ORIENTE MÉDIO

Comunidade internacional busca saída diplomática para tensão no Oriente Médio

ONU, União Europeia e Rússia exigem redução das tensões entre Israel e Hamas, em meio à escalada do conflito. Joe Biden conversa com Netanyahu e reforça "apoio inabalável". Bolsonaro diz que lançamento de foguetes palestinos é "injustificável"

Rodrigo Craveiro
postado em 13/05/2021 06:00
Foguetes são lançados rumo a Israel a partir de área populosa de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas  -  (crédito: Said Khatib/AFP)
Foguetes são lançados rumo a Israel a partir de área populosa de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas - (crédito: Said Khatib/AFP)

Uma operação de assassinatos seletivos contra dois comandantes militares do Hamas, na Cidade de Gaza e em Khan Yunis, elevou ainda mais a tensão no Oriente Médio. Como resposta à morte de Bassem Issam, chefe da rede cibernética e da brigada do Hamas na capital da Faixa de Gaza, e de Jamaa Tahla, especialista no desenvolvimento de foguetes, o movimento fundamentalista islâmico intensificou os ataques contra Israel. O agravamento da crise e o risco de uma “guerra em larga escala” mobilizaram a comunidade internacional para buscar uma saída diplomática. No entanto, os esforços pela paz se esbarram na posição dos Estados Unidos, que bloquearam uma declaração do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que defendia a desescalada do conflito.

Por meio do Twitter, o presidente Jair Bolsonaro pronunciou-se sobre o conflito, na noite de ontem. “É absolutamente injustificável o lançamento indiscriminado de foguetes contra o território israelense. A ofensiva provocada por militantes que controlam a Faixa de Gaza e a reação israelense já deixaram mortos e feridos de ambos os lados”, escreveu. O presidente expressou condolências às famílias das vítimas e conclamou o “fim imediato de todos os ataques contra Israel”, além de manifestar apoio “aos esforços em andamento para reduzir a tensão em Gaza”.

Até o fechamento desta edição, a intensificação da violência no Oriente Médio tinha deixado 71 mortos: cinco civis israelenses — incluindo um menino de cinco anos, o pai e a irmã —, um soldado das Forças de Defesa de Israel (IDF) e 65 palestinos, entre eles 16 crianças. Os governos do Egito e do Catar negociam uma distensão imediata entre o Hamas e o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O presidente dos EUA, Joe Biden, telefonou ontem para Netanyahu e condenou os ataques do Hamas. “Ele transmitiu o apoio inabalável à segurança de Israel e ao legítimo direito de Israel de defender a si mesmo ao seu povo”, afirmou um comunicado da Casa Branca. Biden também transmitiu ao premiê o incentivo para que os israelenses encontrem um caminho para restaurar uma calma sustentável.

A ONU e a União Europeia (UE) exortaram as duas partes a evitarem as mortes de civis e a fazerem “tudo o que for possível para prevenir um conflito mais amplo”. Por sua vez, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, defendeu que Israel receba “uma lição forte e dissuasiva”. A declaração foi dada durante telefonema para o colega russo, Vladimir Putin. Ao mesmo tempo, os dois líderes somaram-se ao pedido por uma “desescalada”. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acusou Israel de ultrapassar todas as linhas vermelhas. Uma proposta de cessar-fogo bilateral apresentada pelo Hamas foi rejeitada de forma unânime pelo gabinete de Netanyahu. O premiê reforçou que os assassinatos seletivos de comandantes do Hamas são “apenas o começo”.

Consequências

Para Richard Falk, professor de relação internacional da Universidade de Princeton e ex-relator especial da ONU para a Palestina Ocupada (2008-2014), a tensão no Oriente Médio envolve potenciais consequências que podem, inclusive, se sobrepor até certo ponto. “Em primeiro lugar, existe o risco de uma violência ainda maior, com danos desproporcionais à Faixa de Gaza. Em segundo lugar, é possível a deflagração de uma terceira intifada (levante palestino), dotada de várias formas de resistência árabe, pelo menos enquanto Israel continuar com o seu plano de expulsar famílias palestinas do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental”, afirmou à reportagem.

As IDF divulgaram que cerca de 1,5 mil foguetes palestinos foram lançados contra Israel desde a segunda-feira. Um deles matou um menino de 5 anos, ao perfurar o mamad (quarto seguro) na residência da família, em Sderot. Na fronteira com Gaza, um soldado judeu foi morto por um míssil antitanque. No vilarejo de Dhamas, perto da cidade de Lod (centro de Israel), Khalil Awad, 52 anos, e a filha Nadine morreram atingidos por um foguete. Na noite de ontem, a metrópole costeira de Tel Aviv voltou a ser alvo de uma barragem de artefatos disparados a partir da Faixa de Gaza. “Agora, é 1h10 (19h10 de ontem em Brasília) e as sirenes antiaéreas começaram a soar. Isso significa que os foguetes estão a caminho. Nós acabamos de escutar a explosão deles no ar”, contou ao Correio o israelense Ittay Guram, 19 anos, que trabalha como garçom em Jaffa, cidade portuária que se confunde com Tel Aviv. “Não tenho medo, porque sei que Israel tem um bom sistema de defesa. Mas acho que ninguém merece viver isso.”

“Túmulos”

Morador da Cidade de Gaza, o jornalista e advogado Amer Alqadiry, 33 anos, estava confinado, em casa, com mais 15 pessoas. “Nossos dias são cheios de medo e de terror. Não existe lugar seguro na Faixa de Gaza, e os cidadãos não sabem como se proteger”, desabafou ao Correio. “Eles se escondem em suas casas, que se transformaram em caixas da morte e em túmulos, nos quais podem ser enterrados durante os bombardeios. As fumaças dos foguetes cobrem o céu. Enfrentei três guerras aqui. Nunca vi nada como agora” Segundo ele, a situação no enclave palestino é “apavorante”. “Estamos sob ataques aéreos com grandes mísseis da guerra de ocupação, em locais aleatórios.”
Os bombardeios sobre a Faixa de Gaza incitaram uma onda de tentativas de linchamentos entre árabes e judeus em diversas cidades de Israel. Em Lod, as autoridades impuseram toque de recolher, depois de violentos protestos. Segundo o jornal The Jerusalem Post, 374 pessoas foram detidas pelas forças policiais em diferentes localidades. “O linchamento jamais se justifica. Nós retomaremos o controle das cidades”, prometeu Netanyahu.

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Brasileiros em meio ao fogo cruzado

A professora Huda Al Assar, 55 anos, mora em um apartamento de três quartos com o filho e o neto, de 1 ano e 8 meses, na cidade de Deir Al Balah, no centro da Faixa de Gaza. Ela se considera brasileira de coração: mudou-se dos Emirados Árabes para o Brasil, aos 24 anos, acompanhada dos quatro filhos, na condição de refugiados. A família morou por 14 anos no Brasil e conquistou a residência permanente. Ela obteve CPF e identidade e deu entrada com os papéis requerendo a naturalização, mas mudou-se novamente para a Faixa de Gaza, em 2006, antes do fim do processo. Na terça-feira, ela perdeu dois alunos em um bombardeio — os irmãos Munther, 17 anos, e Manar, 16.

“Infelizmente, não conseguimos ter paz como gostaríamos. Eu e meus filhos morávamos no Brasil e sabemos o que é viver em paz”, afirmou. “Por aqui, não temos como nos proteger. Se vou morrer, então que seja dentro de minha casa. Não há para onde ir. Quando começam os bombardeios, tudo o que fazemos é orar. Nós aguardamos a morte”, desabafou.
Segundo Huda, os caças F-16 israelenses lançam bombas que perfuram o solo. “Quando a gente esquece uma janela fechada, ela explode. Sempre deixamos janelas e portas um pouco abertas. As casas que são mais antigas caem com a propagação do som da bomba”, afirmou. Na terça-feira, os bombardeios no centro de Gaza foram tão intensos que o neto de Huda não conseguiu dormir. “As luzes das bombas davam a ideia de que tudo ao redor pegava fogo. As crianças estão traumatizadas.”

Apenas 4km separam Gaza do kibutz Zikim, no sul de Israel, onde há oito anos vive a odontopediatra e professora pernambucana Gisela Berenstein Ajzman, 52 — antes, ela, o marido e os quatro filhos moraram durante 17 anos em Ashkelon. “A situação por aqui é insuportável e insustentável. Há duas décadas, recebemos foguetes. Durante as noites, temos que nos refugiar no mamad, o quarto de segurança”, lamentou. “Quando as crianças vão para a escola, têm que descer do ônibus e se jogar no chão. Minha filha, de 11 anos, está em tratamento psicológico. Ela tem medo de tomar banho sozinha.”

De acordo com Gisela, nos últimos 20 anos, qualquer coisa que incomode o movimento fundamentalista islâmico Hamas é motivo para ataques ao sul de Israel. “Nesta semana, eu tinha acabado de entrar no banho e tocou a sirene antiaérea. Onde moro, tenho 15 segundos para chegar ao quarto de segurança. A gente sai do jeito que dá, enrolado na toalha, de calcinha, pelado”, relatou. “Quando escutamos um chiado, sabemos que é o Domo de Ferro (escudo antimísseis) e já saímos correndo. Na intercepção do foguete, a casa toda treme.”

Em 2014, Gisela enfrentou um pesadelo: houve uma tentativa de invasão, pelo mar, ao kibutz, por parte de militantes palestinos. Avisada por telefone pelo sobrinho, ela pegou uma peixeira e a escondeu sob a cama. “Na noite passada, não conseguimos dormir, por causa do barulho dos bombardeios.” Na terça-feira, um foguete do Hamas caiu sobre a casa do amigo da filha, em um kibutz vizinho. Ontem, outra residência, a apenas 1km de onde ela estava, foi alvejada. “Eles caem em todos os lugares.”

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