para evitar se aproximar da Cidade Velha de Jerusalém.

O movimento fundamentalista islâmico Hamas exigiu que os policiais deixassem a Esplanada das Mesquitas e o bairro Sheikh Jarrah, possível alvo de desocupação, até o meio-dia (18h em Brasília). Exatamente às 18h, o Hamas começou a disparar mais de 150 foguetes em direção a Israel. A maior parte dos projéteis foi interceptada pelo escudo antimísseis Domo de Ferro, sem deixar vítimas. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, advertiu que o Hamas cruzou uma linha vermelha e pagaria alto preço. Ele elogiou a atuação das forças de segurança para garantir a “estabilidade” em Jerusalém. Os EUA e a União Europeia exortaram os dois lados a reduzirem a tensão. Um dos palestinos mortos em Beit Hanun (norte de Gaza) é Muhammad Fayad, líder da ala armada do Hamas.

Em Ashkelon, no sul de Israel, a britânica Beverly Jamil, 58, o marido e os dois cães se refugiavam no “Mamad”, aposento revestido com concreto de 1m de espessura. “É assustador. Provavelmente, não dormiremos à noite”, afirmou, pelo WhatsApp, por volta das 16h. “Acabo de escutar oito explosões. Temo uma escalada. Nessa situação, tenho que pensar antes de fazer qualquer coisa. Posso tomar banho? E se eu estiver dirigindo e a sirene antiaérea começar a tocar? Geralmente, temos apenas 30 segundos para buscar um local seguro.” Beverly vive em Israel desde 1981.

“Zona de guerra”

Chefe do Departamento Político da Embaixada de Israel, David Atar culpou o cancelamento das eleições por parte do presidente palestino, Mahmud Abbas, e disse acreditar que o incidente na Esplanada das Mesquitas foi usado como cortina de fumaça. O diplomata acusou alguns palestinos de armazenaram pedras e erguerem barricadas, além de lançarem rochas e fogos de artifício em direção ao Muro das Lamentações, ao lado, onde centenas de judeus oravam. “Os palestinos transformavam o lugar sagrado da mesquita em zona de guerra. Além disso, a polícia israelense temia que algo pudesse ocorrer ontem. O dia 10 de maio marca a reunificação de Jerusalém”, explicou. “A Autoridade Palestina e o Hamas espalharam sentimentos muito nacionalistas, como a informação de que Israel conquistaria as mesquitas. A polícia israelense entrou no local apenas para restaurar a ordem.”

Para Ibrahim Alzeben, embaixador palestino no Brasil, os incidentes na Mesquita de Al-Aqsa “fazem parte de um processo geral de ocupação israelense da Palestina”. “Israel faz o que sempre fez: expulsar a população palestina de sua terra, tomar seus lugares, casas, negócios, cultivos e criações. Soma-se a isso a busca de impedir que se realizem eleições palestinas. Há a tentativa de salvar Netanyahu de perder o poder e de ser preso por corrupção. Quando Israel persegue seus objetivos, não há limites para a violência”, declarou. “Israel vai escalar ainda mais a violência, buscando justificativas, ainda que artificiais e absurdas. Daí vem todo o resto: feridos, mortos e destruição.”

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Ponto crítico

“Esperamos que uma intifada não aconteça. O conflito está ligado com as eleições palestinas. É mais fácil culparem Israel do que enfrentarem os motivos pelos quais não há eleições na Autoridade Palestina. Ninguém tem os recursos e a energia para começar um novo confronto.” David Atar, chefe do Departamento Político da Embaixada de Israel


“A espiral de violência foi escalada, desde o primeiro segundo, por Israel. Primeiro, ao impedir o acesso dos fiéis à Esplanada das Mesquitas, em pleno mês do Ramadã. Agora, ao desalojar de Sheikh Jarrah, bairro de Jerusalém, famílias expulsas de suas casas por Israel ainda em 1948.” Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília

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